Artigo, Milton Pirs - Réplica a Marco Antonio Villa

Acabo de ler "Arqueologia do Impeachment" - artigo publicado pela Revista Isto É e de autoria de Marco Antônio Villa - que busca explicar, estabelecendo uma narrativa histórica, a queda de Dilma Rousseff.

Minhas discordâncias com Villa já começam no uso do termo Poder. O historiador acredita que o PT saiu do Poder.Eu não. Afirmo que Poder e Governo são conceitos completamente diferentes e que o PT saiu do Governo; não do Poder - neste ele continua forte como sempre e segue controlando a Igreja, a Universidade e a gigantesca maioria da imprensa brasileira.

Afirmo que as três forças que derrubaram Dilma foram (em ordem decrescente de importância)

1. O colapso, o verdadeiro caos que o governo de marginais petistas provocou na Economia do Brasil, com a maior queda da produção industrial, aumento do desemprego e cotação do dólar em décadas. 

2. Uma operação da Polícia Federal capaz de envolver, já no seu início, o Executivo e o Legislativo e agora (também) o Judiciário na pessoa do Ministro corrupto do STF,   Dias Toffoli.

3. A emergência das redes sociais como única forma de imprensa livre num país em que, até 2015, não se conseguia publicar NADA capaz de atingir o Regime Petista na grande mídia por ele controlada. 

Vejam que eu sequer menciono os movimentos e manifestações de rua. Participei de todos eles e acredito que sua importância é tão pequena que não merece, nem mesmo, ser mencionada. Também não acredito em filósofos de internet, médicos gaúchos perseguidos, nem roqueiros como líderes daquilo que aconteceu. 

Lembrar a loucura financiada pelo PSOL em 2013 e protagonizada por vagabundos mascarados que incendiavam carros e quebravam lojas em nome de uma "passagem de ônibus gratuíta" é mais ridículo ainda. 

As manifestações de rua de 2015 nasceram reunindo desde os monarquistas até aqueles que pensavam que a administração pública brasileira deveria ser uma espécie de Uber e a nossa Constituição a "Revolta de Atlas" (isso para não citar os grupos de intervenção militar dos quais eu mesmo participei). 

Terminaram, estas passeatas, controladas pelo PSDB e pela Revista VEJA nas formas de MBL, Vem Pra Rua e Revoltados Online. Quanto a "oposição",  esta só se formou, de verdade, em 17 de abril de 2016 na Câmara dos Deputados e, mesmo assim, em nome "de Deus", "dos filhos", "do cachorro", "das mulheres da Amazônia" e de outras bobagens invocadas por picaretas que, sem saída perante a opinião pública, votaram a favor do Impeachment. 

Só dois deputados se manifestaram de forma capaz de representar projetos de poder: Glauber Braga defendendo assassinos (como Marighella e Lamarca) e Bolsonaro dando-lhe resposta com a referência ao Cel. Brilhante Ustra e ao delírio do DOPS e do DOI-CODI. 

Villa e eu temos interpretações completamente diferentes do processo que derrubou Dilma. Ele fez a exposição do pensamento dele. Fica aqui, para História, o registro do meu. 

Ele é um historiador profissional e eu sou só um médico, mas nós dois vivemos tudo aquilo que aconteceu. 

Porto Alegre, 21 de agosto de 2016



Artigo, Mary Zaidan - A melhor lição olímpica

A melhor lição olímpica
21/08/2016 - 01h20
O Brasil fez bonito. Atletas, organizadores, voluntários, público daqui e de todo o lugar do planeta. Um espetáculo de orgulhar até os mais ranzinzas. Mas em seu cotidiano o país está longe do espírito e das lições olímpicas. Digladia-se com o seu próprio sucesso, alimenta polêmicas inúteis. E não tem Engov capaz de refazê-lo da ressaca do dia seguinte, quando tudo voltará a ser como antes.

Nesse meio mês de jogos, abriram-se espaços para os especialistas em tudo, muitos execrando atletas de modalidades das quais nem mesmo conhecem as regras. Até a torcida foi vítima da chatice do politicamente correto, alvo de críticas por vaiar atletas, reação usual em todos os cantos do mundo, tão legítima quanto o aplauso.

A má vontade com os jogos em um momento que não cabia mais debater se o Rio tinha ou não de sediá-los frequentou rodas de artistas e intelectuais, bares, esquinas, redes sociais e a mídia convencional. Exemplo cristalizado pela Folha de S. Paulo depois da medalha de prata em das meninas em Copacabana: “Militar, dupla não consegue quebrar jejum de 20 anos no vôlei de praia”.

Além de desdenhar das atletas, a manchete, para lá de agressiva, expôs uma das maiores polêmicas dos jogos: o patrocínio militar. Quase um terço da equipe do Brasil – 145 dos 465 atletas que participaram dos jogos – integra o Programa de Atletas de Alto Rendimento das Forças Armadas. Tem patente de terceiro-sargento e recebe soldo.

O Brasil não é nem o primeiro nem o único país em que as Forças Armadas bancam treinamento de atletas. Acontece na totalitária China, na social-democrata França, na anárquica Itália. Mas, por aqui, o que deveria ser investimento em competitividade se transformou em rixa ideológica. Ridícula, boba, de ocasião.

Um antagonismo ranheta e ultrapassado de fundamentalistas de direita e esquerda que expressa o quão imaturo o país ainda está.

De um lado, extremistas de direita derretendo-se em loas não à competência dos atletas, mas ao fato de eles serem militares. De outro, esquerdóides fazendo pouco do mérito dos medalhistas. Para essa turma, bater continência à bandeira – que já havia dado pano para manga no Pan-americano de Toronto – é crime.

E para arrematar o conjunto de absurdos, o Ministério da Defesa se vangloria não das vitórias brasileiras, mas do fato de uma dúzia das medalhas serem de atletas-militares. Como se militar fosse melhor do que civil, como se uma categoria fosse mais brasileira do que outra.

Fora o enfado de ranços dessa natureza, tudo deu certo. Os jogos da zika endêmica e da violência extrema surpreenderam pela ausência do Aedes Aegypti, que sabidamente some no inverno, e pela presença de policiamento ostensivo.

Quase tudo. Não fosse a morte a tiros do soldado Hélio Vieira Andrade, no Complexo da Maré, a escancarar de forma trágica que o Rio real não é o olímpico, as ocorrências negativas dos jogos se limitariam a pedras atiradas em um ônibus com jornalistas, dois assaltos de fato e outro inventado por nadadores americanos, que feriu mais o brio dos brasileiros do que a morte do militar de Roraima.

É inegável que o Rio - e com ele, o Brasil -- ganhou com os jogos. Aceleraram-se projetos de reurbanização, de transporte urbano, como a extensão do metrô e a construção do VLT, de revitalização da área central. Mas amanhã vai acordar meio zonzo, ainda tonto. Depois, doído.

A péssima qualidade dos serviços públicos, as greves permanentes na Educação e na Saúde, a falta até de insumos básicos nos hospitais e a insegurança turvam o olhar para o tão propalado legado da Rio 2016. O Estado, literalmente falido, não tem dinheiro para nada. E a cidade não sabe o que vai acontecer quando os seis mil homens da Força Nacional, convocados para garantir a segurança olímpica, forem embora.

Mas, como na terça-feira de carnaval, hoje ainda é domingo. Vale a folia.


No encerramento da Rio 2016, o Brasil poderá festejar o seu melhor desempenho olímpico da história. E reverenciar a meritocracia. Sejam homens, mulheres, gays, pretos, brancos, amarelos, civis, militares, crentes ou agnósticos, vencem os mais preparados, os melhores. E os que não chegam ao pódio tentam melhorar as suas marcas. Sem ódio. Uma lição que vai muito além dos jogos. Aprendê-la seria um legado e tanto.