Uma palavra comum no dicionário da esquerda é “luta”.
Sempre se está lutando por alguma causa, uma bandeira. É como se todos
vivêssemos em conflito permanente, e como se não houvesse solução que não fosse
o enfrentamento.
Com frequência na história, os grupos humanos se veem na
contingência única de lutar. Se uma potência estrangeira invade o nosso
território, que alternativa temos, senão a de resistir? Que opção tinha o mundo
senão enfrentar no campo de batalha o Reich insano, o psicopata furioso Adolf Hitler?
De onde vem essa postura de contínuo desafio, de maus
bofes e mau humor permanentes, que move dirigentes e militantes ditos
“progressistas”? Arrisco dizer que vem, em primeiro lugar, das certezas
inabaláveis, da confiança cega nos seus próprios dogmas. Se não há hipótese de
o adversário ter alguma parcela de razão, se ele teima em não aceitar a verdade
revelada, então não há o que fazer senão subjugá-lo. Se não for pelo argumento,
que seja no grito. Na política, no debate social, quanto maiores forem as nossas
certezas, mais beligerantes tendemos a ser.
A outra razão, que depende da primeira, é o mito marxista
da luta de classes. O profeta alemão errou em quase todas as predições. As suas
ideias, onde floresceram, só geraram a ruína econômica e as ditaduras mais
brutais. Mas Marx é um fracasso que deu certo: tanto mais ele errou, mais os
seus seguidores em todo o mundo o reverenciam, principalmente entre os
intelectuais, os professores da academia. Podem não ter lido toda a obra, podem
ter lido e não ter compreendido ou assimilado muito bem. Mas a luta de classes
é um bordão para todas as ocasiões.
Então, em cada greve de caminhoneiros, em cada grande
movimento popular, em cada evento relevante da história, em cada grande ou
pequeno tremor na economia, tudo se explica pela luta de classes. Para ter
luta, é preciso ter inimigos. E se eles não existem, ou não são tão visíveis
nem tão claros, que se os criem, que se lhes ponha na testa um carimbo, que
lhes atribua uma maldade intrínseca e uma congruência de meios e fins.
Mas será assim mesmo, tudo é luta e conflito? Felizmente,
na vida e na história, não é assim. Inúmeras vezes, a solução de um impasse, um
conflito, vem de um gesto de paz, de cooperação, de entendimento, de concessão
mútua.
O que chamamos de civilização não é senão a convivência
comum, a resolução pacífica das diferenças. O mundo se tornou mais habitável
não nos gabinetes da guerra, mas nas salas de conferência de paz, quando os
homens entre si se respeitaram e estenderam-se as mãos.
Qual a razão, hoje em dia, para fincar pé, se manter em
postura de ataque, proclamar que é preciso “luta” em todas as situações? Não
nos compele mais a contingência do homem das cavernas, quando se aventurava
sair em busca de comida: enfrentar ou fugir, diante do perigo.
Somos o resultado de séculos de evolução, aprendemos com
nossos erros e nosso sofrimento: é avançado, é progressista sentar à mesa com o
adversário ou inimigo, e encontrar saídas razoavelmente consensuais, nas quais
todos perdem e todos ganham alguma coisa.
titoguarniere@terra.com.br
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