Desde sua criação em 1988, os 195 cientistas do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC) da ONU vêm alertando sobre as mudanças climáticas e seu crescente impacto. A tragédia no Rio Grande do Sul (RS) evidenciou a necessidade urgente de financiar investimentos em infraestrutura, logística e negócios resilientes aos eventos climáticos extremos, que só tendem a aumentar.
Apesar da urgência do tema, a escassez de financiamento para infraestrutura resiliente no Sul Global é alarmante. Segundo a Climate Policy Initiative, menos de 19% dos US$ 9 trilhões necessários para enfrentar a emergência climática são realmente investidos, dos quais apenas 4% destinam-se à adaptação. Além disso, 84% dos recursos são alocados nos países mais ricos, enquanto os dez países mais afetados recebem somente 3%.
A situação brasileira é peculiar: somos uma das dez maiores economias do mundo, não enfrentamos uma crise de dívida externa ou interna, mas os recursos públicos são limitados pelo arcabouço macroeconômico existente.
O Rio Grande do Sul, por exemplo, um Estado rico, não tem espaço fiscal para financiar ou obter financiamento para investimentos críticos frente à falta de resiliência da sua infraestrutura para enfrentar as chuvas extremas. E reconstruir a infraestrutura gaúcha com resiliência climática é um imperativo moral - mas também econômico. Para o setor público, trata-se de uma “responsabilidade fiscal intertemporal”: investir menos agora significa correr o risco de frequentes déficits fiscais e dívidas explosivas.
O grande empresariado, por sua vez, enfrentará perdas milionárias cada vez maiores com catástrofes climáticas como estas. No setor financeiro, somente as seguradoras e resseguradoras terão prejuízos entre R$ 25 bilhões e R$ 40 bilhões com a destruição no Rio Grande do Sul.
Estima-se que serão necessários imediatamente pelo menos R$ 19 bilhões para a reconstrução. No momento, a sociedade civil e organizações filantrópicas demonstram um poder extraordinário de empatia, com milhões em doações em dinheiro e espécie. Mesmo pressionado a manter um frágil equilíbrio fiscal, o governo federal libera R$ 59 bilhões para enfrentar a crise, destinando recursos para o socorro e compensações emergenciais para empresas e indivíduos afetados. No entanto, pouquíssimo é ainda dedicado à restauração da infraestrutura destruída.
Instituições financeiras como o BNDES, o Banco Interamericano de Desenvolvimento, o Banco dos Brics (NDB) e o Banco de Desenvolvimento da América Latina e Caribe (CAF) anunciaram mais de R$ 15 bilhões em recursos para a reconstrução. Entretanto, é importante entender que apenas uma fração desse montante será desembolsada rapidamente, pois parte dos recursos provém da realocação de empréstimos já aprovados, o chamado “front loading”. O restante dependerá da aprovação de projetos de acordo com os padrões de cada instituição, e alguns necessitarão de negociações e garantias, inclusive soberanas. Esses processos são geralmente longos e envolvem “custos de transação e originação” muitas vezes elevados.
Nesse sentido, talvez seja oportuno que se crie uma estruturadora e financiadora de investimentos sustentáveis no Brasil, com duas funções. Primeiramente, ela se encarregaria de acelerar o desenvolvimento de projetos potencialmente atrativos para diversas fontes de financiamento no Brasil e no mundo, e adequá-los de forma expedita aos requerimentos destas fontes.
Para tal, sugiro, por exemplo, usar tecnologias digitais, inclusive inteligência artificial, para definir quais investimentos, potenciais e existentes - inclusive os do programa nacional de investimentos em infraestrutura, o PAC -, teriam mais impacto, quais tipos de instrumentos seriam necessários para torná-los mais atrativos e para monitorar sua execução de acordo com os objetivos definidos.
É importante mencionar que não é novo esse tipo de estrutura no Brasil: já tivemos uma Estruturadora Brasileira de Projetos até 2015, e o BNDES possui uma “fábrica de projetos” (voltada para suas próprias operações), e há algumas iniciativas semelhantes em outras partes do mundo.
Esta plataforma, em segundo lugar, deveria conter um pool de recursos financeiros de atores privados, filantropias e fundos climáticos internacionais. Esses recursos poderiam ser integralizados, quando necessário, para cobrir os custos de busca ativa e originação de projetos e, eventualmente, realizar o financiamento conjunto (blended finance) com parceiros financeiros e investidores no Brasil e no mundo. Para obter maior adesão desses e outros potenciais parceiros, seria crucial uma governança que encare preocupações com possível captura por parte de qualquer um dos participantes (privados e públicos) e, simultaneamente, permita uma atuação técnica, profissional e ágil dos seus quadros.
Essa solução não substitui as instituições públicas existentes, nem reduz a necessidade urgente de ampliar o investimento público. No entanto, se implementada a tempo, poderia ajudar a reconstruir o Rio Grande do Sul com base em “missões” determinadas pela sociedade gaúcha, especialmente na construção de infraestruturas e logística climaticamente mais resilientes. Sua criação agora seria politicamente tempestiva, podendo atrair parcerias de instituições multilaterais e nacionais dos países do G20, grupo atualmente liderado pelo Brasil.
Se bem-sucedido, o conceito poderia contribuir para solucionar o problema mencionado acima de mobilização global de financiamento climático. Por fim, esta seria uma solução muito apropriada advinda do Brasil, um país do Sul Global que será o anfitrião da 30ª Conferência das Partes (COP30), a ser realizada em 2025 no Pará, outro Estado com enormes vulnerabilidades à mudança climática.
Nossos corações e pensamentos estão com nossos irmãos do Sul. Que esta tragédia, que tanto nos entristece, possa ao menos ser uma oportunidade para criarmos soluções que pavimentem o caminho para um futuro melhor, mais resiliente e mais justo para todos.
Rogério Studart é sênior fellow do Cebri e membro do “Independent High-Level Expert Group on Vertical Climate and Environmental Funds” do G20
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