“Tolos são os que aprendem com a própria experiência. Eu aprendo com a experiência dos outros” (Otto von Bismarck, chanceler alemão).
A frase de Bismarck resume a sua genialidade na arte do pragmatismo político. Sob o rei da Prússia como Kaiser Guilherme I, unificou e consolidou o Império Alemão, de maioria protestante, deixando de fora a Áustria católica. Como chanceler, dedicou especial atenção à Justiça, por considerá-la vital para o equilíbrio da sociedade germânica. Em 1890, o novo Kaiser (Guilherme II), inseguro e ambicioso, caiu no conto dos bajuladores radicais e o substituiu no governo. O resultado foi o desastre da 1ª Guerra Mundial.
A Justiça funciona como fiel da balança. Quando sai do prumo, a sociedade flutua entre os extremos, sob a inércia das cargas. A morbidade da conjuntura retratada nas redes sociais induz a nossa imaginação a relembrar casos históricos de tragédias correlatas, como o desfecho de Robespierre, na Revolução Francesa e o de Beria, durante a sucessão de Stálin.
Em sua obra Pureza Fatal, a historiadora americana Ruth Scur consegue traduzir o componente emocional do terror revolucionário no relato dos fatos.
Maximilien Robespierre não admitia conciliação. Seus princípios estavam acima de tudo, até mesmo da própria consciência. Infenso às propinas, ficou conhecido como “O Incorruptível”. Sobre ele, disse Mirabeau: “Vai longe, pois acredita em tudo o que diz”. E foi. Começou ocupando o vazio deixado pela morte de Mirabeau. Cingiu o clube jacobino, levando 264 deputados monarquistas a fundar o Clube Feuillants. Radical, proclamou que: “Em tempos de revolução, os fins justificam os meios”. Na Comuna Insurrecional, tentou forçar a prisão dos adversários. Sem conseguir, propôs a criação do Tribunal Revolucionário.
Em 5 de setembro de 1793, Robespierre bradou na tribuna: “Nas mãos dos déspotas, o terror é uma arma de opressão. Mas, brandido pela virtude, é o refúgio dos pobres”. E o terror foi implantado com o apoio de Danton, estendendo-se a qualquer pessoa que demonstrasse defender a tirania ou combater a liberdade, “para nutrir no espírito dos tiranos um terror salutar da justiça do povo”. Perdurou por nove meses e guilhotinou quinze mil pessoas.
Quando assumiu o novo Departamento de Polícia, ganhando o poder de emitir mandados de prisão, começou a conspiração contra ele no Comitê de Segurança Geral. Aterrorizados e divididos, os deputados passavam os dias tensos e deixaram de dormir em casa. Na Convenção, Robespierre atacou nominalmente os inimigos, em um discurso de 2 horas. Porém, ao se iniciarem as discussões, ficou chocado, quando percebeu que a Assembleia se voltara contra ele. Pierre Cambon foi o primeiro a protestar: “Um homem está paralisando a Convenção Nacional; esse homem é quem acabou de discursar: Robespierre”. Infelizmente para ele, presidia a Convenção naquele momento Collot d`Herbois, seu arqui-inimigo, que o impediu de falar, bem como aos seus aliados. Durante a fala de Billaud-Varenne, ele percebeu a manobra e adiantou-se para interromper o deputado, mas a Assembleia reagiu com apupos: “Abaixo o tirano!”. “É o sangue de Danton que o sufoca!” É que a trama estava previamente combinada. Em seguida, foi proposta, votada e aprovada a sua prisão.
Robespierre foi levado às dependências do Tribunal, onde aliados tentaram resgatá-lo. Frustrada a tentativa, partiu para o suicídio com uma pistola de dois canos que alguém lhe entregara, mas não teve sucesso. O tiro resvalou e fraturou-lhe a mandíbula. Deitado em uma prancha, foi carregado de volta ao Comitê de Segurança Pública, onde passou a noite à míngua, e só foi atendido às seis horas da manhã. Três dentes foram extraídos, e a mandíbula estilhaçada foi enfaixada fortemente.
Do lado de fora, as carroças já aguardavam os
condenados à guilhotina, que fora trazida de volta à Praça da Revolução,
especialmente, para a ocasião. No percurso, o escárnio da turba. Uma mulher
subiu a grade da carroça e o amaldiçoou: “Monstro, cuspido do inferno. Sua
punição me intoxica de alegria”.
No local do sacrifício, antes de amarrá-lo à
prancha, o carrasco teve um impulso de crueldade: arrancou-lhe a atadura que
mantinha o rosto inteiro. Robespierre deu um urro de dor e de terror. Esse grito esvaiu a visão que tinha de uma
república pura e baseada na virtude. Chegada a sua hora, no dia 28 de julho, o
que foi colocado sob a guilhotina era um ser flácido como uma marionete. E, Junto
com ele, o procurador Fouquier-Tinville, seu preposto, visionário e acusador
público do Tribunal Revolucionário.
O outro caso trágico da história dos justiceiros
foi o de Lavrenti Beria, descrito na obra de Dmitri Volkogonov, Os Sete
Chefes do Império Soviético.
Beria substituiu
Nicolai Yezhov na chefia do NKVD, em novembro de 1938, no auge do expurgo estalinista.
Georgiano com Stálin, com o seu aval utilizou as troikas para investigar em
massa, processar e julgar sumariamente os opositores. Foi o principal executor
do terror soviético, onde 442.531 pessoas foram condenadas à morte ou a longas
penas de prisão.
Malenkov
era o presidente do Conselho de Ministro e integrava o Conselho Especial do
NKVD, mas não exercia efetiva liderança. No velório de Stálin, todos ficaram em
silêncio apreensivo. Na saída, Mikoyan comentou com Kruschev: “Beria foi a
Moscou assumir o poder”. Ele respondeu: “Enquanto esse bastardo estiver
vivo, nenhum de nós poderá se sentir seguro”. Depois, Khruschev mostrou
coragem excepcional ao promover um pacto com os outros membros do Presidium. Todos
viam em Beria a ameaça a suas pessoas. Nos encontros secretos – inclusive com
Malenkov – houve consenso impregnado do receio de que a trama vazasse. Os
conspiradores aliciaram vários generais do Exército, inclusive Zhukov e
Moskalenko.
Na
abertura dos trabalhos do Conselho de Ministros, sob a presidência de Malenkov,
Krushev pediu a palavra como combinado, e propôs a discussão do problema de
Beria. Ele reagiu, espantado: “Nikita, o que está havendo a meu respeito? “Preste
atenção e logo descobrirá”. Em seguida, fez breve e confusa acusação de
espionagem, colaboração com os ingleses, trama com Tito e interferência nas
questões partidárias para minar a unidade do povo soviético. Concluiu, dizendo:
“Beria não é comunista”. Todos concordaram. E propôs que ele fosse dispensado
de todas as funções. Ato contínuo, apertou um botão. Zhukov e outros marechais
adentraram o recinto. Então, Malenkov, em tom nervoso, dirigiu-se a Zhukov: “Como
presidente do Conselho de Ministros, peço que o senhor prenda Beria, para que
sejam investigadas as acusações”. Mãos ao alto! – mandou Zhukov. “Ele
deitou carga nas calças”, comentou Kruschev, posteriormente.
Beria foi
detido no Kremlin, mas depois, removido para o quartel-general de Moscou. Sugeriu-se
aplicar a prática de 1937-38, para que uma troika resolvesse o caso em
meia hora, porém Krushev contrapôs que fosse encaminhado ao Procurador Geral, constituída
uma equipe de investigação em 24 horas e submetida à aprovação do Presidium. E a
investigação deveria abranger os vices e assistentes de Beria.
No
processo, ficaram “provadas” as acusações contra ele e seus auxiliares, bem
como foram apostas listas com os nomes das mulheres estupradas por Beria. Como
as audiências se arrastavam, Khruschev recomendou a Konev e Rudenko “acabar
com aquilo”.
O Kremlin
já havia decidido que a sentença deveria ser cumprida imediatamente. No fim de
uma escada de acesso a um abrigo reforçado, um painel de madeira já estava
fixado à parede, onde Beria seria amarrado. O cortejo para o local da execução
incluiu grande número de generais e oficiais.
Não se sabe se houve ordem ou se os guardas entraram em pânico, o fato é
que, a poucos passos do abrigo, ouviram-se tiros e Beria foi atingido nas
costas. Em segundos, tudo estava consumado.
O moral
da história é que as circunstâncias seguem, naturalmente, o predito no
Eclesistes, ratificando, de certa forma, a teoria dos contrários: Há um
tempo certo para tudo. Quando se cumpre o ciclo, o pêndulo oscila na
direção contrária.
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