A crise, na época do artigo citado em epígrafe, não era
tão grave ainda como veio a se tornar. Às dificuldades econômicas vieram se
agregar outras de natureza política e
moral: a agressividade não resolvida da campanha
eleitoral, o impacto desmoralizante das revelações de corrupção da Lava Jato e
uma grave divergência sobre valores culturais e sociais. Esses componentes
geraram uma Crise sistêmica, salientada neste artigo pelo uso da letra
maiúscula.
Passadas duas eleições presidenciais, duas congressuais,
um impeachment e uma investigação implacável – que desvelou uma corrupção em
escala nacional por mais de uma década, com valores até então inimagináveis –,
a crise tornou-se a Crise sistêmica por seu inevitável poder de contaminação
das relações políticas, sociais e morais. Não era apenas mais uma crise
econômica. Tornou-se uma emergência nacional pelos ressentimentos provocados no
impeachment, pela fragilidade do governo Temer e pela proximidade da eleição
presidencial intensamente radicalizada.
Com essa atmosfera de animosidade, hostilidade e espírito
de revanche a Nação dividiu-se em dois blocos políticos, exacerbados pela
novidade do acesso facilitado à expressão dos sentimentos nas redes sociais. A
vitória de Jair Bolsonaro não apaziguou o conflito. De todas as autoridades se
passou a exigir uma definição política, mesmo daquelas de quem se esperam
isenção e independência. Esse procedimento se universalizou pelos três Poderes,
o que causou (e causa) fortíssimo estresse no desempenho de suas funções
constitucionais.
Esse clima político trazia consigo uma sensação de
vigilância ideológica que inevitavelmente produz em muitos a timidez decisória,
a postergação da decisão, a fuga da responsabilidade e o medo de se opor às
manifestações contrárias à aprovação de projetos do governo. Em consequência,
todas as instituições mais importantes do nosso sistema político foram abaladas
pela descrença e desconfiança.
Estamos enfrentando uma Crise estrutural como se fosse
conjuntural, quando se trata da mesma crise que volta e meia nos visita, sempre
agravada. Desta vez ela se faz acompanhar de uma chuva de impasses e bloqueios
cumulativos e interdependentes de natureza política, jurídica, moral.
O que a torna mais perigosa é o fato de que nenhum dos
Poderes tem legitimidade para resolvê-la individualmente; por outro lado, cada
órgão político envolvido tem algum poder de veto sobre os demais ou de
interferir na liberdade decisória dos outros Poderes por sua ação ou omissão. A
relação entre os Poderes deixa de ser de harmonia e colaboração para se tornar
de impasses e bloqueios entre eles.
A Crise tornou-se emergência nacional porque está
destruindo as instituições que poderiam resolvê-la, pelo abalo e pela descrença
no sistema político, por excessiva e descabida transferência de
responsabilidades políticas para o Poder Judiciário. Isso em meio a uma
atmosfera política de conflito radicalizado que contaminou a sociedade e de uma
contestação de valores sociais que dividiu famílias, amigos e a cidadania, a
tornar inviável um mínimo de consenso.
A Crise pôs a nu a incapacidade das instituições e da
classe política de darem respostas tempestivas e resolutivas aos desafios que
nos ameaçam.
O governo Temer, com legitimidade precária, pouco pôde
fazer. O governo Bolsonaro recém-empossado dependia da aprovação de seus
projetos por um Legislativo em busca de recuperar um poder que perdera pelos
escândalos da Lava Jato e de um Judiciário progressivamente atraído pela
política. Isso foi tudo o que o sistema político conseguiu reunir para
enfrentar uma Crise que se tornava estrutural e sistêmica.
A Crise e a grave e urgente agenda política do País foram
então entregues a um Executivo que tinha mais responsabilidades que poder, a um
Legislativo que temia usar o poder que tinha e a um STF cada vez mais
politizado, na condição sempre fatal de desfrutar o poder sem a correspondente
responsabilidade política.
Em si mesma a Crise não surgiu de problemas insolúveis.
Seu diagnóstico era conhecido e as medidas para resolvê-la, repetidamente
anunciadas na campanha presidencial, tiveram sua urgência enfatizada.
Entregue o projeto ao Legislativo, perdeu-se tempo
precioso ao tentar convencer a opinião pública de que articular apoio não era
negociar; não reconhecendo a urgência, a Câmara tratou o projeto da Previdência
como matéria rotineira. Em vez de levá-lo com cuidado para a UTI, levou a maca
com o doente para o corredor. A reforma da Previdência levou dez meses para ser
aprovada, um quarto do mandato presidencial, como se o tempo perdido não
cobrasse seu preço.
Uma crise implica sempre perda de tempo valioso para
corrigir o que a está causando.
Sua solução depende de respostas corretivas que devem ser
urgentes e resolutivas. A razão para o seu agravamento é conhecida. Na nossa política,
enraivecida pelas políticas ideológicas e personalistas, o País sempre poderá
tornar-se refém numa 2/6 políticas ideológicas e personalistas, o País sempre
poderá tornar-se refém numa batalha política que não finda nem mesmo com o
pronunciamento do eleitorado.
Hoje nos encontramos ainda enredados nesta crise que está
destruindo toda a estrutura institucional de governo, na realidade de seu
funcionamento e na mente dos cidadãos.
É inegável que a cultura política brasileira tem uma
relação mal resolvida com o tempo.
Não aprendemos com o passado e não decidimos para o
futuro. Vivemos politicamente como se apenas houvesse o presente e aquele
futuro imediato que com ele pode se confundir.
Por que não somos capazes de enfrentar e resolver crises?
Essa é uma pergunta que não se faz porque não se quer saber a resposta.
Artigo brilhante como sempre, mas cabe fazer a pergunta que o Autor deixou e não quis responder: por que o Brasil não enfrenta e resolve suas crises? A resposta é tão terrivel assim?
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