Por Julia Marques
Alta da doença deve ser maior em países de média e baixa renda; no Brasil, estimativa é de que casos quase tripliquem até 2050
As projeções para o avanço da doença de Alzheimer colocam o Brasil em um situação desafiadora: o número
de casos de demência pode aumentar muito nas próximas três décadas. E não só aqui. A alta da doença deve
ser maior em países de média e baixa renda, como os demais da América Latina, na comparação com as
nações mais ricas.
Essa tendência acende o alerta para a necessidade de que o Brasil prepare seu sistema de saúde para atender
ao grande contingente de pessoas que precisará de ajuda médica – e seus familiares, que assumem o cuidado.
Também ressalta a importância de estratégias de prevenção para reduzir o volume de pessoas com demência.
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O Alzheimer é uma doença neurodegenerativa e progressiva. Pessoas diagnosticadas com Alzheimer ou
outras demências passam a ter dificuldades para realizar tarefas cotidianas e deixam de trabalhar. Com custo
global de US$ 1,3 trilhão, as demências são hoje uma das principais causas de incapacidade e dependência
em todo o mundo.
No Brasil, ainda não há clareza sobre o total de pessoas com a doença, mas estima-se que cerca de 2 milhões
vivam com demências – o Alzheimer corresponde à maior parcela. Para 2050, a projeção é de que esse
número chegue a cerca de 6 milhões de pessoas – um aumento de 200%.
O envelhecimento acelerado da população brasileira amplia os desafios. Em países europeus, como na
França, foram cem anos para que a taxa de idosos dobrasse. “No Brasil, está levando só algumas décadas”,
explica Cleusa Ferri, professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). “Por isso, a importância de
ter ações muito rápidas para cuidar das pessoas nessa faixa da vida.”
Em todo o mundo, a previsão é de que os casos de demência passem de 57,4 milhões para 152,8 milhões –
uma alta de 166% – em 2050. A tendência de crescimento é menor do que a média global em países como
Alemanha, Itália e Japão. E maior em outros, como Brasil, Bolívia, Equador, Peru e países africanos. Os
dados fazem parte de uma pesquisa global publicada neste ano na revista Lancet Public Health.
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O aumento e o envelhecimento populacionais são as principais razões para a projeção de crescimento maior
do Alzheimer em países da África e da América Latina. Problemas de baixa escolaridade e hábitos de vida
19/09/2022 22:03 Alzheimer: Por que o Brasil deve se preocupar mais com a doença do que a Europa?
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pouco saudáveis também concorrem para que a incidência de pessoas com demência não caia nessas regiões.
Em países da América do Norte e da Europa, por exemplo, os dados já sugerem uma tendência de redução na
incidência de demência – o que cientistas atribuem ao aumento nos níveis de escolaridade e à maior oferta de
tratamentos para problemas cardiovasculares, uma das principais formas de se prevenir contra o Alzheimer.
Países de alta renda já têm serviços de cuidados para pessoas com demência, como atenção primária e
reabilitação, mais estruturados, segundo um relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS), do ano
passado. Já as nações de baixa e média renda, como o Brasil, são mais dependentes dos cuidados informais
desempenhados pelos familiares, que muitas vezes têm de deixar suas atividades profissionais, com impactos
à economia.
Envelhecimento acelerado da população brasileira amplia os desafios; Em países europeus, foram cem anos
para que a taxa de idosos dobrasse, no Brasil, está levando 'só algumas décadas', avalia especialista
Envelhecimento acelerado da população brasileira amplia os desafios; Em países europeus, foram cem anos
para que a taxa de idosos dobrasse, no Brasil, está levando 'só algumas décadas', avalia
especialista Foto: Thomas Peter/REUTERS
Início precoce
Em países latino-americanos, a presença associada de demências vasculares e Alzheimer preocupa. “A
prevalência de demência na América Latina é a maior do mundo. E não só é muita gente (com demência),
mas ela começa dez anos antes aqui”, alerta Claudia Suemoto, professora de Geriatria da Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo (USP).
Entre outros temas, Claudia pesquisa de que modo reduzir os fatores de risco na população brasileira, como
controlar doenças como hipertensão, obesidade e diabete, pode ajudar a evitar casos de Alzheimer e outras
doenças. Uma pesquisa nesse sentido, publicada há dois anos na Lancet, mostrou que 12 fatores de risco
estão ligados a 40% dos casos de demência, incluindo o Alzheimer, em todo o mundo. No Brasil, a
estimativa é de que o potencial de prevenção seja ainda maior.
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Um dos focos, segundo os cientistas, deve ser a escolarização da população. Claudia explica que estudar no
início da vida ajuda a formar o que se chama de “reserva cognitiva”. É como se fosse uma poupança no
cérebro – quanto maior, menor o risco de que os danos ligados ao envelhecimento comprometam as funções
cerebrais.
”Há uma janela de oportunidade incrível para prevenir não só demência como outras doenças mentais”, diz a
pesquisadora. Além da educação formal, explica a especialista, atividades intelectuais como aprender um
novo idioma ou a tocar instrumentos ajudam a formar essa “poupança” de conexões.
Política
Apesar do cenário preocupante para as demências no Brasil, ainda faltam políticas específicas sobre o tema,
na avaliação de especialistas. O Brasil se comprometeu a elaborar um plano sobre o assunto, que ainda não
existe. Um projeto de lei que cria a Política Nacional de Enfrentamento à Doença de Alzheimer está em
debate no Congresso Nacional. Alguns municípios, como São Paulo, já têm planos locais.
“Há países em que isso já está mais avançado, como Costa Rica, Chile. No Brasil e em vários outros países,
isso está no radar, mas não foram tomadas medidas efetivas”, diz Paulo Caramelli, professor da Universidade
Federal de Minas Gerais (UFMG) e membro do conselho consultivo da Sociedade Internacional para o
Avanço da Pesquisa e Tratamento da Doença de Alzheimer.
Falta de dados
Um dos pontos de partida para isso é reconhecer a complexidade da situação brasileira: ainda não se sabe a
exata incidência da doença nem a mortalidade. Há ainda alta subnotificação: pesquisadores estimam que mais de 1 milhão (dos 2 milhões de casos) não tenham sido diagnosticados. Essa situação coloca pacientes e
parentes em um limbo de proteção e cuidados.
Para Cleusa, é preciso educar a população brasileira para o Alzheimer. A falta de conhecimento sobre
demências faz com que, muitas vezes, as perdas de memória sejam vistas como um sinal normal de
envelhecimento – o que não é verdade. A pesquisadora coordena o primeiro mapeamento do Brasil sobre
Alzheimer, financiado pelo Ministério da Saúde, e que deve ser publicado no ano que vem. “É necessário
apoiar a família e oferecer serviços de cuidado a curto e longo prazo.”
O Ministério da Saúde aponta que as demências devem ser entendidas “como uma prioridade em saúde
pública” e destaca iniciativas como um curso para os cuidadores e a elaboração de guias com orientações
para rastreio de demências e transtornos cognitivos leves.
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