José de Souza Martins - Escola com educação

José de Souza Martins: Escola com educação

- Valor Econômico/Eu & Fim de Semana

É compreensível que os pais de alunos de escola pública se inquietem com a suposta transformação da escola de seus filhos mais em escola de ideologia do que em escola de ciências, de literatura de humanidades. A concepção, também ideológica, de escola sem partido não deixa de conter uma mensagem igualmente partidária tão problemática quando a da escola como veículo de outros embates ideológicos. É difícil convencer quem quer que seja de que o suposto partidarismo na escola é um direito do professor. Não o é. Do mesmo modo, tampouco é um direito do professor pasteurizado deformar a educação de seus alunos em nome da falsa concepção de que o mundo atual é um mundo estéril, sem dilemas nem contradições.

Nessas questões, a família é a titular do direito de assegurar que seus filhos sejam educados no marco de valores sociais, sejam eles políticos ou religiosos, que os manterão afetivamente vinculados ao espírito e aos sentimentos da comunidade familiar. Os pais podem ser pais biológicos, e geralmente o são, mas são também pais sociais e espirituais. Transformar os filhos em filhos da escola é uma usurpação, mas negar à escola e ao professor a função histórica de agentes da civilização é outra usurpação.

Os sinais de eventual ideologização das universidades públicas não asseguram que aqueles de seus alunos que se destinarem ao magistério possam dar conta da missão civilizadora de suprir o que falta à família numa sociedade de transições mutilantes como a nossa.

Milhões de brasileiros estão em trânsito do mundo atrasado para o mundo moderno, o mundo rural já não é simploriamente rural. Quando muito foram reeducados pelos valores deploráveis da publicidade que patrocina programas populares. O médico, o professor, o advogado, o sacerdote e até o engenheiro, enquanto agentes culturais, estão sendo substituídos por atores formados na cultura de almanaque, disseminando o que é exercício ilegal da medicina, do magistério, da advocacia, da religião, da engenharia.

A verdade é que a mentalidade popular está cada vez mais dominada por uma cultura simplória de falsos saberes porque não contém nem mesmo o saber legitimado pela tradição, que era o que demarcava a sabedoria dos nossos avós da roça. Benzedeiras curavam soluço e mau-olhado; analfabetos tinham na memória extensa biblioteca de textos clássicos da tradição popular e contavam causos para reproduzi-los; rábulas do interior sabiam o que era justo e o que não era; capelães de roça conheciam as rezas; analfabetos de roça faziam casas que não caíam.

Quando os docentes da escola com partido abrem a boca na sala de aula, a fala já vem infectada pelas simplificações e deformações ideológicas que envenenam o conhecimento porque o privam da objetividade que lhe é própria. Escamoteiam o princípio de que a escola existe para ensinar a pensar e não para ensinar a repetir e imitar. Não é diferente a fala do docente da escola sem partido porque o vazio de que é porta-voz também está infectado pela falsa neutralidade de um silêncio que não é neutro, um cala a boca que não educa.

É verdade que a família da sociedade de transição não tem como se resguardar do esvaziamento que caracteriza a modernidade de feira livre e de botequim que vem tomando conta da sociedade brasileira em todos os campos. Também ela se apoia numa cultura de valores mutilados pelas perdas originadas da mudança social que a alcança. E pelas infiltrações substitutivas que vêm da cultura de tolices, mercantilizadas pela indústria da manipulação ideológica, seja ela política, religiosa ou comercial. Um número grande de famílias não tem condições de se defender dos ataques e agressões que vem tanto da escola sem partido quando da escola com partido.

A grande luta pela educação não está acontecendo nem pode acontecer numa sociedade em que os educadores são tratados como resto, desrespeitados até em sala de aula, até mesmo por pais de alunos. Os verdadeiros educadores, que hoje são menos do que os necessários, intimidados e humilhados pelos governos e pela sociedade, estão recolhidos ao silêncio dos derrotados numa guerra que não é a da educação.

O país precisa da escola com escola, a escola que educa nos valores da civilidade para a sociedade da civilização. Que compreenda que a esperança é muito mais do que o querer autoritário de partidos políticos. Sem esperança, a verdadeira e completa esperança, a que faz de cada cidadão, de cada jovem, de cada criança agente ativo de transformação da sociedade numa sociedade justa e feliz, a educação com escola ou sem escola será apenas resto, o nada que nos sobrou do muito que já tivemos em educação. Já fomos um país educador. Não o somos mais.
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José de Souza Martins é sociólogo. Membro da Academia Paulista de Letras. Entre outros livros, autor de “A Política do Brasil Lúmpen e Místico” (Contexto).

Agenda de Lula

Terça-feira, 27 de fevereiro de 2018
Santana do Livramento
10h00 – Encontro com Pepe Mujica

Santa Maria
19h00 – Visita na Fazenda Nova Santa Marta (maior ocupação urbana do RS)

Quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018
Santa Maria
09h00 – Reunião com reitores e diretores na Universidade Federal de Santa Maria

São Borja
17h00 – Visita aos Museus de Jango, de Getúlio e mausóleu do ex-presidente Getúlio Vargas na Praça XV de Novembro

Quinta-feira, 01 de março de 2018
Palmeira das Missões
18h00 – Encontro com movimentos sociais em Palmeira das Missões

Sexta-feira, 02 de março de 2018
Passo Fundo
13h00 – Visita aos cursos de saúde no campus de Passo Fundo da Universidade Federal da Fronteira Sul

Porto Alegre
19h00 – Ato pelo desenvolvimento regional e no Cone sul em Porto Alegre

Sábado, 03 de março de 2018
Florianópolis
10h00 – Reunião com reitores e diretores de Santa Catarina
12h00 – Ato pela educação no centro de eventos

Chapecó
19h00 – Atividade da agricultura familiar em Chapecó

Domingo, 04 de março de 2018
São Miguel do Oeste
14h00 – Visita na produção de leite CooperOeste
18h30 – Ato regional do Oeste de Santa Catarina

Segunda-feira, 05 de março de 2018
Francisco Beltrão
10h00 – Atividade da agricultura familiar do sudoeste do Paraná

Quedas do Iguaçu
17h00 – Ato pela reforma agrária

Terça-feira, 06 de março de 2018
Laranjeiras do Sul
10h30 – Visita ao campus da UFFS e laboratório de ecoagrologia
12h00 – Encontro com assentados no Assentamento 8 de junho seguido de almoço

Pinhão
18h00 – Encontro regional em Pinhão

Quarta-feira, 07 de março de 2018
Curitiba

19h00 – Ato de encerramento da Carava

Marco Antonio Villa - Os pelegos petistas e a ascensão social.

Os depoimentos de alguns presidentes do sindicato dos metalúrgicos do ABC transcritos no HYPERLINK “http://www.abcdeluta.org.br/” \n _blanksite HYPERLINK “http://www.abcdeluta.org.br/”www.abcdeluta.org.br são importantes para entendermos o significado de uma elite sindical que chegou ao poder e dominou o aparelho de Estado por mais de 13 anos. Claro que o primeiro depoimento tinha de ser de Lula. Em 1966, começou a trabalhar na Villares. Três anos depois fez parte da diretoria do sindicato como suplente, por indicação do irmão, frei Chico, vinculado ao PCB: “Nessa época, eu só lia A Gazeta Esportiva,”diz ele. Em 1972 foi eleito primeiro-secretário. Sua liderança se consolidou em 1977, quando da campanha de reposição salarial referente à manipulação da inflação de 1973: “O Delfim Netto”, diz ele, “tinha falsificado os índices de inflação.” No ano seguinte começaram as grandes greves, sem que a iniciativa fosse do sindicato. Em 1979, nova greve. A diretoria preparou a categoria para uma longa paralisação, construiu um ambiente de guerra, como explica Lula. Porém, os empresários cederam e atenderam às reivindicações. Na assembleia os milhares de operários desejavam continuar a greve. Cada orador que falava em terminar o movimento era vaiado: “Já tinha visto dois falarem na minha frente e sabia que os trabalhadores não queriam voltar ao trabalho.” Continua Lula: “ao invés de propor a aceitação do acordo, pedi um voto de confiança. Aí, a categoria me deu o voto de confiança.” Pouco depois, se reuniu com os empresários e acabou com a greve. Alonga (e derrotada) greve de 1980, para Lula, foi uma vitória: “Não ganhamos nenhum vintém, não ganhamos nenhum centavo. Perdemos muito, entretanto, do ponto de vista político, nós nunca ganhamos tanto, porque, depois da greve, veio a consolidação do PT enquanto partido político.” Sobre as centenas de demissões, nenhuma palavra. Conta alegremente os 31 dias de prisão, em 1980, e que lhe renderam uma aposentadoria. O delegado Romeu Tuma, do DOPS, atendeu todas as suas solicitações: desde um dentista até uma televisão para ver os jogos do Corinthians. Mesmo assim, houve uma greve de fome, contra a vontade de Lula: “Eu até tentei guardar umas balinhas embaixo do travesseiro. O Djalma descobriu e jogou fora as minhas balinhas.” Em 1981 Lula foi substituído por Jair Meneghelli, que começou a trabalhar na Willys, em 1963. Filiou-se ao sindicato somente 14 anos depois. Queria cursar madureza (o supletivo de então): “Quem era sócio pagava metade, quem não era sócio pagava integral. Então eu fiquei sócio para pagar metade.” Tinha como leituras prediletas o gibi infantil Tio Patinhas e A Gazeta Esportiva. Em 1978 recebeu de um militante comunista, o livro “Dez dias que abalaram o mundo”, do célebre jornalista americano John Reed, que trata da Revolução Russa de 1917. Diz que não entendeu nada: “Lia duas páginas e me esquecia o que eu tinha lido. Tinha lá exército vermelho, verde, cor-de-rosa, sei lá, um monte de coisa, cheguei para o Wagner, devolvi o livro e falei: ‘Wagner esse negócio é muito confuso rapaz, é um monte de partido naquela desgraça, o bom é aqui no Brasil, só tem Arena e MDB’.” Foi durante 8 anos presidente do Sesi designado por Lula. Vicente Paulo da Silva sucedeu Meneguelli. Aos 20 anos, em 1976, migrou para São Bernardo. Conseguiu emprego 11 dias depois. E isto “porque eu fiquei escolhendo onde trabalhar.” No ano seguinte se filiou ao sindicato. Achava que era um clube: “imaginava que tinha clube mesmo, para poder se encontrar, ir para alguma festinha.” Participou pela primeira vez de uma greve em 1979. Dois anos depois entrou para a diretoria. Em 1987 é eleito presidente do sindicato e sete anos depois assumiu a presidência da CUT. Acabou sendo eleito várias vezes deputado federal. Luiz Marinho foi o próximo. Chegou a São Bernardo em 1978, quando foi trabalhar na Volkswagen. Tinha 29 anos. Dois anos depois foi ao sindicato para se associar. Como esqueceu a carteira profissional não foi possível a filiação. Desistiu. Só voltou meses depois. Mesmo assim, em 1984 foi eleito tesoureiro. Permaneceu 12 anos em cargos burocráticos. Em 1996 chegou à presidência do sindicato e seis anos depois foi eleito presidente da CUT. Foi duas vezes ministro de Lula e prefeito de São Bernardo do Campo. Quatro biografias de êxito: presidente da República, deputado federal, ministro de Estado e presidente do Sesi. O que chama a atenção nos relatos é o arrivismo, o baixo nível de consciência política, a breve militância e a rapidez na ascensão burocrática, além do desejo de se afastar do universo da fábrica. A formação cultural é paupérrima. Não se fala em livros, jornais, panfletos, como na tradição do movimento operário. O mundo se resume ao sindicato, ao bar. São mais pequenos burgueses que operários. Almejavam a ascensão social. E conseguiram. Marco Antonio Villa é historiador

Artigo, Tito Guarniere - Distribuir renda, sim, mas a dos outros

Artigo, Tito Guarniere - Distribuir renda, sim, mas a dos outros

O debate sobre a concentração de renda, no Brasil e no mundo, está sempre em alta temperatura. Há teoria para todos os gostos. Eu mesmo tenho enunciado que com Lula e Dilma, ao contrário do que dizem e até do que era de se esperar de um partido que se diz de esquerda, o perfil de distribuição de renda no Brasil não melhorou em nada.  Não é figura de linguagem nem exagero.  Ficou igual ao que existia em 2003 quando o PT assumiu. Se houve um ligeiro avanço na renda dos mais pobres, foi compensado por igual avanço em favor das camadas mais favorecidas.
Os processos de concentração de renda são denunciados, nos meios acadêmicos e de esquerda, como um efeito colateral e necessário do capitalismo.  Eles têm razão.  O capitalismo é o sistema econômico dos desiguais. Está no seu cerne e na sua natureza.
Não é à toa que o socialismo atrai tantas vontades generosas. Não seria mais habitável um mundo em que não houvesse tantas diferenças entre as classes, entre pobres ou ricos, e onde todos pudessem desfrutar de uma situação de vida decente e confortável?
O problema está em que (quase) todos que propugnam em favor de uma distribuição mais justa da renda nacional, só querem distribuir a renda dos outros.
É suprema ingenuidade achar que uma sociedade mais igualitária possa ser alcançada através de medidas administrativas ou políticas públicas. A discussão prospera até que alguém diga:   muito bem, companheiros; precisamos distribuir melhor a renda e a riqueza. Alguém tem de ganhar: os mais pobres. E alguém tem de perder, os mais ricos. E de que modo podemos tirar a parte dos mais ricos, mexer no seu rico dinheirinho?
Aí, não é que a discussão apenas patine. Ela simplesmente congela. Porque os detentores da maior parcela de renda e da riqueza, não têm a menor disposição de perder os anéis e muito menos os dedos. Querem a prova provada? Olhem a atual polêmica sobre a previdência no Brasil. Todos sabem que está quebrada, ou em vias de quebrar, até mesmo os maluquetes que dizem se tratar de uma conspiração do governo de Temer, aliados aos patrões e banqueiros. Ou os que fazem uma conta torta e falaciosa das projeções possíveis da previdência brasileira, dizendo que ela não precisa de reforma.
O fato singelo, que ninguém gosta de admitir, é que a concentração de renda mais injusta e desigual, é a da previdência dos servidores públicos, face à previdência dos trabalhadores privados. No agressivo corporativismo brasileiro, ninguém abre mão de um único milímetro de suas “conquistas”, de seus “direitos adquiridos”. O Brasil gasta com um milhão de aposentadorias do setor público mais do que gasta com 33 milhões de aposentadorias do setor privado.
E como fazer, se os defensores de uma distribuição mais justa da renda nacional, são também os mais ferrenhos defensores dos seus direitos, agora mais do que adquiridos, sagrados e intocáveis?
Ao menos no Brasil, a mais iniqua das concentrações de renda   não tem a mão invisível do mercado, mas a mão visível dos tecnoburocratas do Estado, e dos altos estamentos da República. 

titoguarniere@terra.com.br

Viva Marighella! Viva a morte!

Viva Marighella! Viva a morte! - MARCO ANTONIO VILLA
O GLOBO - 13/02

Em seu manual, ele faz questão de explicar didaticamente como deve ser cometido um assassinato

Desde os anos 1980 consolidou-se como verdade absoluta que a luta armada conduziu o Brasil à redemocratização. Isto é reproduzido nos livros didáticos e repetido ad nauseam no debate político. Questionar esta versão falaciosa da História é tarefa fundamental no processo de construção da democracia no nosso país. E, em momento algum, deve representar qualquer tipo de elogio à bárbara repressão efetuada pelo regime militar, especialmente nos anos 1968-1976. Ou seja, o terrorista e o torturador são faces da mesma moeda. Com o agravante, no caso do torturador, de que sua ação foi realizada sob cobertura estatal.

Num país sem tradição democrática, os cultores do extremismo ganharam espaço — inclusive na reconstrução do passado. Hoje, torturadores são elogiados em pleno Congresso Nacional, como vimos na sessão da Câmara dos Deputados que autorizou o encaminhamento para o Senado do pedido de impeachment de Dilma Rousseff; assim como, no dia a dia, terroristas são homenageados nas denominações dos logradouros e edifícios públicos.

Carlos Marighella é um caso exemplar. Militante comunista desde a juventude, stalinista, acabou rompendo com o Partidão após os acontecimentos de 1964. Fundou a Ação Libertadora Nacional (ALN), um grupo terrorista, fortemente influenciado pelas teorias revolucionárias de Fidel Castro e, especialmente, Che Guevara. Foi a Cuba e estabeleceu uma aliança com a ditadura castrista. A ALN se notabilizou pelos impiedosos ataques terroristas e pelo assassinato até de militantes que desejavam abandonar a organização, como no caso do jovem Márcio Leite de Toledo.

Mesmo assim, na canhestra metamorfose tupiniquim, virou um lutador da liberdade. Agora também no cinema. O ator Wagner Moura está produzindo um filme — claro que com o apoio da Lei Rouanet — para glorificar, ainda mais, Marighella, apesar de a Constituição definir no artigo 5º, inciso XLIII, o terrorismo como crime inafiançável e insuscetível de graça ou anistia. Ou seja, o Estado brasileiro, através do Ministério da Cultura, está rasgando a Constituição ao conceder seu apoio financeiro a uma película que afronta um princípio tão caro da Carta Magna.

Carlos Marighella é autor do Manual do Guerrilheiro Urbano. O documento não pode ser considerado uma ode ao humanismo, muito pelo contrário. Logo no início, afirma que o terrorista “somente poderá sobreviver se está disposto a matar os policiais.” E que deve se dedicar “ao extermínio físico dos agentes da repressão.” O herói de Wagner Moura exemplifica várias vezes como matar policiais: “a grande desvantagem do policial montado é que se apresenta ao guerrilheiro urbano como dois alvos excelentes: o cavalo e o cavaleiro.” E continua, páginas depois: “as greves e as breves interrupções de trânsito podem oferecer uma excelente oportunidade para a preparação de emboscadas ou armadilhas cujo fim é o de destruição física da cruel e sanguinária polícia.” Marighella faz questão de explicar didaticamente como deve ser cometido um assassinato: “a execução pode ser realizada por um franco-atirador, paciente, sozinho e desconhecido, e operando absolutamente secreto e a sangue-frio.”

O fundador da ALN não tem pejo em se proclamar um terrorista: “o terrorismo é uma ação usualmente envolvendo a colocação de uma bomba ou uma bomba de fogo de grande poder destrutivo, o qual é capaz de influir perdas irreparáveis ao inimigo.” O democrata Marighella, ídolo de Wagner Moura, quer ficar distante dos defensores da “luta sem violência.” Diz ele — delirando — que não passam de manobras pedir “eleições, ‘redemocratização’ (as aspas são do terrorista), reformas constitucionais e outras bobagens desenhadas para confundir as massas e fazê-las parar a rebelião revolucionária nas cidades e nas áreas rurais do país.” E, raivoso, conclui: “Atacando de coração essa falsa eleição e a chamada ‘solução política’ (aspas dele) tão apeladora aos oportunistas, o guerrilheiro urbano tem que se fazer mais agressivo e violento, girando em torno da sabotagem, do terrorismo, das expropriações, dos assaltos, dos sequestros, das execuções.”

O terrorista é infatigável na defesa da violação dos direitos humanos. Indica como tarefa fundamental os sequestros. Diz Marighella: “sequestrar é capturar e assegurar em um lugar secreto um agente policial, um espião norte-americano, uma personalidade política ou um notório e perigoso inimigo do movimento revolucionário.” Em todo manual não há, em momento algum, qualquer valorização de algum ideário democrático. Nada disso. A morte — e não o voto — é a companheira fiel do terrorista. Cabe a ele, matar, matar, matar.

O filme poderá captar R$ 10 milhões (!!) do Estado burguês, não é, Wagner Moura? Afinal, o Erário serve para isso. Até para subsidiar uma película reacionária, antidemocrática e stalinista. Que falsifica a história sem nenhum pudor. Chega até a transformar um pardo em um negro, pois, de acordo com as notícias, o terrorista será interpretado pelo cantor Seu Jorge. Inacreditável.

A resistência democrática não fez parte do programa de nenhum grupo terrorista. Todos, sem exceção, defendiam religiosamente que o Brasil deveria caminhar para uma ditadura do proletariado. A divergência é se o nosso país seria uma Cuba, União Soviética ou uma China. A triste ironia é que os perdedores acabaram vencendo no discurso histórico. Aqueles que desqualificavam a democracia e agiam tão ditatorialmente como o regime militar, que diziam combater, foram alçados a mártires da liberdade.

Marco Antonio Villa é historiador