China X EUA: Saiba o que há por trás da guerra do 5G com a Huawei - LUIZ FELIPE SIMÕES

“A República Popular da China (RPC) está explorando cada vez mais o capital dos Estados Unidos para obter recursos e permitir o desenvolvimento e a modernização de seus aparatos militares, de inteligência e outros de segurança”. São essas as palavras que o presidente norte americano Donald Trump utilizou para justificar uma ordem executiva que proíbe americanos de investirem em 31 empresas chinesas. Dentre elas, Huawei, China Telecom e Hikvision.


A decisão, que entrará em vigor em janeiro, acirra ainda mais a guerra que começou entre as duas maiores potências do mundo desde que a tecnologia do5G foi anunciada. A batalha travada entre China e Estados Unidos teve início primeiro com as redes e depois se estendeu para os aparelhos da Huawei. Hoje em dia, os smartphones da fabricante chinesa estão impedidos de utilizar o sistema operacional Android e, agora possuem o seu próprio, chamado HarmonyOS.


A companhia chinesa Huawei, fundada em 1987, opera redes em 170 países e emprega mais de 194 mil pessoas. Recentemente, ultrapassou a Samsung como a maior vendedora de smartphones do mundo. Grande parte do sucesso da gigante asiática se deve pelo seu compromisso com a inovação, pois a empresa investe cerca de 10% do seu lucro anual em pesquisa e desenvolvimento.


A fabricante chinesa vem desenvolvendo a tecnologia do 5G desde 2009, tanto internamente como também por meio entidades de padronização. Para os consumidores comuns, a quinta geração da internet móvel permitirá velocidades de download mais rápidas, o desenvolvimento da internet das coisas e também de veículos autônomos.


Do lado econômico, o potencial de geração de riqueza com o 5G é imenso e gira na faixa dos trilhões de dólares. A tecnologia será fundamental para o desenvolvimento das economias nas próximas décadas.


Além dos fatores econômicos, há também os fatores geopolíticos. Informações encontradas nos documentos da NSA (Agência Nacional de Segurança) dos EUA vazados Edward Snowden em 2013 oferecem algumas pistas sobre isso.


Soberania Informacional


Em 2010 a NSA invadiu os servidores da Huawei durante uma operação. A premissa era encontrar traços que pudessem ligar a companhia chinesa ao Exército de Libertação Popular, além de identificar quaisquer vulnerabilidades nos aparelhos, a fim de permitir que a inteligência dos EUA monitorasse os clientes da Huawei inseridos no governo Chinês, como a agência já faz em países como Irã e Paquistão.


De acordo com os documentos vazados por Snowden, a intenção da NSA era clara. “Muitos de nossos alvos comunicam-se por meio de produtos produzidos pela Huawei. Queremos ter certeza de que sabemos como explorar esses produtos e também queremos garantir que manteremos o acesso a essas linhas de comunicação”, explicou o documento.


A dominância da Huawei na tecnologia do 5G poderia vir a ser uma barreira para a supremacia dos EUA na área de inteligência. Isso porque a empresa chinesa não seria tão receptiva sobre pedidos das agências de inteligência dos EUA, como são os seus concorrentes europeus.


Com isso, os EUA passaram a acusar a Huawei de construir caminhos alternativos que permitiriam o regime chinês de espionar os aparelhos. Na última investida do governo americano, o secretário de estado Mike Pompeo ameaçou parar de compartilhar informações com qualquer membro que utilizasse a infraestrutura 5G da Huawei. “Se um país adotar e colocar em alguns de seus sistemas críticos de informação, não vamos poder compartilhar informações com eles”, contou.


Mercado de patentes


Outro ponto importante, mas que pouco se fala a respeito, é em relação às patentes que envolvem a quinta geração da internet móvel. O 5G nada mais é do que um padrão, ou seja, todas as redes e dispositivos que dependem dele deverão estar de acordo com suas especificações, e isso envolve tecnologias patenteadas. Segundo o Le Monde Diplomatique, um celular com wi-fi e tela TouchScreen pode ter mais de 250 mil patentes dentro.


O problema das patentes é que elas acarretam em despesas com licenciamento. A Qualcomm, que venceu a corrida do 2G, tem mais de dois terços das suas receitas vindas da China, e a maior parte dela vem da Huawei. Desde 2001, a Huawei gastou mais de US$ 6 bilhões em royalties, cerca de 80% para empresas americanas.


Hoje em dia as coisas são diferentes, pois a Huawei tem o maior portfólio de patentes relacionadas ao 5G, o que segundo o Le Monde vai de encontro com a distribuição geográfica das patentes, com os EUA e a Europa Ocidental, perdendo terreno para os países asiáticos.


Empresas como a Apple e o Google também são acusadas de espionarem seus usuários. Legisladores dos EUA convocaram representantes das empresas a prestarem esclarecimentos ao comitê de energia e comércio sobre como e quais informações os dispositivos coletam.

WhatsApp, ferramenta do demônio - ANTONIO PRATA

Se usássemos tambores ou sinais de fumaça, nos entenderíamos melhor



Neste ano, engolfado pelo conluio tenebroso entre confinamento e Bolsonaro, entrei em diversos grupos de zap cujo objetivo é defender e aprimorar a democracia. “Conversas progressistas”, “Esporte pela democracia”, “#estamosjuntos”, “Autores democratas”, “Escola antirracista”, “Corredores antifascistas” e por aí vai. Não houve um único grupo em que não chegássemos, em algum momento, numa batalha campal.


Engraçado (nem um pouco, na verdade) é a semelhança das brigas. Frases como “Gente, vamos respeitar a opinião alheia?”, “Discordar é uma coisa, debochar é outra!”, “Desculpa, não era esse o tom que eu quis dar”, “A gente já não tinha decidido isso, pessoal????!” e invariavelmente: “fulano saiu do grupo”, “sicrano saiu do grupo”, “beltrano saiu do grupo”.


Depois de participar da décima batalha virtual, comecei a desconfiar que o problema não era das pessoas, das causas, do desespero com o governo ou do estresse com a quarentena. A encrenca era a ferramenta. Quando penso, hoje, sobre criar um movimento coletivo via WhatsApp, a imagem que me vem à cabeça é a de servir um almoço, coletivamente, sobre uma esteira rolante.


Às 14:32:28 o Daniel põe um garfo. A Joana chega às 14:32:35 e põe a faca, o Valter, entrando às 14:32:43, reclama: “Gente, tá o garfo num lugar e a faca três metros depois, não seria mais interessante botarmos um do lado do outro?”. “Desculpa, querido, mas você chegou agora, eu e a Joana estamos aqui tentando botar a mesa, se você tivesse chegado antes, poderia ajudar mais em vez de criticar”. Aí vem alguém com a salada, outro estende a toalha por cima, a carne fica ao lado da sobremesa. Oito da noite, um desavisado entra no grupo e sugere, sem saber o que rolou ali o dia todo: “pessoal, e se puséssemos a mesa?”.


Não é a mente vazia a oficina do demônio, é o WhatsApp. Dentro dele a conversa não se concatena, os raciocínios não fecham, as decisões invariavelmente ficam no ar. É uma ferramenta perfeita pra disseminar o caos, no bom e no mau sentido. O bom sentido é a bagunça dos grupos de amigos. Ninguém ali está tentando construir nada, só quer se divertir postando memes, gifs, vídeos engraçados. Qualquer um pode entrar a qualquer hora e em qualquer ponto da conversa e simplesmente sorrir com o que passa na esteira.


Já no lado maléfico da balbúrdia está a disseminação de fake news. Justamente pelo fato de as conversas não terem começo, nem meio nem fim, tudo chega entreouvido. Frases soltas. Informações desconexas. O Trump querendo que parassem a contagem dos votos nos estados onde estava na frente e poderia perder, ao mesmo tempo em que exigia a continuação da contagem onde poderia ganhar é o tipo de loucura que só faz sentido neste mundo do WhatsApp.


O fato de estarmos vinte e quatro horas por dia com a cara no celular, discutindo em 176 grupos, simultaneamente, também não colabora muito na concentração. Incêndio no Pantanal, legalização do aborto, mamadeira de piroca, eleição na Índia, violência policial e figurinhas da Hebe fazendo coraçãozinho de mão se misturam, sem muita hierarquia e em alta velocidade. É na tela plana que germinam as Terras planas. Duvido que, se estivéssemos todos em torno de uma mesa, olhos nos olhos, as pessoas teriam coragem de dizer metade dos absurdos que enviam por WhatsApp.


Acho até que, se em vez de celulares usássemos tambores ou sinais de fumaça, nos entenderíamos melhor. Mesmo porque deve ser bem difícil comunicar, com toques de atabaque ou uma fogueira, conceitos tais como “mamadeira de piroca”.


Antonio Prata

Escritor e roteirista, autor de “Nu, de Botas