Artigo, especial, Alex Pipkin - Cúmplices Voluntários da Mentira

Alex Pipkin, PhD


O grande perigo do nosso tempo não é apenas a maldade, mas a estupidez. Não aquela ingênua, fruto da ignorância absoluta, mas a que nasce da abdicação consciente do pensamento crítico, sufocada pela pressão social e pelo desejo de pertencimento. Adam Smith, ao falar do “espectador imparcial”, lembrava-nos do árbitro moral interno, capaz de julgar nossas ações com justiça e sustentar a virtude mesmo quando ninguém observa. Hoje, esse árbitro parece silencioso. A moralidade tornou-se rara, e a verdade, muitas vezes, secundária à conveniência.

Pessoas inteligentes se tornam cúmplices voluntários da mentira. A dissonância cognitiva explica esse fenômeno. Ponto. Tudo aquilo que reforça nossas crenças é aceito com conforto, enquanto qualquer evidência contrária é ignorada ou descartada. Não importa a ideologia — extrema-esquerda ou extrema-direita —, o que prevalece é o prazer de se sentir parte do grupo, de validar emoções ao invés de confrontar fatos.

Freud, em sua Psicologia das Massas, advertia que, em multidões, indivíduos perdem parte da autonomia crítica. O raciocínio pessoal se dissolve no impulso coletivo, e a massa assume poder sobre o juízo individual. É assim que slogans, hashtags e líderes carismáticos substituem a reflexão analítica. Interessante notar que Kahneman complementa Freud nesse ponto: ao distinguir o Sistema 1 e o Sistema 2, ele mostra que nossa mente tende a operar de forma automática, emocional e intuitiva, cedendo à pressão social. Apenas o Sistema 2, deliberativo e reflexivo, permite que o indivíduo resista, analise fatos e evidências, e preserve a lucidez diante do engodo coletivo.

A solução começa em casa. A família deve ensinar os filhos a pensar por si, a questionar e a exercitar o pensamento crítico desde cedo. É preciso mostrar que seguir a manada é fácil e agradável, mas sustentar a verdade exige coragem. O exercício contínuo do Sistema 2 é a única forma de preservar a autonomia intelectual e moral.

A estupidez coletiva prospera porque muitos cedem ao conforto imediato. Mas cada indivíduo que ousa pensar, questionar e defender a verdade cumpre o papel do que Smith denominou como espectador imparcial. Se o espectador imparcial fosse reativado, o indivíduo resistiria à pressão da massa, defenderia a razão e manteria viva a chama da liberdade intelectual. É esse compromisso ético e cognitivo que distingue os cúmplices voluntários da mentira daqueles capazes de sustentar a dignidade da mente humana.

Num tempo em que a mentira se torna conveniência e a emoção domina a razão, pensar é ato de coragem. Persistir na busca da verdade, mesmo quando é mais difícil que ceder ao prazer do pertencimento, é o que separa aqueles que aceitam passivamente a estupidez coletiva daqueles que, com coragem e reflexão, permanecem guardiões da verdade e da autonomia intelectual. A lucidez é o último refúgio da liberdade.

Artigo, especial - Quando a omissão vira aliança: o custo do silêncio das entidades de classe

Artigo do Observatório Brasil Soberano

Ainda impressiona que, diante da escalada institucional em curso, entida des como FIESP, CNI, FEBRABAN, FPA e diversas outras associações de classe mantenham uma postura de absoluto silêncio — especialmente em relação à única medida que poderia conter parte da crise: a anistia. A mesma anistia que, goste-se ou não, tornou-se ponto de inflexão entre a normalização ins titucional e a continuidade do conflito. 

Não se trata mais de avaliar se essas entidades concordam com o mérito ju rídico da anistia. A questão é política, pragmática e, sobretudo, institucional. Em tempos normais, associações empresariais, industriais e setoriais atuam como amortecedores de crises, cobrando do Congresso medidas capazes de restabelecer previsibilidade e segurança jurídica. Mas agora, na hora de agir, preferem se esconder. 

O que se vê não é neutralidade. É omissão estrategicamente calculada. Ao não exercerem pressão legítima sobre o Parlamento, essas entidades con tribuem para o aprofundamento do impasse. E o fazem enquanto se apro ximam cada vez mais do governo, participando de agendas simbólicas, re forçando pactos de poder e naturalizando uma ordem que não esconde sua intenção de tensionar o sistema até o limite. 

Historicamente, esses organismos desempenharam papéis relevantes em momentos críticos: fossem em transições democráticas, fossem em rupturas de ordem econômica. A FIESP de outros tempos articulava cartas e manifes tos. A FEBRABAN já foi agente de cobrança pública por estabilidade. A CNI, em vários ciclos, foi voz do setor produtivo em defesa do crescimento com segurança institucional. Mas hoje, todas parecem ocupadas demais cultivan do relações com o Planalto — e cegas demais para perceber que a crise atual não é episódica. 

A opção por não se posicionar diante da escalada institucional será lembra da. A tentativa de sobreviver politicamente por meio da inação pode até fun cionar no curto prazo, mas o custo reputacional tende a ser alto. Em algum momento, será inevitável explicar por que escolheram o silêncio quando ha via uma crise aberta diante de todos. 

A anistia, ainda que polêmica, virou uma linha divisória. De um lado, os que enxergam nela uma válvula de escape institucional. Do outro, os que pre ferem manter o país em suspenso — ou por medo, ou por conveniência. O empresariado organizado, até aqui, parece ter escolhido o segundo campo. 

Não há neutralidade possível quando o regime testa, diariamente, os limites da institucionalidade. E quem, podendo agir, opta por assistir em silêncio, já