Artigo, Elio Gaspari, O Globo - A tragédia de Sergio Moro

Está em curso o julgamento do processo que poderá terminar na cassação do mandato do senador Sergio Moro. Se ele for condenado, a corrupção ganha porque o símbolo da maior operação de combate à corrupção da História nacional foi apanhado em malfeitorias eleitorais. Se for absolvido, a corrupção também ganha, porque, tendo cometido ilegalidades, saiu inteiro.


A situação parece absurda, mas segue uma lógica demonstrada na segunda metade do século passado pelo economista sueco Gunnar Myrdal. Leis complexas e ambíguas são produzidas pelo Estado e por burocratas para preservar a prática da corrupção.


Passados dez anos, no Supremo Tribunal Federal descostura-se o manto de moralidade da Operação Lava-Jato. Confissões são desconsideradas, e multas são congeladas. Em poucas palavras, no cumprimento de leis complexas e ambíguas, o jogo virou.


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Há duas semanas completaram-se dez anos da explosão do caso da compra, pela Petrobras, da refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos. Neste ano da graça de 2024, a empresa suíça Trafigura acaba de pagar US$ 126 milhões para a Justiça americana, por causa de seu esquema multinacional de capilés. A repórter Julia Affonso revelou que a Trafigura molhou a mão de um diretor da Petrobras com US$ 1,5 milhão em operações de compra e venda de óleo.


Como as leis são complexas e ambíguas, em 2022 o Superior Tribunal de Justiça suspendeu o processo. Apesar das confissões de executivos, a defesa dos investigados argumentou que houve “práticas espúrias de parte dos procuradores da República, integrantes da força-tarefa da Lava-Jato, e da autoridade judiciária, reconhecidas pelo Supremo Tribunal Federal como contaminadoras de sua atuação e das provas por eles produzidas”.


Bingo. Era o ocaso da Lava-Jato, alvorada para os réus. Passaram dois anos, e as roubalheiras com a Trafigura explodiram nos Estados Unidos. Lá, o Departamento de Justiça afirmou que “por mais de uma década, a Trafigura subornou autoridades brasileiras para obter negócios ilegalmente e mais de US$ 61 milhões em lucros”. No Brasil, o caso dorme em berço esplêndido.


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O juiz Sergio Moro divulgou a delação premiada do petista Antonio Palocci às vésperas da eleição de 2018 e foi para o Ministério da Justiça de Jair Bolsonaro. O magistrado que surgiu em 2004 defendendo uma faxina no sistema político nacional viu-se acusado pelo Podemos de ter torrado R$ 45 mil do fundo partidário em roupas, inclusive uma bermuda.


Moro fez uma carreira literalmente meteórica e, como sucede com os meteoros, produziu brilho, barulho e buraco. O metabolismo nacional levou dez anos para digerir a República de Curitiba, que ousou encarcerar os barões da corrupção organizada. Cassou o mandato do ex-procurador e deputado Deltan Dallagnol e poderá cassar Sergio Moro.


Moro e os procuradores pagam pelo que fizeram de errado. Até aí, é o jogo jogado, mas criou-se uma situação em que a culpa de um alivia os crimes dos outros. Resultado: os larápios de 2014 viram vítimas dos réus de 2024.


Os réus de 2014 confessaram seus crimes e aceitaram pagar multas proporcionais aos prejuízos que causaram à Viúva para abastecer seus cofres. Uma coisa era uma coisa e outra coisa, outra coisa.



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