Durante o voo de retorno dos Estados Unidos decidi assistir novamente à série Chernobyl, produzida pelo canal HBO, em 2019, baseada no livro homônimo (publicado no Brasil pela L&PM, de Andrew Leatherbarrow). A história é conhecida, assim como as produções literária e em vídeo, portanto, não há spoiler no texto a seguir.
Meu ponto aqui é outro: a absurda semelhança entre o que viviam os soviéticos e o Brasil de hoje – a começar pelo ex-sapateiro que se transforma no todo-poderoso chefão de uma agência nuclear. Ou seja, um sujeito sem capacitação para o cargo assume uma função importante. Se você pensou em Fernando Haddad neste momento, liderando o Ministério da Fazenda, saiba que não foi o único.
Há inúmeras passagens que revelam o modus operandi da esquerda da época e que se reproduzem atualmente aqui: a versão que vale mais do que o fato, o mérito sendo atropelado pelo apadrinhamento político, o controle e opressão do Estado sobre a população, a verdade sendo assassinada pelo bem do regime. É algo que permeia todos os episódios e que remetem ao lulopetismo vigente em Banânia.
Há um momento, logo depois da explosão do reator, em que o comitê local está reunido para decidir o que fazer. A nuvem radioativa está no ar e a discussão era a necessidade de desocupar a cidade. Em meio ao debate, um prócer comunista levanta-se, faz um discurso inflamado, invoca o nome oficial da usina (uma homenagem ao tirano Vladimir Lenin) e convence a nomenklatura presente a fechar as saídas de Pripyat. Era o atestado de morte de boa parte da população local. Mais uma vez, o comunismo aprisionava pessoas pelo bem do próprio regime.
O mais assustador, porém, está reservado ao final. E, mais uma vez, há semelhanças. Antes de iniciar o julgamento, Valeri Legasov (personagem da vida real), um químico de expressão que é chamado às pressas para ajudar o regime a resolver o problema, é estimulado a contar a verdade por Ulana Khomyuk (personagem ficcional, criada para homenagear todos os demais cientistas que se envolveram na tragédia).
E qual era a verdade? Apesar das inúmeras decisões erradas e do comando ditatorial do chefe de Chernobyl, havia uma falha no projeto. Uma falha que expunha ao mundo uma União Soviética longe da perfeição. A intenção de Khomyuk era uma só: evitar que a tragédia de Chernobyl se repetisse em outras usinas (16 ao todo) em território soviético e que usavam o mesmo sistema.
Legasov argumenta – com razão – que o julgamento nada mais é do que um teatro, com cartas marcadas, uma fantasia cuja intenção é transmitir uma mensagem de justiça, mesmo que o veredicto já fosse conhecido antes mesmo do exame do tema. Já se sabia quem seriam os condenados e quais suas penas. Obviamente, a “grande mãe Rússia” seria poupada. Ao final, o químico leva adiante a denúncia, paga um preço alto por isso, mas ao longo dos anos seguintes, com o colapso da URSS, as mudanças necessárias são realizadas.
Aqui em Banânia, na última terça-feira, assistimos a um escárnio, mas de desfecho bastante previsível. Todos nós sabíamos que o ex-procurador de Justiça e hoje deputado federal, Deltan Dallagnol, seria cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral, em sessão presidida por Alexandre de Moraes, em uma ação cujo relator era o ministro Benedito Gonçalves – sim, aquele que recebeu de Lula tapinhas no rosto. Sim, o Brasil produziu isso. O investigador no papel de mocinho foi transformado em vilão. É como se Lex Luthor (o bandido careca da DC Comics) virasse herói, no mesmo momento em que o Super Homem passa a usar uniforme de presidiário. Sim, o Brasil virou a União Soviética.