Grêmio e sua possível virada de chave

Por Facundo Cerúleo

Alguém poderá dizer que é fato isolado, mas eu acho que, embora parcial, reflete a realidade dos nossos clubes e do Grêmio em particular. Falo do embate eleitoral e de algumas atitudes muito questionáveis.

Aconteceu que um dos incontáveis "canais monetizados", desses que vivem dos clubes (não estou dizendo que é ilícito), propôs um debate entre os dois candidatos à presidência do Grêmio que passaram ao 2º turno: Odorico Roman e Paulo Caleffi.

Será difícil entender o óbvio? O direito de convidar os candidatos para um debate é igual para todos! Quer dizer, qualquer "monetizado" pode convidar. Mas se todos convidassem (e eles são inúmeros!), poderiam os candidatos atender a todos por igual? Ou estaria correto o candidato escolher uns e deixar outros de fora? E seria razoável que os candidatos abandonassem tudo o que fazem para dedicar todo o tempo em debates que alimentem os "canais monetizados"?

Odorico Roman recusou o convite, seja por não poder atender a todos, seja por ter a agenda cheia, o que está bem. Mas Paulo Caleffi aceitou, o que, a princípio, é normal. O dono do canal, identificado com o Grêmio, em vez de suspender, ocupou o tempo do debate dando a Caleffi um espaço privilegiado, sem contraditório, livre para farpear Roman à vontade. Ou seja, o rapaz tomou partido por Caleffi, mas não teve (que eu saiba) a grandeza de declarar que é seu apoiador. 

É ridículo tentar submeter os candidatos a uma ciranda de debates, sendo que alguns dos que tocam esses canais são amadores (não estou dizendo que não tenham diploma de jornalista...). Não daria para fazer um debate único na entidade que reúne os cronistas esportivos? Será que ninguém pensou nessa possibilidade? Quanto custa ser razoável? 

Seja como for, o lance do "debate fake", com só um debatedor, é o tipo da esperteza que não vai construir nada digno. É um evento que, para muitos, é fato isolado. Mas talvez traduza a mentalidade que predomina entre nós e que fez, nos últimos anos, encolher tanto o Grêmio como o Internacional.

Ninguém vai reivindicar uma congregação de monges budistas para dirigir nossos clubes. Mas é correto, ou melhor, é decente querer que, na política (clubística ou não, aliás!), haja pessoas capazes de pensar antes no bem geral que nos próprios interesses, sejam estes quais forem.

A dupla Gre-Nal está carecendo de dirigentes que, além de inteligência, tenham ao menos uma boa dose de idealismo com abnegação, que conduzam a direção com habilidades diplomáticas para congregar forças e fazer do clube um corpo, despertando uma força sinérgica em prol dos objetivos da instituição. E aquela coisa óbvia: planejamento!

Tolice é sonhar com um salvador da pátria, que a direção não é obra de um indivíduo, mas de um grupo. E o processo eleitoral é para escolher o líder desse grupo. Cabe ao eleitor ter por critério examinar quem tem o perfil ideal ou, não havendo, o mais próximo do ideal.

Seria bem melhor se todo processo eleitoral revelasse a predominância de cabeças criteriosas e atitudes de notória dignidade, seja por parte dos candidatos, seja por parte da imprensa e dos apoiadores ou eleitores em geral. Mas não é assim. Veremos em breve se o Grêmio vai ter a "virada de chave" que tanto necessita ou se vai seguir asfixiado por discursos populistas, sonhando acordado em vez de se conectar com a realidade.


Artigo, especial - É possível desenvolver o Brasil seguindo a ortodoxia econômica do Consenso de Washington ?:

Este material é do Observatório Brasil Soberano


 A história econômica brasileira mostra que a dificuldade de criar um projeto nacio nal de desenvolvimento econômico não começa com a “redemocratização” (sic), mas é um problema que se arrasta por mais de um século. Já na Primeira Repú blica, depois da distribuição de crédito promovida por Rui Barbosa, o país aceitou um ajuste duro – principalmente com a renegociação da dívida em libras em 1898 – que colocou no centro da política econômica a obrigação de pagar a dívida exter na, estabilizar o câmbio e dar segurança ao credor estrangeiro. Para isso, o governo cortou gastos, aumentou tributos e empenhou receitas das alfândegas. Ganhou acesso ao capital, mas ao custo de comprimir investimento e de subordinar a po lítica econômica a uma conta muito simples: antes de qualquer coisa, paga-se o credor externo, reduzindo toda a economia política nacional à criação de um am biente confiável para os tomadores de dívida do Estado. Um século depois, quando a América Latina adota a cartilha que ficou conhe cida como Consenso de Washington, o roteiro se repete com outros atores e novas palavrinhas muito bonitas, como governança global, multilateralismo e responsabilidade fiscal. Agora, o planejamento da economia não é arquitetado pelos bancos credores, mas pelo FMI ou pelo Banco Mundial: para ter financiamento, o país deve fazer superá vit primário, abrir a conta de capitais, privatizar, reduzir o papel do Estado planeja dor da economia e da harmonia de interesses; tudo gira em torno de garantir que o serviço da dívida seja honrado integralmente. A elevação violenta dos juros nos Estados Unidos, com o choque Volcker, no início dos anos 1980, fez o serviço da dívida externa do Brasil disparar e empurrou o país para dentro desse regime. Em vez de discutir como financiar indústria, tecnologia e infraestrutura, passou-se a discutir como gerar dólares e superávits para pagar encargos antigos. Esse tipo de ortodoxia parte da ideia de que o Estado é apenas um devedor potencial mente gastador e, portanto, precisa ser contido. O problema é que países em desen volvimento precisam exatamente do contrário: um Estado capaz de coordenar crédito de longo prazo, de proteger setores nascentes e de investir à frente da demanda. Quando a prioridade fiscal é permanente e rígida, o orçamento fica travado em ju ros, aposentadorias de regimes antigos e contratos de serviços públicos privatiza dos, deixando pouco espaço para investimento público e para políticas industriais. Forma-se, assim, um sistema piramidal com rentistas no topo – bancos, fundos, concessionárias, detentores de títulos – que recebem primeiro e em moeda forte ou indexada, enquanto a indústria nacional, a ciência, a agricultura de maior valor agregado e os serviços produtivos ficam com o resíduo. Juros altos e câmbio instável empurram o empresário a aplicar em títulos ou a comprar ativos existentes, em vez de construir fábricas e expandir suas operações, porque a recompensa financeira de curto prazo é maior e o risco político e cambial é menor. O resultado é o crescimento sem transformação: o PIB até pode subir com commodities e consumo, mas a base produtiva não se aprofunda, não se diversifica e não desenvolve a economia real. Como desenvolver um país que planeja sua economia exclusivamente para cumprir seus compromissos com a classe rentista? É preciso articular um projeto nacional de desenvolvimento da economia real. Austeridade fiscal e assistencialismo estatal não são remédios eficazes para a falta de produtividade enquanto nação