Artigo, Renato Sant'Anna - O STF e a quebra da ordem constitucional

         "Eu, e só eu, determino os direitos de vassalagem, entendeu? Você esquece que posso castigá-lo quando e quanto quiser?", dizia Llorenç de Bellera, um senhor feudal, personagem de Ildefonso Falcones no romance "A catedral do mar", que virou série na Netflix.
          Mas a prepotência do personagem está em conformidade com a lei de seu tempo. Aliás, suas palavras foram pronunciadas depois de, com amparo da lei, ter desvirginado a noiva de um pobre camponês. Sim, no medievo, a lei legitimava o senhor feudal como potestade apta a acusar, julgar e castigar os "servos" do feudo, inclusive com a pena de morte.
          Ambientada no século XIV, a obra de Falcones permite ao leitor um claro vislumbre do sistema feudal e da lei que regia a sociedade à época, ensejando-lhe reconhecer e valorizar esta inestimável conquista do processo civilizatório do ocidente: o "direito acusatório".
          No "direito inquisitório", uma única instituição (é o caso do senhor feudal), uma só cabeça concentra todos os papéis: de produzir provas, de acusar, de julgar e de executar a pena - o que torna inviável a defesa do acusado.
          Mas a humanidade é a mesma. Foram as instituições que mudaram desde a idade média até hoje. Em boa parte do planeta, como concretização de uma visão moderna de democracia, vigora o "direito acusatório", em que, num processo criminal, são dados a órgãos diferentes os papéis de "investigar e produzir provas", "acusar", "defender" e "julgar".
          Note-se que, sem essa separação de papéis, vira letra morta o que há na Constituição brasileira (art. 5º, LV), em que se prevê, para todo e qualquer acusado, direito ao "contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes".
          Todo cidadão deveria não só conhecer, mas sempre ter presente a diferença entre "direito inquisitório" e "direito acusatório". Mas, se a maioria dos bacharéis em Direito desleixa esse conhecimento, tão caro à ordem democrática, será que se pode esperar mais dos outros?
          O desleixo da maioria - ora por ignorância, ora por egoísmo - cria ambiente favorável no país para que ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) tenham rompantes de senhor feudal. É como se conduz Alexandre de Moraes no inquérito das fake news em desbragada ilegalidade.
          Em flagrante agressão à Constituição, com a conivência de outros nove ministros, Moraes age, a um só tempo, como delegado de polícia, Ministério Público e juiz, comportamento que levou a ex-procuradora-geral da República, Raquel Dodge, a comparar o STF a um tribunal de exceção, característico de regimes totalitários.
          Ou seja, o STF, em vez de zelar pela Constituição (sua tarefa precípua), está transformando-a num livrinho inútil: o que cada um pode dizer ou fazer, o direito, a lei, o rumo do país é ditado por senhores feudais togados. Haverá, neste momento, algo mais grave acontecendo no Brasil?
          A Associação Nacional dos Membros do Ministério Público e a Associação Nacional dos Procuradores da República tiraram nota contra Alexandre de Moraes, que riscou o inciso I do art. 129 da Constituição e afirmou que todos os tribunais podem abrir investigações criminais. É falso!
          O ministro do STF, Marco Aurélio Mello, foi voz isolada: "Inquérito das Fake News fere a Constituição. O Supremo não é absoluto", disse. E criticou Dias Toffoli, presidente do STF, pela instauração sigilosa do procedimento, sem conhecimento do colegiado, "em afronta à constituição e ao sistema acusatório". E refutou a designação de Alexandre de Moraes, para ele "escolhido a dedo e desrespeitando o sistema de distribuição automático, regra do Supremo."
          E ainda tem outro pormenor: Alexandre de Moraes está investigando também pessoas cujo foro não é o STF, atropelando o princípio do juiz natural, o que configura abuso de poder e gera insegurança jurídica.
          E, para completar, há o covarde silêncio (ou calculada omissão?) dos presidentes do Senado e da Câmara, Davi Alcolumbre e Rodrigo Maia, chancelando a quebra da ordem constitucional e a supressão do sistema acusatório, não ligando para a advertência de Rui Barbosa: "A pior ditadura é a do Poder Judiciário. Contra ela, não há a quem recorrer."

Renato Sant'Ana é Advogado e Psicólogo.
E-mail: sentinela.rs@uol.com.br

6 comentários:

  1. Parabéns Renato, pelo artigo brilhante e esclarecedor, que considero uma gravíssima mensagem aos brasileiros de bem e patriotas. A constituição brasileira foi rasgada por aqueles que tem o encargo de defende-la! Não é possível mais restaurá-la. Os dois maus brasileiros, Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre, covardes apátridas, devem ser presos e condenados pela traição ao Brasil. O Brasil está em decadência pois foi transformado num país fragmentado e assolado pela miséria, a violências e o tráfico de drogas. Vivemos na ditadura bolivariana e duvido que venhamos sair dela de forma pacífica. Teremos que enfrentar os tiranos nós mesmos porque se não formos nós, quem? É muito triste assistir um país tão rico e belo agonizando, pois, foi golpeado, mortalmente, pelos próprios brasileiros. Que Deus tenha misericórdia do Brasil.

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  2. P desgaste do STF junto a popacao está enorme e isto tem.um.lreco natural: descrença na justiça e mais gente põe começar a achar que a constituição não tem valor e cada um.pode fazer sua lei. Exagero? Não. Desespero pode produzir isto ou oportunismo. O Brasil.nao apresenta ainda uma sociedade madura em termos de civilização e suas instituições não funcionam como deveriam segundo querem fazer entender. Uma prova? Varias: OAB omissa quanto às violações do processo fake News, por si.. mesmo fake; senado através de sua preside dia, omisso co. Alguns senadores de excecao; Câmara de deputados agasalhada com.maia apoiando o caos e vai Por aí.. na investigação de Celso de Melo quando ele revelou todo o conteúdo da reunião do.oresidebte com os ministros violou a lei de segurança Nacional e expôs pessoas a sanha das perseguições. Oi o Brasil tem lei ou já retornou a idade média

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  3. Excelente!!! Estamos vivendo HOJE um regime de exceção ardilosamente instaurado pelos Supremos togados do STF!!!
    Que se repita Rui Barbosa: "A pior ditadura é a do Judiciário"!!!

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  4. Qual a posição da O.A.B.(Nacional e Estaduais) frente ao arbítrio de uma maioria de ministros do S.T.F.? Carlos Edison Domingues O.A.B.RS 3626

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  5. A OAB É DOS CORRUPTOS!

    A OAB É DO STF

    TEREMOS QUE PEGAR NO PESADO!

    O MUNDO DEVE ESTAR AVISADO DO QUE SE PASSA NO BRASIL!

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  6. Dr. Renato, meus parabéns pela elegância da sua exprosição, num tema tão repugnante. Isto não um STF, é uma coisa.
    Com admiração.

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