Como é de praxe no "new journalism à tupiniquim", o portal Terra armou uma "armadilha cognitiva" para o leitor, publicando matéria cujo título traz uma acusação falsa que acaba desmentida pelo próprio Terra. O assunto gira em torno da indicação da atriz brasileira Fernanda Torres ao Oscar 2025. A chamada da matéria diz: "Protagonista de 'Emilia Pérez' alfineta equipe de Fernanda Torres; regra do Oscar proíbe críticas".
A acusação é dirigida à atriz espanhola Karla Sofía Gáscon, indicada ao Oscar por seu papel em "Emilia Pérez", filme igualmente indicado ao Oscar. Gáscon vai, portanto, concorrer com Fernanda Torres.
Mas o que houve de fato, segundo o próprio Terra, foi que a espanhola reagiu a grosserias de "apoiadores" de sua colega brasileira. "O que eu não suporto é que, a cada notícia minha ou programa que participo, apoiadores da Fernanda enchem tudo com comentários como 'Fernanda Torres é melhor', 'Você é uma porcaria' ou 'Fernanda Torres merece tudo'", disse ela - conforme se lê no Terra.
Será que "queixar-se de apoiadores" é o mesmo que "alfinetar equipe"? E quem são esses "apoiadores"? Em boa medida, o próprio Terra responde: "Durante sua passagem por São Paulo para promover seu filme, Karla revelou que tem sido alvo de ataques de fãs de Fernanda Torres."
Ao admitir que "fãs" atacam a "rival" da brasileira, o Terra desvenda só uma parte. Ora, há um pacote (que inclui Fernanda Torres e o filme "Ainda Estou Aqui"), que virou bandeira para uma récua de militantes. E esse ódio articulado não é local. Trata-se de uma "tribo planetária" (leia-se esquerda internacional) que empunha essa bandeira para enfiar falsidades na cabeça do público. Linhas abaixo isso fica mais explícito.
Estamos diante de uma obra de arte, um filme muito bem elaborado, com um elenco qualificado em que se destaca o trabalho de Fernanda Torres: "Ainda estou aqui", um flash de um momento histórico. Mas um flash é um pedaço, só uma pequena parte. E um propósito dessa tribo (habituada a atacar, a cancelar, a constranger e a mistificar) é usar a arte, mexer com o emocional do público e fazê-lo tomar a parte pelo todo, isto é, ver um flash e imaginar que é a totalidade da história.
Dizer que a espanhola "alfineta" a equipe da brasileira é acusá-la de um jogo sujo em que Torres é vítima, um truque do "jogo limpinho" dos "fãs" para ativar o salvacionismo do público, ganhar a sua adesão e deixá-lo pronto para absorver a mensagem subliminar da campanha.
É preciso lembrar o contexto histórico do que é relatado no filme. E não venha algum pateta supor que aqui se busca atenuante para os crimes de que foi vítima Rubens Paiva (figura central do que é narrado).
O que se vê na tela é o drama de uma família vitimada pela mais abjeta violência de agentes de um regime autoritário: deu-se quando o regime militar se mostrou mais fechado e mais cruel. Não é o caso de fazer uma estatística (os números do Brasil são bem menores), mas mostrar que em termos qualitativos os atos violentos foram iguais ao que houve, por exemplo, na União Soviética, onde o regime comunista matou (um cálculo por baixo) 62 milhões de pessoas entre 1917 e 1987 (fora os incontáveis presos dos gulags); ao que houve na China, onde mais de 76 milhões de pessoas foram mortas pelo regime comunista entre 1949 e 1987, além dos 3,5 milhões de civis que o Partido de Mao Tsé-Tung já tinha assassinado antes de consumar a revolução chinesa (totalizando 80 milhões); sem falar da Cuba de Fidel Castro, cuja crueldade (omitida pela esquerda) faz um facínora como Pinochet parecer coisa amena.
A questão é como rodou a engrenagem da história para que chegássemos a tamanha violência. É o que ao menos uma parte dos "fãs" quer esconder do público. O regime militar (instaurado em 1964, no contexto da Guerra Fria), foi uma reação a movimentos que tentavam impor ao Brasil o mesmo modelo de ditadura comunista que havia na União Soviética, na China e em Cuba. Isso mesmo! E a violência política em nome da utopia socialista existia no Brasil décadas antes de 1964. Mente quem afirma o contrário.
Durante décadas, a esquerda praticou muitos crimes no Brasil: sequestro de autoridades; atentados a bomba; assalto a bancos, a casas comerciais e a residências; assassinatos de operários, militares, funcionários de bancos e, claro, dos próprios camaradas (os infames justiçamentos). Fará sentido demonizar os militares e condecorar os criminosos de esquerda?
Há muito tempo há no país (hoje a todo vapor) uma campanha para fazer a cabeça do público, demonizando os militares (os daquela época) e dando status de vítima aos extremistas que pegaram em armas para dar um golpe de Estado e impor ao Brasil o regime comunista. Não é por nada que temos hoje cerca de 40 mil beneficiários da "bolsa ditadura" (dados do Portal da Transparência, podendo haver mais). São bilhões que temos todos de pagar a golpistas só porque eles deram com os burros n'água.
O mais infame dessa campanha (tocada em sala de aula, na imprensa, no púlpito e muito mais) é, por meio de permanente propaganda, forjar um verniz de legitimidade para o revanchismo e para a vingança política, matando, inevitavelmente, a ideia de reconciliação nacional.
É nesse contexto, em que a "luta" não mais se dá com armas de fogo, mas pela corrupção da mentalidade e pela tomada das instituições ocultando propósitos (coisa que parte dos "fãs" traduzem como "fazer a revolução por dentro"), é nesse simulacro de democracia que surge "Ainda estou aqui", obra de arte da melhor qualidade, tristemente usada como bandeira de "luta", à parte de qual haja sido a intenção do seu roteirista.
Resta destacar duas formas de assistir ao filme. Uma é a de quem cai em "armadilhas cognitivas", reage emocionalmente e forma crenças das quais não duvida, assimilando falsidades que vêm nas entrelinhas (processo de alienação). A outra é a de quem consegue ter certo distanciamento, reflexiona e tem coragem de duvidar das próprias crenças, sabendo que há diferença entre convicção e conhecimento. Os alienados propendem a terminar o filme inflamados. Já os reflexivos se deixam envolver na beleza da arte, ficam emocionados e apuram o espírito. Para os primeiros o filme é um panfleto com animação. Para os outros é uma conexão com o sublime e um exercício crítico não faccioso.
Que cada leitor aqui se pergunte em qual desses grupos quer estar.
Renato Sant'Ana é Advogado e Psicólogo.
E-mail: sentinela.rs@outlook.com
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