Uma inédita pesquisa realizada pelo Insper em parceria Conselho Nacional de Justiça (CNJ) fez um mapeamento da tortura e maus-tratos contra adolescentes no país. O levantamento “Caminhos da tortura na Justiça Juvenil brasileira: o papel do Poder Judiciário” foi lançado nesta quinta-feira (06) à tarde, durante seminário online organizado pelo CNJ. O estudo traz alguns interessantes:
- policiais militares foram apontados como autores de tortura em 91,3% das denúncias feitas por adolescentes nas audiências realizadas pela Justiça;
- 95,7% desses casos foram cometidos contra adolescentes pretos ou pardos;
- houve denúncias de tortura e maus-tratos em 23 das 185 audiências acompanhadas pela pesquisa com adolescentes infratores;
- essa quantidade representa 12,4% do total avaliado e os pesquisadores justificam que esse percentual é baixo porque muitos jovens não fazem relatos à Justiça por temerem possíveis retaliações;
- em apenas 18,9% das 185 audiências avaliadas, os magistrados perguntaram diretamente para o adolescente sobre tortura ou maus-tratos durante a abordagem e apreensão.
Foram observadas 185 audiências a partir de processos de um período de seis anos (2018-2024) nos tribunais de seis estados do país, que abrangem as cinco regiões do Brasil. Os pesquisadores entrevistaram 19 juízes, 11 defensores públicos, sete promotores de Justiça, 169 adolescentes em unidades de internação, 10 representantes da sociedade civil, 35 servidores de órgãos de atendimento socioeducativo, além de oito servidores dos tribunais e duas mães de jovens, entre dezembro de 2023 e julho de 2024.
A apresentação de adolescentes em conflito com a lei a um juiz ou uma juíza para a verificação de episódios de tortura é fundamental para a identificação desses casos e a respectiva investigação. De acordo com a pesquisa Caminhos da tortura na Justiça Juvenil brasileira: o papel do Poder Judiciário, elaborada pelo CNJ em parceria com o Instituto de Estudo e Pesquisa (Insper), o indicativo de ocorrência de tortura foi mostrado por adolescentes apreendidos quando questionados durante audiências.
O estudo buscou identificar como a magistratura, especialmente na etapa do atendimento inicial, aborda a questão da tortura e dos maus-tratos contra adolescentes envolvidos com atos infracionais. Os dados do estudo vão orientar o CNJ na maior capacitação de juízes e juízas sobre as normas já existentes, como resoluções, recomendações e manual, e trabalhar na elaboração de novos mecanismos que fortaleçam o combate à tortura de jovens no país praticada no ato da apreensão.
Atualmente, a Resolução CNJ n. 414/2021 estabelece diretrizes e quesitos periciais para a realização dos exames de corpo de delito nos casos em que haja indícios de prática de tortura. O instrumento age no aperfeiçoamento dos laudos periciais em caso de indícios de prática de tortura ou maus-tratos na justiça criminal e na justiça juvenil. Uma das conclusões do diagnóstico encomendado pelo CNJ aponta pouca aplicação dessas diretrizes.
Na avaliação do juiz auxiliar da Presidência do CNJ Edinaldo César, a pesquisa representa diagnóstico importante sobre o tema um caro ao Conselho Nacional de Justiça. “O estudo servirá para que o CNJ busque soluções para os problemas apontados e possa conscientizar todo o sistema de Justiça a respeito do cumprimento da Resolução CNJ 414/2021”, afirmou.
Cenário
A pesquisa analisou 185 audiências de apresentação para identificar o papel de magistrados e magistradas na prevenção e no combate à tortura na Justiça Juvenil. Além disso, foi analisado também como os temas da prevenção e do combate à tortura aparecem na fase da execução das medidas socioeducativas de internação.
Entre dezembro de 2023 e julho de 2024, os pesquisadores entrevistaram juízes e juízas e, também, integrantes da Defensoria Pública, do Ministério Público, os próprios adolescentes em unidades de internação, representantes da sociedade civil, servidores e servidoras de órgãos de atendimento socioeducativo, equipe técnica dos tribunais e mães de adolescentes.
De acordo com o levantamento, ainda são poucos os magistrados que perguntam diretamente sobre tortura. Em 62% do total de audiências observadas, os magistrados não perguntaram ao adolescente sobre as circunstâncias da apreensão ou abordagem policial. O mesmo ocorre com promotores e defensores públicos.
Números
Um dos pontos observados ao longo das audiências é o fato de os adolescentes se sentirem à vontade para falar quando são questionados. Somente em 2,7% dos casos os adolescentes afirmam espontaneamente sobre a existência de algum tipo de violência. Quando é identificado algum caso de tortura, a pesquisa indicou que, em 91,3% das denúncias, os autores da violência são policiais militares. Outros autores, apontados pelo estudo, são policiais civis ou populares.
A pesquisa destaca ainda que foram feitas, nas audiências observadas, 23 denúncias de tortura, porém em apenas uma houve análise do laudo durante a audiência de apresentação. Desse total, o exame de corpo de delito foi realizado em sete casos, como orienta a Resolução CNJ 414/2021. Em nove casos, houve encaminhamento às autoridades competentes entre os quais estão Ministério Público, Polícia Judiciária e órgãos administrativos de correição.
Na avaliação dos pesquisadores, o estudo reforça a necessidade de se observar um fluxo de atendimento inicial no qual o juiz exerça o papel central na identificação, apuração e pedido de providências em caso de denúncias de tortura. Entre as recomendações, estão a edição de ato normativo que uniformize a realização da audiência de apresentação, a garantia da presença física do adolescente perante a autoridade judiciária e o estabelecimento de protocolo com procedimentos para a entrevista qualificada, para a documentação dos indícios de prática de tortura ou maus-tratos.
Outros instrumentos
O CNJ tem realizado um conjunto de iniciativas que visam reforçar o papel do Poder Judiciário na garantia dos direitos fundamentais de adolescentes em conflito com a lei, especialmente os que receberam a medida de privação de liberdade. Além da Resolução 414/2021, no mesmo ano, o CNJ editou a Recomendação 98/2021, com diretrizes para a realização de audiências concentradas para a reavaliação de medidas socioeducativas de internação e de semiliberdade.
A recomendação é de que a autoridade judicial indague sempre, em audiência, sobre o tratamento recebido por cada adolescente ao longo do cumprimento da medida socioeducativa e questione, em especial, as condições de execução da medida socioeducativa e a ocorrência de violações de direitos, como a prática de tortura e outros tratamentos degradantes.
Sobre o Insper
O Insper é uma instituição independente e sem fins lucrativos, que tem como visão ser referência em educação e geração de conhecimento por meio do ensino de excelência e pesquisa nas áreas de Administração, Economia, Direito, Engenharia, Políticas Públicas, Tecnologia e Comunicação. No portfólio, cursos para várias etapas de uma trajetória profissional: graduação (Administração, Direito, Economia, Engenharia e Ciência da Computação), pós-graduação lato e stricto sensu (Certificates, MBAs, programas da área de Direito, Mestrados Profissionais) e Educação Executiva (programas de curta e média duração, e customizados de acordo com as necessidades das empresas). No âmbito da produção de conhecimento, o Insper atua por meio de cátedras e centros de pesquisa que reúnem pesquisadores em estudos e projetos dirigidos a políticas públicas, agronegócio, educação, inovação, finanças e gestão. A escola tem as certificações de qualidade da Association to Advance Collegiate Schools of Business (AACSB), Association of MBAs (AMBA) e EFMD Quality Improvement System (EQUIS).
Acesse o site do Insper www.insper.edu.br
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