27 de novembro de 2015
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http://www.valor.com.br/especial/projecoes
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Ela voltou. A prévia do índice oficial de inflação ao
consumidor, o IPCA, alcançou 10,28% nos 12 meses encerrados em novembro,
retornando aos dois dígitos pela primeira vez desde 2003. No orçamento das
famílias, essa média esconde uma conta de luz 53% mais cara e um aumento de 18%
na gasolina, enquanto o preço do trivial feijão com arroz subiu 19%, na média,
e o do sapato feminino (acredite, se quiser) não aumentou nos últimos 12 meses.
Os economistas conseguem explicar parte do retorno à
inflação de 10%, mas há um pedaço e uma dinâmica que os desafiam. E esse pedaço
não conhecido é fundamental para determinar o que o Banco Central (BC) deve ou
não deve fazer na tarefa de trazer a inflação brasileira para a meta de 4,5% ao
ano. Além do desconhecido, o debate sobre inflação e política monetária ganhou
um adendo, que talvez represente um problema maior do que o do nível de preços.
Se o Brasil estiver (ou entrar) na chamada “dominância fiscal”, subir os juros
passa a ser não apenas ineficiente, mas contraproducente.
O Valor pediu a três economistas – Salomão Quadros,
superintendente-adjunto de Inflação do Instituto Brasileiro de Economia da
Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV); Carlos Viana de Carvalho, professor do
Departamento de Economia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
(PUC-Rio); e Nelson Marconi, professor da Escola de Economia de São Paulo da
Fundação Getulio Vargas (Eesp-FGV) e vice-presidente da Associação Keynesiana
Brasileira – para escreverem pequenos artigos com uma dupla questão básica: por
que a inflação não cede no Brasil e como fazê-la ceder? Para um quarto
economista – Tiago Berriel, professor da PUC-Rio e responsável pela análise
macroeconômica na Pacífico Gestão de Recursos – o pedido foi para discutir os
desafios colocados para a política monetária se o país estiver em dominância
fiscal.
A parte conhecida da inflação de 2015 é a correção dos
preços administrados, o repasse cambial, a manutenção de regras de indexação e
o efeito dos erros de política monetária do passado recente, que afetam as
expectativas quanto à inflação futura porque levam os agentes a desconfiar da
ação do BC. O peso de cada uma dessas variáveis na inflação de 10% divide aos
economistas, que também consideram controversa a razão pela qual a inflação
subiu tanto em um quadro tão recessivo.
Nas aulas que dá na PUC-Rio, Carvalho tem se deparado com
o desafio de discutir por que a inflação acelerou o ritmo se o Produto Interno
Bruto (PIB) está caindo 3%, se o Banco Central corretamente já apertou os juros
e se a taxa de desemprego aumentou em três pontos percentuais. Os livros-texto
de economia sugerem o contrário, como acontece na zona do euro, onde o Banco
Central Europeu concentra esforços para tirar a região da dobradinha
deflação-estagnação. “É difícil montar esse quebra-cabeça do Brasil”, diz
Carvalho.
Nesse desafio, além de apontar para erros das políticas
macroeconômica e monetária (com reflexos na perda de credibilidade da direção
do BC) no passado recente, Carvalho chama atenção para duas linhas novas de
pesquisa. Uma sugere que o repasse cambial tem sido subestimado (não só no
Brasil) e a outra relaciona crise econômica e reação de empresas mais frágeis
financeiramente.
Uma das principais pressões sobre a inflação deste ano
vem dos preços administrados, o que inclui energia, transporte público e
gasolina, entre outros itens. Esse grupo responde por quase um terço da
inflação de 10%. O aumento é tão expressivo porque no primeiro mandato da
presidente Dilma Rousseff tarifas públicas foram usadas para segurar a inflação
enquanto se tentava baixar os juros, mesmo sem a inflação controlada.
Para além da conta dos administrados, Salomão Quadros, do
Ibre, lista a persistência da inflação, a “taxa de sacrifício” e o repasse
cambial. Para ele, o setor de serviços é o retrato perfeito da resistência,
pois a alta dos preços se mantém levemente acima de 8%, ponto em que já estava
no ano passado, apesar da recessão. Essa situação, diz ele, está associada à
regra da correção do salário mínimo, que garante a inflação passada mais o
crescimento real do PIB de dois anos antes (quando existe). “O setor de
serviços vai começar 2016 com um aumento no custo de mão de obra superior a
10%”, pondera Quadros. “Como desacelerar a inflação com esse custo?”
A indexação é o ponto central da avaliação de Marconi. Os
preços dos bens e serviços que não podem ser trocados com o exterior andam
acima dos demais desde meados de 2004, diz ele, que também aponta a regra de
correção do salário mínimo pela inflação como a grande causa dessa situação.
“Vai ser preciso mexer nessa regra.”
Em trabalho recente, Marconi cruzou a inflação de bens
não comercializáveis e o custo unitário do trabalho e concluiu que andam
juntos. Portanto, para que a inflação desse grupo caia, é preciso que o custo
do trabalho diminua, o que só pode ser feito com duas variáveis: uma queda do
salário real ou ganhos de produtividade. Nos últimos 12 meses, o emprego na indústria
caiu 5,4% e a produção encolheu 8,2%, o que indica uma queda de 3% na
produtividade, enquanto o salário médio caiu apenas 0,7%. Como ele caiu bem
menos que a produtividade, o custo unitário do trabalho (a quantidade de
trabalho necessária para produzir uma unidade de produto), subiu, pressionando
os custos.
Nessa situação em que a produção cai mais rápido que o
emprego, a queda de produtividade é ainda maior e só poderia ser revertida com
mais investimento, o que também não está no radar. “Por isso, apenas com
redução do salário real você reverte esse movimento. E para isso precisa mexer
na regra de indexação dos salários à inflação”, pondera Marconi, lembrando que
para o mínimo ela é lei.
Outra influência sobre a inflação vem do câmbio. Pelo
modelo do BC, cada 10% de desvalorização do real tem um impacto de 0,3 a 0,5
ponto percentual na inflação ao consumidor no prazo de um ano, dependendo do
nível de atividade e outras variáveis.
Carvalho, da PUC, conta que pesquisas recentes conduzidas
por um grupo de economistas – Alberto Cavallo, do Instituto de Tecnologia de
Massachusetts (MIT), Brent Neiman, da Universidade de Chicago e do Escritório
Nacional de Pesquisa Econômica dos Estados Unidos (NBER) e Roberto Rigobon, do
MIT e do NBER – indica que o repasse das depreciações cambiais no Brasil e no
mundo é muito mais intenso do que se imaginava. Eles propuseram uma nova
abordagem à questão e investigaram preços dos mesmos produtos em diferentes
países (via sites de grandes redes) e fizeram uma análise ao longo dos anos,
cruzando com a desvalorização (ou valorização) das moedas. “A pesquisa sugere
repasse de quase um para um”, diz Carvalho.
Todos sabem que os preços no Brasil são sempre mais
caros, pondera Carvalho. O que a nova metologia sugere é que a diferença tem
sido constante, qualquer que seja o câmbio. Os estudos já publicados (ver
endereço no final) não abrangem o Brasil, mas o país foi incluído em uma
pesquisa em andamento, que Carvalho conheceu. “O repasse no Brasil é como no
mundo, e em ambos mais intenso do que a literatura indicava”, explica o
professor da PUC.
Para Quadros, a recessão atrasa, mas não impede o repasse
do câmbio ao valor cobrado dos bens. No atacado – que compõe 60% dos índices
gerais de preços (IGPs) calculados pelo Ibre – isso ocorre ao longo do tempo
nos itens industriais e mais rapidamente nos agrícolas. Quadros lembra que a
desvalorização já passa de 70% desde meados do ano passado. Nos últimos 12
meses, os itens mais sensíveis ao câmbio dentro do IPA industrial subiram 13,6%
(insumos) e 11,4% (bens finais). Aparentemente, a comparação pode sugerir um
repasse pouco intenso, mas o economista do Ibre lembra que várias commodities
ficaram mais baratas em dólar no último ano. O petróleo caiu 53% e os metais,
quase 30%.
Os repasses do câmbio à inflação, diz Quadros, não são
automáticos e dependem de outras variáveis, inclusive a confiança. No IPA
industrial, reajustes referentes ao câmbio apareceram no início de 2015, mais
concentrados em janeiro e fevereiro. Depois arrefeceram e voltaram com força no
terceiro trimestre, quando houve a percepção “de que havia-se perdido o
controle do câmbio”.
Carvalho, da PUC, chama atenção para outro estudo que
pode ajudar a entender o aumento dos preços em um contexto de recessão. Nos EUA
pós-crise de 2008/2009, foi identificado (em pesquisa conduzida por Simon
Gilchrist, da Universidade de Boston e do NBER, Raphael Schoenle, da
Universidade de Brandeis, e Jae W. Sim e Egon Zakrajsek, do Federal Reserve)
que firmas mais frágeis aumentaram mais os preços em relação às firmas mais
fortes financeiramente. “As firmas menores não conseguem baixar seus preços, o
que as grandes conseguem, e o efeito é uma queda menor no nível geral de
preços, apesar da recessão”, resume Carvalho, olhando para a pesquisa, restrita
aos EUA.
Para Marconi, Quadros, Carvalho e Tiago Berriel, o Brasil
não está fadado a conviver com inflação alta. Política monetária correta,
fiscal ajustado e quebra de regras de indexação podem levar à inflação à meta.
Quadros lembra que em 2006 e 2007 o país teve taxas ao redor de 3% e 4%. Para
os economistas, o BC errou na condução da política monetária no passado, o que
ajuda a explicar a aceleração das projeções para o IPCA de 2016, já em 6,6 %,
acima do teto da meta estabelecida.
Em agosto de 2011, o Comitê de Política Monetária (Copom)
surpreendeu ao baixar os juros quando a inflação em 12 meses estava em 7,2%. A
Selic continuou em queda por 15 meses, sem a inflação convergir para a meta.
Hoje, o dilema que se coloca para o BC é mais complicado.
O Brasil pode ou não estar em dominância fiscal. Mesmo que não esteja (os
quatro economistas dizem que ainda não é possível cravar o diagnóstico), o
certo é que a situação fiscal passou a ser um elemento que constrange a
política monetária.
Tiago Berriel, da PUC, diz que existem hoje diferentes
visões sobre dominância fiscal. Ele prefere aquela que diz que essa situação
ocorre toda vez que os credores da dívida pública deixam de acreditar que serão
gerados superávits primários suficientes, no futuro, para pagar a dívida. Essa
situação leva o credor a se livrar do estoque de riqueza em seu poder,
procurando outros ativos, o que aumenta a depreciação da moeda local, gerando
mais inflação. Como a alta de juros alimenta a dívida, no momento em que os
credores não acreditarem que ela será paga no futuro, elevar os juros só
aumenta o tamanho do problema.
“Não é óbvio que estamos em dominância fiscal, mas é
óbvio que esse é um problema, inclusive para o BC”, diz Berriel. Ele defende
que o BC seja explícito sobre quanto a variável fiscal atrapalha sua tarefa de
fazer a inflação convergir para a meta e faça coro com o grupo que pressiona
por mudanças que revertam a trajetória explosiva da relação dívida/PIB, que ele
considera que pode chegar em 80% entre 2018 e 2019. Além do erro de ceder a
pressões em 2011/2012 e baixar os juros sem condições macroeconômicas que
justificassem esse movimento, Berriel diz que o Copom tem errado ao tratar a
questão fiscal de forma muito condescendente ao longo dos últimos anos.
Embora veja sinais de dominância fiscal a caminho,
Berriel diz que mesmo um baixo superávit primário em 2016 pode estancar essa
preocupação se medidas que indiquem solvência a médio prazo – como a adoção de
uma idade mínima de 65 anos para a aposentadoria – forem apresentadas e
aprovadas. Mesmo a perspectiva de uma mudança de governo pode ajudar, se um “novo”
governo for visto como mais virtuoso na área fiscal. “É preciso mudar a
expectativa”, resume.
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