Artigo, especial, Marcus Vinicius Gravina - No regime democrático, a quem cabe à última palavra ?

Marcus Vinicius Gravina

OAB-RS 4.949


Saímos juntos do clube de tênis esta manhã para um almoço, eu e meu filho Mauricio Salomoni Gravina, num dos melhores restaurantes da comida italiana da cidade, o Andrea. 

O nosso assunto não esperou pelo aperitivo da casa. Iniciei a conversa dizendo que não aceitava que a última instância, em matéria constitucional, deveria ser do STF., sob o pretexto de defender a democracia, em um Estado de Direito.  Isto aconteceu depois de um breve comentário, que ele fez, do seu novo livro a ser publicado, brevemente:  História do Direito e Teoria das Fontes. 

Perguntei a quem cabe a última palavra?

Aleguei, por várias razões, que a última palavra, em caso de não haver unanimidade em decisão do STF,  a decisão final deveria ser do Congresso Nacional, conduzida pelo Senado, que sabatinou e aprovou a posse dos ministros e, por ser a única representação do provo brasileiro que elegeu os seus membros.  Enquanto, de outra parte, os ministros do STF não receberam nenhuma delegação ou voto popular, de onde emana o único poder da Nação. 

O filho, professor de Direito, foi logo me respondendo: 

“Precisamos voltar a Roma. 

Não somos da tradição inglesa ou americana, da revisão judicial como última instância. A representação popular é a força da nossa Constituição. Não é o judiciário. Ninguém está acimado povo. Não há nada acima da representação popular nos sistemas Democráticos de Direito. 

Assim foi a grande lição da Escola de Direito Processual Italiana.

Não aceitamos mais os Generais da guerra e da paz, que levaram o terror a Roma, ora vestindo a toga, ora a mais alta farda e galardões do exército romano.” 

Concluí, que não há divergência entre nós e uma enorme coincidência histórica, em que um de nossos ministros do STF usa, simultaneamente, a toga para iniciar processo criminal, julgar e mandar prender o acusado e a farda para policiar o seu preso favorito, em sua própria residência. 

Caxias do Sul, 29.08.2025


Entre o Direito e a Exceção: o Julgamento de Bolsonaro e os Riscos para a Democracia

Dagoberto Lima Godoy

Às vésperas do julgamento de Jair Bolsonaro no Supremo Tribunal Federal, sob a acusação de envolvimento em uma tentativa de golpe de Estado, o Brasil se encontra diante de uma encruzilhada crucial. O tema ultrapassa a figura do ex-presidente: envolve a própria forma como o Estado de Direito reage a ameaças políticas e como o Judiciário se posiciona diante da pressão social e institucional. A questão é atual e candente: medidas excepcionais podem ser admitidas em nome da democracia? E quando deixam de ser defesa e passam a ser pretexto autoritário?

O ordenamento jurídico brasileiro é claro. A Constituição assegura o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa, e o Código Penal tipifica crimes contra o Estado democrático exigindo atos inequívocos de execução. Não basta intenção política; é necessário provar materialidade e autoria. É nesse ponto que surge a controvérsia. O Ministério Público sustenta que Bolsonaro teria tramado medidas para impedir a posse de Lula em 2023, com minutas de intervenção e pressões sobre militares, culminando nos atos de 8 de janeiro. Tais documentos, porém,  não foram implementados,  a ligação direta entre o ex-presidente e os atos violentos permanece contestada, e muitos réus limitavam-se a participar de manifestações, não de ataques armados. Assim, a própria existência material do golpe ainda é matéria em disputa.

É nesse vazio de prova cabal que se instala o risco maior: o da chamada “legitimidade de exceção”. A Constituição prevê mecanismos extraordinários, como o Estado de Defesa ou o Estado de Sítio, que permitem restrições temporárias de direitos em crises, mas sob ritos claros e com controle do Congresso. Diferente disso, medidas adotadas sem base formal — como a concentração de centenas de processos no STF, prisões preventivas prolongadas, restrições à comunicação social e atos que resultam em censura direta ao direito de opinião e à liberdade de expressão — configuram exceções criadas ad hoc. Não estão no texto constitucional: são justificadas apenas pelo frágil argumento de necessidade.

O exemplo mais claro dessa contradição foi dado pela ministra Cármen Lúcia, que reconheceu o caráter desproporcional de algumas medidas do TSE contra meios de comunicação, admitindo que não se justificavam plenamente à luz da Constituição. Ainda assim, votou por mantê-las, afirmando que o momento exigia medidas excepcionais. É a própria essência da exceção: admitir a violação, mas legitimá-la em nome da defesa institucional.

O dilema é evidente: se há prova incontestável de tentativa de golpe, o Estado deve reagir com os instrumentos extraordinários previstos na Constituição. Se não há essa prova, e ainda assim se invocam medidas fora do ordenamento, o risco é a exceção transformar-se em regra, abrindo espaço para arbitrariedades futuras. Nesse ponto, defender a democracia com meios que corroem seus próprios fundamentos é um paradoxo perigoso.

Enquanto Bolsonaro e outros réus enfrentam um  implacável STF, a sociedade precisa refletir: o que está em julgamento não é apenas a conduta de indivíduos, mas a forma como tratamos as fronteiras do direito em tempos de crise. Democracia se preserva com lei — e não com exceções improvisadas. O remédio da exceção, quando aplicado sem base sólida, pode se tornar mais venenoso do que a doença que pretende curar.