TITO GUARNIERE - PÓS-VERDADE E COERÊNCIA

TITO GUARNIERE
PÓS-VERDADE E COERÊNCIA
Na era da pós-verdade vale tudo e coerência é artigo raro.
A companheirada petista, por exemplo, chiou um bocado por causa do arquivamento do processo contra Aécio Neves (PSDB-MG) na Comissão de Ética do Senado. Faz parte do jogo, o protesto. Mas o evento se deu quase na mesma hora em que a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) tinha sido eleita presidente nacional do partido. Ora, Aécio provavelmente venha a ser réu, mas ainda não é. Já a senadora é ré na Lava Jato. Ao que se tem notícia, nem por isso alguém - e menos ainda do PT - pediu a abertura de processo na Comissão de Ética contra ela.
O colunista André Singer, petista roxo, escreveu na Folha o artigo: "Delação da JBS revela corrupção selvagem". E ali, no seu espaço privilegiado, ele discorre sobre a explosiva delação de Joesley Batista. Porém André pegou a delação só na parte que lhe convinha, que era a corrupção de Temer e Aécio. Não deu um pio sobre a revelação de Batista de que Lula e Dilma tinham ao seu dispôr uma mesada de U$ 150 milhões de dólares para gastos eleitorais e (digo eu) despesas extras.
Ou seja Singer, que já foi Secretário de Imprensa de Lula e que escreve coluna em jornal da grande imprensa, tem para si, e divulga com a maior cara de pau, que Joesley Batista fala a verdade quando denuncia a corrupção "selvagem" de Temer e Aécio, mas mente - tanto que nem registra - quando o açougueiro predileto do doutor Janot denuncia Lula e Dilma, no corpo da mesma delação.
O caso de Jânio de Freitas diz respeito à coerência, à prova dos fatos, independente e apesar dos fatos. Na sua coluna da Folha jamais se lê um só ponto ou vírgula, que de algum modo possa atingir as figuras de Lula, Dilma e petistas em geral. Não importa de que sejam acusados, não importa em quantos processos sejam réus. Já quanto ao PSDB, Serra, Aécio, FHC, a pauleira come solta.
Em artigo da semana passada, Jânio critica a inciativa em andamento, no Congresso, de votar uma verba de R$ 3,5 bilhões destinada ao fundo dos partidos. Quem está articulando a farra? Todos os partidos. Todos querem a sua parte no butim. Jânio dá a notícia na sua coluna e adivinhem quem levou a culpa sozinho? Tasso Jereissati, presidente interino do PSDB. E por pouco não sobrou para Aécio Neves, que nem no exercício do mandato está, e a quem Jânio cita no contexto do seu artigo. Mas Jânio não é incoerente, como tantos outros. É apenas membro de torcida organizada.
Mas ninguém pense que a coerência e a exatidão de análise sejam ralas só pelos lados de jornalistas como Jânio, e de partidos como o PT. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, nas últimas semanas, também deu valiosa contribuição para a esquizofrenia nacional, que não para de ter surtos. Agora, FHC quer que Temer renuncie. Mas não quer que o seu substituto seja por via indireta, porque "esse Congresso também está em causa". Muito bem. Olhando de longe parece bom. Mas há aí um porém: no singular raciocínio do ex-presidente o Congresso está desacreditado para a escolha indireta do novo presidente, mas abre-se uma exceção no descrédito para que ele possa convocar eleições diretas fora de hora.
titoguarniere@terra.com.br

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Exportações de junho

Os bons resultados vindos das exportações – tanto de commodities como de manufaturados – e as importações ainda fracas, respondendo à lenta retomada da atividade econômica, continuaram determinantes para o desempenho do comércio exterior em junho. 

O saldo da balança comercial brasileira foi positivo em US$ 7,2 bilhões no mês passado, após apresentar superávit de US$ 1,9 bilhão na última semana do mês, de acordo com os dados divulgados ontem pelo Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços. Esse resultado é equivalente a um superávit de US$ 70 bilhões em termos anualizados, levando em consideração os ajustes sazonais. Para tanto, no mês passado, as exportações somaram US$ 19,8 bilhões, superando as importações, que alcançaram US$ 12,6 bilhões. Ao comparar tais resultados com as médias diárias de junho do ano passado, verificou-se crescimento de 23,9% dos embarques e de 3,3% das compras externas. A expansão das exportações foi explicada pelo aumento das vendas das três categorias de produtos: básicos (28,5%), semimanufaturados (28,2%) e manufaturados (16,1%). Em relação às importações, houve crescimento de gastos, principalmente com combustíveis e lubrificantes (62,4%) e bens intermediários (13,6%). Assim, o saldo da balança comercial acumulou superávit de US$ 36,2 bilhões no ano e, para o fechado de 2017, projetamos superávit de US$ 60 bilhões.

Artigo, Fernando Gabeira, O Globo – Conversa num barco encalhado

Na semana passada nosso barco encalhou perto da Baía dos Pinheiros, no litoral sul do Paraná. A maré baixou rápido e ficamos mais ou menos perdidos: só tínhamos as coordenadas e um rádio. Não havia o que fazer, exceto esperar a maré subir. Alguém me provocou: nosso barco está encalhado como o país.

Nessas horas de espera a gente alonga a conversa. Disse que de uma certa forma só voltaríamos a flutuar quando viessem as eleições de 2018. Até lá estaremos encalhados de uma forma diferente do pequeno barco colado na lama do fundo do mar. Haveria muita turbulência e, como estamos no final de uma grande investigação, muitas situações repetidas.

A de Temer, por exemplo, afirmando que não há provas, dizendo-se vítima de uma perseguição. Quem não ouviu essa fala em outros atores da grande série político-policial?

Embora às vezes a gente se sinta perdido na complexidade da crise brasileira, é possível achar um rumo. Ele passará pela sociedade e pelo Congresso. Vamos entrar num período eleitoral, e a sociedade costuma ter mais peso nessas épocas. O Congresso torna-se mais sensível às pressões populares. De memória, lembro-me apenas de uma grande exceção: a derrota na emenda Dante de Oliveira.

Enquanto o barco não sai do lugar, movido pelos ventos da legitimidade, há muito o que fazer na espera. Num barco, temos de distribuir as bananas, agasalhar a garganta do sudeste frio que sopra no litoral. Num país é preciso saber o que se quer enquanto estamos à espera de voltar a navegar. Fora Temer, ou fica Temer.

A Câmara terá que decidir isto. Mas não o fará sozinha. Se a pressão social a levar a aceitar a denúncia contra Temer, é o fim para ele. Só restará, depois de visitar a União Soviética, passar umas férias no Império Austro-Húngaro.

Começaria aí uma nova etapa, a escolha do novo presidente. É preciso algumas precauções básicas, pois não é possível derrubar presidentes com tanta frequência.

Entregue a si próprio, o Congresso tende a escolher alguém que o proteja da Lava-Jato. Mas não existe mais possibilidade de tomar as decisões nas madrugadas. Uma vigilância social pode conter os passos do escolhido para a transição.

O que se espera de um presidente de país encalhado é principalmente tocar a administração. Quando a maré subir, com eleitos no poder, tomam-se as grandes decisões.

Alguém me lembra que isso é não é uma situação sonhada. Mas a que a realidade nos coloca. Mesmo as eleições de 2018, embora tragam mais legitimidade aos eleitos, não devem ser vistas na categoria de sonho, mas sim de uma oportunidade, depois de tudo o que pessoas viram e ouviram sobre o sistema político partidário.

Na rua ouvem-se muito os nomes de Lula e Bolsonaro. Potencialmente pode surgir uma força de equilíbrio que suplante as duas. Não creio que aconteça o mesmo que aconteceu na França, onde houve uma ampla renovação, da presidência ao Congresso.

Mas alguma coisa vai acontecer. Enquanto a maré não sobe, há muito o que fazer no barco encalhado. É preciso que o essencial funcione.

No momento em que escrevo ouço os helicópteros da PM sobrevoando o morro. Uma dezena de tiroteios por dia, uma onda de roubos de carga, imagens de crianças deitadas no chão da escola enquanto os tiros ecoam.

Temer chegou a anunciar um plano de segurança para o Rio. Era pura agenda positiva, esse tipo de ação que fazem quando a barra está muito pesada e é preciso mudar de assunto. A dimensão da crise no cotidiano, a existência de 14 milhões de desempregados, esse pano de fundo inquietante torna a tarefa mais difícil. Quando governantes já caídos se apegam ao poder, na verdade colocam seu destino acima do destino nacional. Os reflexos na economia são sempre negativos.

A compreensão do momento vai exigir da sociedade evitar que o barco encalhado torne-se um barco naufragado. Será preciso um amplo entendimento entre todos que reconhecem a gravidade da crise, para que cheguemos em condições razoáveis em 2018.

Esta semana faltaram passaportes na Polícia Federal. É um sintoma. Se não houver o mínimo de energia na administração, daqui a pouco não faltarão apenas passaportes mas as próprias saídas.

Não é nada agradável se desfazer de dois presidentes num curto espaço de tempo. Mas o roteiro, de uma certa forma, estava escrito. Retirado o PT do governo, restaram em seu lugar os companheiros de uma viagem suja pelos cofres públicos brasileiros.

A investigação chegou a eles e à própria oposição. Não importa qual o desfecho jurídico desse imenso esforço, ele serviu para desvendar para a sociedade um gigantesco esquema de corrupção e um decadente sistema político partidário.

Daí pra frente a bola está com a sociedade.