Considerações sobre o nível ótimo de reservas internacionais no Brasil

A manutenção de qualquer nível de reservas internacionais por um país traz custos e benefícios. Os custos das reservas são medidos, em geral, pelo diferencial de juros externos e internos ou pelo custo de oportunidade de usos alternativos desses recursos. Os benefícios, por sua vez, envolvem a suavização do consumo do país e a manutenção de prêmios de riscos em patamares aceitáveis durante momentos de crise. Mesmo em países com regimes de câmbio flutuante, em que em tese não são necessárias reservas1, os governos tendem a acumulá-las como forma de seguro ou simplesmente em reação a fluxos externos muito volumosos que pressionam a taxa de câmbio para fora daquilo que consideram seu equilíbrio de longo prazo2. Como o diferencial de juros entre o Brasil e o resto do mundo está em um dos maiores patamares da história, o custo de manutenção das reservas internacionais3 tem sido debatido. Esse custo é hoje da ordem de 2,4% do PIB ao ano, ou o equivalente a todo o déficit primário que o País observará em 20164, levando ao questionamento se o atual nível de reservas do País não está acima do ótimo, de tal forma que seria possível reduzir os custos de manutenção sem abrir mão dos benefícios trazidos pelas reservas. 
As razões precaucionais justificam a acumulação de reservas internacionais especialmente em países emergentes, que são mais sujeitos a paradas bruscas de fluxos de capitais estrangeiros. Na realidade, todos os países estão sujeitos a esse fenômeno, mas economias emergentes acabam sendo mais vulneráveis uma vez que, em geral, são liquidamente recebedoras de capitais estrangeiros e seus ativos são considerados mais arriscados. A escassez de reservas, por exemplo, potencializou os efeitos da crise da dívida externa de países emergentes na década de 80, com impactos significativos sobre essas economias em termos de produto. As reservas funcionam não só como um seguro para momentos de interrupção brusca de fluxos de capitais estrangeiros, mas também em fases de saída de capitais de residentes. Particularmente nos últimos anos, as razões precaucionais, a reação ao afrouxamento quantitativo dos países desenvolvidos e a absorção de parte do excesso de preços vindo do boom de commodities justificaram a maior parte das políticas de acumulação de reservas dos países emergentes. Desde 2014 esse processo começou a ser revertido, com a moderação dos fluxos para emergentes, em linha com a tendência de valorização do dólar americano5. O Brasil não escapou à regra nesse processo.
O acúmulo de reservas internacionais no Brasil levou a um aumento da dívida bruta nos últimos anos, além de contratar uma elevação anual adicional pelo seu custo de carregamento. Ao comprar reservas internacionais, o país emite dívida local para financiar a compra dos dólares. Essa emissão faz crescer a dívida bruta do país, ainda que a dívida líquida não aumente, uma vez que as reservas são ativos do Banco Central. Além disso, a remuneração das reservas se dá pela taxa de juros dos títulos do tesouro americano, em geral, ao passo que a dívida local é remunerada pela Selic. Logo, ao longo do tempo, a dívida cresce pelo diferencial de juros, somando-se ao incremento da dívida bruta que deu origem à compra das reservas. A política de swaps cambiais se soma a essa conta, podendo, na prática, acrescentar ou reduzir os custos de carregamento das reservas, dependendo do que ocorrer com a taxa de câmbio e de juros6. Na fase atual de redução dos swaps, o Banco Central está, na prática, aumentando o volume líquido de reservas7. Caso pretendesse manter o valor líquido das reservas, o Banco Central poderia trocar swaps por reservas, encerrando o ciclo com um nível menor de reservas internacionais do que o atual.
O debate acadêmico sobre o nível ótimo de reservas leva em conta as características e vulnerabilidades do comércio internacional do país e dos fluxos de entrada e saída de capitais. Assim, as métricas convencionais de nível ótimo de reservas levam em conta aspectos da balança comercial e conta corrente – qual é o número mínimo recomendável de reservas em meses de importação para um país – ou métricas financeiras – qual é o vencimento de dívida de curto prazo do governo ou qual é o potencial de fuga de investidores domésticos que deveria estar coberto pelas reservas.
Dentro das aqui denominadas métricas “comerciais”, uma das mais tradicionais é a que compara as reservas com as importações8. É bem verdade que as importações são efetuadas pelo setor privado, e não pelo governo, que é o detentor das reservas. Mas o que se pressupõe nesse caso é que o governo possa vender reservas em momentos de estresse para o setor privado. Em geral, o benchmark desse parâmetro é de 3 meses. Nossas reservas representam praticamente 30 meses de importações em 2016, enquanto que boa parte dos países emergentes possui reservas oscilando entre 5 e 10 meses de importações. Como somos um país bastante fechado e estamos em recessão – o que implica que nossas importações estão atipicamente baixas – o nível ótimo sugerido por essa métrica é muitíssimo baixo, inferior a US$ 50 bilhões, e, por sua vez, não parece ser a métrica mais adequada para nossa realidade. De todo modo, possuir quase dez vezes a razão sugerida pela métrica e ter uma das maiores relações do mundo, parece ser indicativo de que as reservas estão acima do nível ótimo.
Dentro das métricas “financeiras” destacam-se aquelas que levam em conta a dívida ou o risco de fuga de capitais. Uma métrica bastante utilizada como indicador de vulnerabilidade externa para países emergentes, também chamada de regra “Greenspan-Guidotti”, é a cobertura de cem por cento da dívida externa de curto prazo. Considerando toda a dívida vincenda em até um ano e também o serviço da dívida externa (privada e pública), o nível ótimo de reservas sugerido para o Brasil, por esse critério, é de US$ 111 bilhões, menos de um terço do volume atual. Novamente, estamos acima do limite superior da distribuição de países, que se encontra em torno da razão média de 2,6. Uma outra abordagem que tem como objetivo prover liquidez para eventuais fugas de capitais de residentes, diante de cenários de incerteza doméstica, é considerar um percentual do agregado monetário9 como nível adequado de reservas. Segundo publicação do FMI10 de 2016, um limite superior desse percentual seria de 20%, mas algo ao redor de 5% é bastante típico. Se considerarmos o limite superior de 20% do M2 para o Brasil, o nível ótimo de reservas seria algo em torno de US$ 140 bilhões. Há também a possibilidade de combinação de métricas para capturar um intervalo maior de riscos. A mais utilizada é uma versão expandida da regra Greenspan-Guidotti, que consiste em somar a dívida de curto prazo com o déficit em conta corrente, que reflete todo o potencial de necessidades de financiamento da economia em um horizonte de 12 meses, sugerindo um nível de US$ 151 bilhões para o Brasil. Outra combinação de métricas possível é a que considera a dívida externa de curto prazo acrescida de um percentual do M2,  que contempla, portanto, o serviço da dívida e o potencial de saída de capitais de residentes11.  Essa métrica implica um nível de reservas ótimas de US$ 179 bilhões para o nosso caso.
Por fim, o próprio FMI tem sua métrica para o nível ótimo de reservas, que leva em conta uma combinação ampla de fatores e sugere algo ao redor de US$ 190 bilhões para o Brasil hoje em dia. Desde 2011, o FMI divulga documentos sobre a discussão acerca do nível adequado de reservas12. A métrica do fundo (Assessing Reserve Adequacy - ARA metric) é composta de quatro componentes que refletem canais potenciais de risco para o balanço de pagamentos de uma economia emergente: (1) percentual da renda de exportações; (2) percentual de agregado monetário; (3) percentual da dívida de curto prazo e (4) percentual de outros passivos. Com esses componentes, o FMI captura tanto os riscos “comerciais” como “financeiros” que podem sensibilizar as reservas. O peso relativo de cada componente é baseado no décimo percentil de episódios observados de fuga de capitais em países emergentes13. O FMI recomenda que os países emergentes tenham reservas suficientes para cobrir algo entre 100% e 150% dessa métrica por razões precaucionais. No caso do Brasil, esse intervalo vai de US$ 190 bilhões a US$ 280 bilhões.
Em resumo, qualquer que seja a métrica para  o nível ótimo de reservas, o montante atual no Brasil é bastante superior ao mínimo recomendável, o que sugere haver espaço para redução do custo de carregamento com pouco impacto sobre a percepção de risco país.   Se a rigor tivermos, no mínimo, US$ 100 bilhões de reservas em excesso, isso implica um gasto “extra” de 0,65% do PIB ao ano, o que representa R$ 40 bilhões. Além disso, se por ventura o País se desfizesse de US$ 100 bilhões de reservas, a dívida pública bruta sairia de 69% do PIB para 63% do PIB, ou 58% do PIB se convergíssemos para 100% da métrica do FMI. Em outras palavras, o excesso de reservas internacionais eleva a dívida bruta em cerca de 10 p.p. do PIB. Evidentemente, nunca será possível inferir qual teria sido o efeito sobre o risco, no estresse recente que o País viveu, caso tivéssemos metade do nível de reservas. Parece óbvio que essa discussão só faz sentido com o conjunto das políticas econômicas apontando para a adequada sustentabilidade da dívida pública e do crescimento econômico, algo que pode levar ainda algum tempo e requer aprovação de importantes matérias constitucionais. Além disso, se houver sucesso nas reformas, o próprio custo de carregamento das reservas irá diminuir, o que levará a uma reavaliação dos custos diante da nova situação econômica. Um segundo aspecto, caso se decida vender parte das reservas, é operacional. Se desfazer de algo como US$ 100 bilhões ou US$ 190 bilhões de dólares pode ter impacto importante na taxa de câmbio nominal no curto prazo e esse pode não ser um efeito desejado pelo governo, ainda que pudesse favorecer a queda dos juros. Todavia, apesar de concordarmos que momentos de incerteza política e econômica não são ideais para implementar qualquer política de nível ótimo de reservas, acreditamos que dado os custos elevados que as reservas atingiram recentemente, essa é uma discussão que vale ao menos ser iniciada.
Octavio de Barros

Diretor de Pesquisas e Estudos Econômicos - BRADESCO

2 comentários:

  1. Carissimo, entendo que embora seria viavel economicamente a redução desta reservas a patamares internacionais esbarraria nos interesses internos dos nossos bancos comerciais "gordinhos" que vivem muito bem, obrigado, com a ração chamada Selic, pois não!

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  2. Carissimo, entendo que embora seria viavel economicamente a redução desta reservas a patamares internacionais esbarraria nos interesses internos dos nossos bancos comerciais "gordinhos" que vivem muito bem, obrigado, com a ração chamada Selic, pois não!

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