De tão frequentes, as referências à academia nos últimos
discursos de Ciro Gomes (PDT) parecem até fruto de pesquisas qualitativas.
Seja qual for o motivo, o candidato quer se vender ao povo brasileiro como
professor, pesquisador rigoroso, em contraste com os políticos comuns que nunca
estudaram os problemas do país.
Exatamente o oposto do que aconteceu na carreira de Ciro
Gomes. O ex-professor de direito da UVA e UNIFOR abandonou a docência antes da
queda do Muro de Berlim, em 1985. Não tem histórico de publicações em periódicos
com rigor acadêmico ou pós-graduação. De acordo com um perfil da revista Piauí
deste mês, Ciro frequentemente “cai em imprecisões ou erros factuais ao
despejar dados em cascata”.
Nos últimos 33 anos, Ciro fala para obter poder político,
não para refletir seriamente sobre qualquer coisa. Quem esquece disso corre
alto risco de ser engabelado pelo candidato. Apesar de bem articulado, como
Donald Trump, Ciro Gomes não tem medo de mentir, como Trump, se for necessário
para adoçar seu discurso.
Leia também: Uma democracia operando em modo
aleatório.
Afirmar que metade do orçamento é destinado ao pagamento
de juros para bancos, como faz o candidato, é uma mentira grosseira, derivada
de um uso nonsense da palavra “orçamento”.
Ciro conflaciona, propositalmente, gasto público e
dinheiro movimentado pelo governo. Mas nunca informa que metade das receitas
também vem dos bancos, por operações financeiras do governo. Se o que ele chama
de “orçamento” representasse o tamanho do governo federal, a carga tributária
necessária para estabilizar a dívida pública brasileira seria maior que a dos
países escandinavos, ao redor de 60% do PIB. Só é possível compreender a
afirmação através da politicagem, admitindo que o candidato quer vender uma
solução fácil para o ajuste fiscal – voluntarismo contra banqueiros.
Mesmo assim, precisaríamos considerar que boa parte dos
juros não vai pros bancos. Fundos de pensão e seguradoras estão entre os
maiores detentores da dívida pública. Parte importante dos depósitos na sua conta
corrente, por exemplo, podem estar assegurados por títulos públicos. Ao
discurso de Ciro, portanto, falta justamente o estudo e as informações que ele
alega ter de sobra.
O paralelo que faço com Trump se dá principalmente pela
crônica alergia a fatos. Mas se fosse apenas isso, estaríamos bem.
Ciro já disse, por exemplo, que as metas de inflação só
existem no Brasil, sendo uma picaretagem neoliberal que só nós engolimos – na
verdade, é o regime monetário mais adotado no mundo, apoiado por alguns dos principais
economistas de esquerda do planeta, cujos defensores originais foram premiados
com o Nobel. Se lhe parece uma tecnicalidade, saiba que basta um decreto
presidencial – uma canetada, sem discussão parlamentar – para acabar com o
regime de metas, o que Ciro já prometeu fazer.
A acusação genérica de combater a “picaretagem ideológica
neoliberal” é um salvo-conduto frequente de Ciro para ignorar economistas
acadêmicos e as evidências por eles acumuladas em suas pesquisas. Diversas
pesquisas apontam um virtual consenso sobre os danos do protecionismo ao
bem-estar econômico – como Trump, Ciro ignora um virtual consenso científico
propondo proteção ao empresariado nacional, enquanto acusa os outros de
ideologia.
Críticas à ortodoxia econômica, como as recentemente
formuladas por André Lara Resende e John Cochrane, tem sido citadas por Ciro em
sentido oposto ao que esses economistas defendem – os próprios já disseram que
não se trata de salvo-conduto para baixar juros na canetada. O candidato ignora
ainda que o gasto federal cresceu em 2015 e 2016, e culpa a austeridade (qual,
se a demanda do governo aumentou?) pela crise.
Em suma, o presidenciável estudioso trabalha
diuturnamente para rebaixar o debate público, como Trump. Para isso, conta com
a ignorância da população sobre assuntos técnicos, como Trump, e até defende
pautas próximas ao presidente americano – há mais trumpismo na política
comercial de Ciro do que na de Bolsonaro.
Nem tudo são semelhanças. Trump propôs, de modo
irresponsável, cortes de impostos para o mais ricos. Ciro defende o contrário,
num ponto de sensatez do seu programa econômico. Na relação com o empresariado,
entra a semelhança com Dilma Rousseff.
Em diversos momentos da campanha, como no debate da Band,
Ciro citou setores nominalmente, detalhando intervenções com a precisão de um
passe do Iniesta. Assim como Dilma, Ciro quer desenhar novos mercados com
canetadas. Novamente, tem tudo para dar errado – a quantidade de consequências
não-intencionais e imprevistas costuma ser grande demais, levando à destruição
de outros setores.
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nunca existiu
Há, no candidato, muita disposição para políticas
econômicas expansionistas, destinadas a aumentar o emprego no curto prazo.
Pouco diz sobre seus custos e as distorções resultantes. Segundo o candidato, o
alívio em dívidas do SPC consumiria cerca de R$ 60 bilhões, aproximadamente
dois anos de Bolsa Família. Esse tipo de política pública, com estímulos de
curto prazo ao emprego formulados com mais vontade do que avaliação, foram uma
marca dilmista.
Foi com ideias assim, que pareciam razoáveis e tinham
custos subestimados através do envolvimento de bancos estatais, que o Brasil
chegou na atual situação fiscal. O subsídio ao lucro de grandes empresários (no
caso, bancos) é outro traço dilmista nas ideias de Ciro para o SPC.
Pelas caridades! Comparar Ciro ao Trump…
ResponderExcluirCiro só tem procurado elevar o debate e esclarecer como funciona essa "tecnicidade' econômica e financeira que os políticos sempre procuraram esconder do eleitor.
Deixe-me adivinhar: O autor desse texto deve ter apoiado a pec dos gastos e as canetadas do Temer?
Pode explicar por que os juros no Brasil são estratosféricos? E por que há tão poucos bancos no Brasil?