Com a reforma trabalhista de 2017, o sindicalismo se viu
desafiado pelo fim da cobrança obrigatória que até então era imposta a todos os
trabalhadores de uma determinada categoria com a finalidade de sustentar o
respectivo sindicato – independentemente de o funcionário ser ou não filiado à
entidade. O chamado “imposto sindical” chegou a movimentar R$ 3,5 bilhões
anuais, destinados a sindicatos e centrais sindicais que às vezes estavam mais
preocupados em fazer política partidária que em lutar pelos direitos dos
trabalhadores que diziam representar. Com a reforma, o desconto passou a
depender de autorização expressa e individual do funcionário.
Essas entidades poderiam ter seguido o exemplo de
sindicatos com grande filiação e tradição de combatividade em favor de sua
categoria, reinventando-se para conquistar novos membros que estivessem
voluntariamente dispostos a sustentá-las. Mas, em vez disso, preferiram
recorrer a truques legais para burlar a intenção da lei e garantir a
continuação da cobrança indiscriminada. Sindicatos passaram a realizar
“assembleias extraordinárias”, com presença nem sempre numerosa, em que
aprovavam o desconto na folha de todos os trabalhadores da categoria.
É inexplicável a atitude de sindicatos, procuradores e
juízes que insistem em passar por cima da lei e das decisões do STF para
prejudicar o trabalhador
Para conseguir manter a cobrança, as entidades alegavam a
“prevalência do negociado sobre o legislado”, princípio saudável das relações
trabalhistas – mas distorcido neste caso, pois seria preciso deturpar o texto
de partes da CLT que tratam do desconto, como os artigos 579 e 545, que
condiciona o desconto do imposto sindical à “autorização prévia e expressa” dos
trabalhadores. Para os sindicatos, a redação dos textos, que usa o plural ao se
referir a “empregados”, daria margem a uma autorização coletiva, e não
individual. Claro que, para tal, seria preciso atropelar o artigo 611-B da CLT,
segundo o qual ninguém pode sofrer desconto de valor algum “sem sua expressa e
prévia anuência”, um direito que não pode ser anulado por convenções coletivas.
Infelizmente, a rebelião ideológica contra a reforma
trabalhista dentro do Ministério Público do Trabalho e da Justiça do Trabalho
permitiu que a tese da cobrança coletiva, ainda que completamente desprovida de
amparo legal e já descartada pelo Supremo Tribunal Federal em 2018, pudesse
prevalecer nos casos em que os sindicatos buscaram o Judiciário. Até mesmo a
segunda instância, os Tribunais Regionais do Trabalho, tem tomado decisões
neste sentido. Mas as empresas obrigadas a fazer o desconto em folha começaram
a reagir, e um dos casos chegou ao STF.
No fim de maio, a ministra Cármen Lúcia concedeu liminar
a pedido de uma metalúrgica do Rio Grande do Sul, derrubando uma decisão do TRT
da 4.ª Região que tinha beneficiado um sindicato do setor. Ela lembrou o
julgamento realizado no próprio Supremo a respeito da constitucionalidade de
trechos da reforma trabalhista, ocasião em que o entendimento da corte foi pela
necessidade de autorização individual para a cobrança do imposto sindical.
Assim, o Supremo consolida a jurisprudência a respeito do tema, tornando ainda
mais inexplicável a atitude de sindicatos, procuradores e juízes que insistem
em passar por cima da lei e das decisões do STF para prejudicar o trabalhador.
A disputa jurídica em torno da cobrança do imposto
sindical levou o governo Jair Bolsonaro a publicar, no início de março deste
ano, a Medida Provisória 873/19, que buscou eliminar qualquer possível
ambiguidade na CLT e deixar ainda mais claro que é o trabalhador, de forma
individual e voluntária, que tem de autorizar o desconto. No entanto, a MP
ainda introduziu exigências totalmente desnecessárias e desproporcionais, como
a necessidade de cobrança por boleto, em vez do desconto direto em folha – uma
formalidade totalmente dispensável, se levarmos em conta que o empregador já
manifestou sua intenção de realizar o pagamento.
A MP ainda aguarda a escolha de um relator na comissão
mista de deputados e senadores, e corre o risco de caducar no fim de junho. Por
mais que o artigo 611-B da CLT e o Supremo já sejam claros, o texto publicado
por Bolsonaro serviria para acabar de vez com as dúvidas sobre a autorização
individual para a cobrança; por isso, o ideal seria que os congressistas
aprovassem a MP, eliminando dele os trechos excessivos, como o referente ao
boleto bancário. Quanto aos sindicatos, que saibam cumprir a lei, esforçando-se
para conquistar mais filiados, e não para buscar vitórias duvidosas nos
tribunais.
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