Simplesmente vergonhoso, editorial Estadão


O PT apequena-se ainda mais ao se vangloriar dos seus próprios erros, como no episódio de domingo, quando tentou tirar Lula da Silva da cadeia
O Estado de S.Paulo - 11/07

Três parlamentares de um mesmo partido realizaram uma manobra jurídica para tentar livrar da cadeia, contra todas as regras do Direito, o líder máximo da legenda. Foi por pouco, mas as autoridades judiciais conseguiram a tempo desvelar a malandragem, pondo fim à nefasta tentativa de burlar o Judiciário em favor da impunidade do político. Uma vez revelada a tramoia, seria de esperar que o referido partido estivesse profundamente envergonhado com a atitude de seus três parlamentares. A tentativa de ludibriar o Judiciário é grave atentado contra o País e contra a moralidade pública.

Foi o que o PT viveu nos últimos dias, só que ao contrário. Em vez de ficar profundamente consternada, a legenda tem se mostrado orgulhosa da manobra dos deputados Wadih Damous, Paulo Pimenta e Paulo Teixeira, que tentaram burlar o princípio do juiz natural a fim de tirar Lula da Silva da cadeia. Sem nenhum argumento jurídico que pudesse fundamentar a soltura do ex-presidente, eles impetraram um pedido de habeas corpus baseados tão somente no fato de que, na ocasião, o plantonista do Tribunal Regional Federal (TRF) da 4.ª Região era o desembargador Rogério Favreto, cuja carreira tem fortes ligações com o PT.

Trata-se de verdadeira pirraça com o Estado de Direito. Desde domingo, lideranças petistas têm defendido a estapafúrdia ideia de que um magistrado, manifestamente incompetente para atuar no caso e manifestamente ligado ao partido, pudesse expedir alvará de soltura para o seu líder, que cumpre pena por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Com isso, o PT deu mais um passo para a desmoralização das instituições. Como se não bastasse promover o aparelhamento do Estado nos anos em que esteve no governo federal, o PT postula abertamente que as pessoas indicadas pela legenda continuem a trabalhar em seu benefício, a despeito do que a lei determina. O desembargador Rogério Favreto foi nomeado ao TRF-4 pela presidente Dilma Rousseff.

Sem solução de continuidade, o PT também pôs em andamento virulenta campanha contra as autoridades judiciais que desvelaram a manobra dos três deputados. Em completa inversão dos fatos, disseram que o juiz Sérgio Moro, que foi o primeiro a destacar que o alvará de soltura tinha sido expedido por quem não tinha direito de fazê-lo, havia agido por conta própria, o que seria a prova de seu ativismo antipetista.

Ora, foi o próprio desembargador Favreto que intimou o juiz da 13.ª Vara Federal de Curitiba a manifestar-se sobre a soltura de Lula. “Solicite-se ao juízo de primeiro grau que, no prazo de cinco dias, se entender necessário, preste esclarecimentos adicionais que reputar relevantes para o julgamento desta impetração, ressaltando que o transcurso do prazo sem manifestação será interpretado como inexistência de tais acréscimos”, escreveu o plantonista no seu despacho de domingo de manhã.

Fez bem, portanto, o juiz Sérgio Moro em atender com diligência à solicitação do desembargador Favreto para que apresentasse os devidos esclarecimentos. Havia erros crassos na decisão, que necessitavam ser retificados com urgência, para evitar danos maiores. O juiz da 13.ª Vara Federal de Curitiba lembrou que o desembargador plantonista não tinha competência para atuar no processo. Moro também apontou outro erro básico contido no pedido de habeas corpus impetrado pelos três deputados petistas: tendo sido a prisão de Lula determinada pela 8.ª Turma do TRF-4, não havia como o juízo de primeiro grau ser a autoridade coatora.

O PT não parece, no entanto, interessado nos fatos e tampouco no direito. A senadora Gleisi Hoffmann, presidente do PT, chamou de “intromissão arbitrária administrativa” a decisão do presidente do TRF-4, desembargador Carlos Eduardo Thompson Flores, que pôs um ponto final à insistência do desembargador Favreto em soltar Lula. Cumprindo estritamente suas atribuições institucionais, o presidente do TRF-4 dirimiu o conflito de competência, afirmando que o caso devia ser levado ao relator, pois o plantonista não era a autoridade competente para julgar o tal pedido de habeas corpus.

O partido de Lula apequena-se ainda mais ao se vangloriar dos próprios erros. O episódio de domingo não traz nenhuma glória. É simplesmente vergonhoso.

Editorial, Estadão - Novos ataques ao Tesouro


Mais um golpe contra o Tesouro será consumado, se parlamentares devedores de tributos, com R$ 532,9 milhões em atraso, aprovarem o projeto do novo Refis tal como foi aprovado, na semana passada, na Comissão Mista da Medida Provisória (MP) 783. Votarão, nesse caso, para conceder a si mesmos um benefício tão indecoroso quanto prejudicial à recuperação das contas públicas e da economia, destroçadas pelos erros e desmandos cometidos por Lula da Silva e exacerbados por Dilma Rousseff. O Executivo enviou ao Congresso, neste ano, por meio de MPs, dois programas de renegociação de débitos fiscais. Os dois foram desfigurados pelo relator, o deputado Newton Cardoso Jr. (PMDB-MG), convertidos em prêmios à sonegação e inutilizados para os propósitos do governo.

As propostas de renegociação deveriam servir a dois objetivos. A longo prazo, deveriam permitir a recuperação de uma parcela significativa dos créditos fiscais em atraso. De imediato, deveriam proporcionar uma importante receita adicional: para participar, os devedores deveriam pagar neste ano uma entrada substancial.

A primeira tentativa fracassou em março, quando a MP 766 foi deformada pelo relator, com perdão de multas e juros e alteração de prazos e parcelas. O Executivo deixou caducar a MP, buscou entendimento com os parlamentares e enviou a de n.º 783. O deputado Newton Cardoso Jr. repetiu a façanha, incluindo no texto perdão de até 99% de juros e multas e deformando, mais uma vez, a proposta. A comissão aprovou a versão desfigurada, em mais uma exibição de desprezo pelos bons costumes e pelo interesse público. Se aprovado no plenário, o projeto deverá ser vetado pelo presidente.

O próprio relator é sócio e diretor de empresas devedoras de R$ 51 milhões, segundo informação da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) divulgada na quarta-feira pelo Estado. A dívida total de R$ 532,9 milhões em atraso inclui apenas compromissos classificados como “irregulares” pela PGFN. Vários parlamentares vinculados a esse débito já se beneficiaram de Refis anteriores. “Regulares” são os compromissos ligados a esses programas, se estiverem sendo normalmente pagos.

O esquema previsto na MP 783, a segunda destroçada pelo relator, deveria render neste ano pagamentos iniciais no valor de R$ 13,3 bilhões. Com a deformação da proposta, a arrecadação inicial deve ser de R$ 420 milhões, pouco mais de 3% do valor planejado pelo governo. Essa perda tornará muito mais difícil atingir a meta fiscal definida para este ano, um déficit primário, isto é, sem a conta de juros, de R$ 139 bilhões. É um buraco enorme, mas, apesar disso, alcançar esse alvo será um avanço importante na direção do reequilíbrio de receitas e despesas primárias. Esse avanço é indispensável para atingir o objetivo mais ambicioso de conter e reduzir o peso da dívida pública.

Parlamentares têm-se esmerado em dificultar esse ajuste e, portanto, em atrapalhar a recuperação econômica. Além de deformar o novo Refis, desfigurando as MPs 766 e 783, opõem-se à reoneração das folhas de pagamentos a partir deste ano, programada para uma receita adicional estimada em R$ 2 bilhões.

A arrecadação continua insuficiente para o cumprimento da meta fiscal deste ano. A receita de junho foi 3% maior, descontada a inflação, que a de um ano antes – um reflexo das melhoras observadas até maio na produção industrial, no consumo e na massa de salários.

O resultado de junho pode ter sido animador, mas a arrecadação acumulada no primeiro semestre, de R$ 648,58 bilhões, foi apenas 0,77% maior que a de janeiro a junho de 2016 – e o crescimento se deveu à receita de royalties. Os impostos e contribuições administrados pela Receita Federal proporcionaram uma arrecadação 0,2% menor que a de um ano antes.

Diante desse quadro geral, já se fala, no governo, em aumento de tributos – talvez R$ 10 bilhões – para o cumprimento da meta fiscal. Difícil será impor esse aumento sem prejudicar a recuperação apenas iniciada e ainda frágil. Quem se preocupa com isso? Os parlamentares centrados nos próprios interesses?