Mercado norte-americano se aproxima de um de seus mais
longevos períodos de alta em um século – e isso pode ser um sinal de alerta
O mercado norte-americano está convivendo com um momento
histórico: os investidores estão presenciando um dos maiores e mais duradouros
ciclos de alta em um século. Em termos de duração, o momento atual fica atrás
apenas do ciclo originado nos anos 1990 e que desembocou na Bolha da Internet
no início dos anos 2000 – e, se o atual ciclo permanecer até o final de agosto deste
ano, será o mais longo em um século. Em termos de ganhos totais, o ciclo dos
anos 1920 que desembocou na crise de 1929 também é mais expressivo, mas o
momento atual caminha em busca dessa marca.
Os dados históricos do mercado norte-americano foram analisados
pelo professor Aod Cunha, que leciona na pós-graduação online em Finanças,
Investimentos e Banking da PUCRS. Aod explica que é preciso prestar atenção
para os padrões históricos para compreender a possibilidade de exaustão do
movimento atual. “Economistas e financistas podem ter diferenças sobre por que
os ciclos existem ou não, mas ninguém discorda que temos ciclos de alta e em
algum momento precisamos ter realizações”, diz. Cunha também foi Managing
Director do banco norte-americano JPMorgan em São Paulo e sócio do BTG Pactual,
e ainda atua como conselheiro em diversas empresas.
O que mais preocupa o professor no movimento atual é o
motivo que tem alimentado o “bull market”, iniciado após a forte crise
financeira de 2008. “O que é interessante é que esse não é um ciclo de alta
associado a um dos mais longos ciclos de crescimento econômico real da
história. Vários ciclos anteriores tiveram crescimento maiores. O que tem de
diferente nesse ciclo atual é muita liquidez no mercado, guiada pelos juros baixos
por muito tempo”, explica. Como base de comparação, nos anos 1990 era normal o
crescimento do PIB anualizado dos EUA rondar a faixa dos 4% ao ano, enquanto o
ciclo atual tem girado próximo a uma taxa de 2%.
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E o alerta vale para outros mercados, uma vez que os
ganhos em descompasso com o crescimento econômico não é uma particularidade do
mercado acionário. “Se olharmos para vários outros ativos, como os mercados de
bonds, high yields, crédito corporativo, todos eles estão com preços
esticadíssimos”, afirma.
Ciclos permanentes de alta são improváveis, e os padrões
históricos refutam a ideia muitas vezes difundida de que “dessa vez é
diferente”. Aod lembra dos anos 1990, quando se argumentava que a economia
crescia a taxas superiores a 4% por conta da revolução da internet e pelos
ganhos de produtividade advindos com a nova tecnologia. “Sabemos o que
aconteceu na sequência: a realização veio e foi muito acentuada”, afirma.
Segundo dados compilados pela S&P Capital IQ, após o estouro da Bolha da
Internet o mercado norte-americano entrou em um forte “bear market”, com perdas
de 49,1% no S&P 500. Foram necessários 56 meses para que o índice se
recuperasse e igualasse a pontuação anterior.
*Até 26/01/2018
Fonte: CFRA, S&P DJ Indices
Bull Markets desde 1921
Período Duração Ganhos Totais
09/03/2009 - atual* 107
meses 325%
09/10/2002 – 09/10/2007 60
meses 101%
11/10/1990 – 24/03/2000 113
meses 417%
04/12/1987 – 16/07/1990 31
meses 65%
12/08/1982 – 25/08/1987 60
meses 229%
03/10/1974 – 28/11/1980 74
meses 126%
26/05/1970 – 11/01/1973 32
meses 74%
07/10/1966 – 29/11/1968 26
meses 48%
26/06/1962 – 09/02/1966 44
meses 80%
22/10/1957 – 12/12/1961 50
meses 86%
13/06/1949 – 02/08/1956 86
meses 267%
17/05/1947 – 15/06/1948 13
meses 24%
28/04/1942 – 29/05/1946 49
meses 158%
31/03/1938 – 09/11/1938 7
meses 62%
14/03/1935 – 06/03/1937 24
meses 132%
01/06/1932 – 18/07/1933 14
meses 177%
01/08/1921 – 07/09/1929 97
meses 395%
Os dados, compilados pela CFRA e pelo S&P DJ Indices,
mostram que os bull markets duram, em média, 52 meses, com ganhos totais de
163%. Portanto, o momento atual, com 107 meses de duração e ganhos de 325%,
representa o dobro dos ciclos médios de alta registrados desde 1921. O alerta
não significa que o mercado norte-americano irá necessariamente iniciar uma
correção nos próximos dias ou meses, mas é importante ter em mente que essa
possibilidade existe e pode vir em algum momento. “A cada mês que passa, se
olharmos as regularidades passadas, ainda que o mundo seja diferente por
diversas razões, aumenta a probabilidade de um ajuste mais forte”, explica.
E o Brasil?
O comportamento do mercado brasileiro é um pouco diferente
do norte-americano, mas ainda assim um eventual ajuste nos EUA também deverá
trazer implicações para os investidores brasileiros. Em um primeiro momento,
espera-se um ajuste para baixo, mas na sequência a bolsa brasileira ainda tem
um espaço adicional a percorrer na recuperação, uma vez que os últimos anos
foram marcados por um forte descolamento do mercado brasileiro proveniente da
crise política.
Quanto ao forte desempenho registrado em 2017 e nesse
início de 2018, Aod credita esse desempenho principalmente ao cenário externo.
“O que ocorre aqui faz parte de um movimento global de muita liquidez e crédito
barato. O investidor estrangeiro olha para os emergentes e vê que o Brasil
sofreu mais e está tentando fazer reformas, ele está precificando as
expectativas do próximo governo, em um momento no qual os múltiplos estão
esticados lá fora”, explica.
O mercado colocou nessa conta um desfecho positivo para
as eleições presidenciais – ou seja, um governo comprometido com uma agenda de
reformas –, mas para os próximos anos o Governo pode ter que enfrentar novos
problemas. “Depois de 2019 a vida vai ser mais dura do que se espera. O Brasil
tem um problema ligado principalmente à demografia, com um processo único no
mundo de envelhecimento da população, o que coloca um teto mais baixo na nossa
taxa de crescimento”, alerta. Atualmente, parcela significativa dos ganhos de
produtividade é proveniente do aumento natural da força de trabalho. “No longo
prazo, para continuarmos crescendo, a produtividade vai ter que multiplicar, e
isso deve vir de uma série de reformas. Hoje o mercado está olhando somente
para a questão fiscal”, afirma.
O fim do bull market
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