Detalhamento da piora do mercado de trabalho permite
dimensionar melhor os impactos da recessão econômica
Ana Maria Bonomi Barufi
A avaliação sobre as condições do mercado de trabalho
usualmente se baseia na taxa de desemprego, medida como a razão entre o total
de pessoas desocupadas sobre a população economicamente atividades. Entretanto,
esse conceito apresenta algumas limitações, pois não consegue cobrir todas as
formas de precarização do trabalho e dos potenciais trabalhadores que desistem
de procurar emprego frente à situação econômica adversa.
Recente discussão desenvolvida pelo Painel Internacional
sobre Progresso Social (International Panel on Social Progress3) aponta que o
desemprego possui limites tênues que o separam do emprego, do trabalho e da inatividade.
Nesse sentido, a privação do emprego pode estar associada ao desemprego, mas
também à vontade de trabalhar mais, à busca por emprego ao mesmo tempo em que a
pessoa realiza uma atividade mais informal, ao desencorajamento pela busca de
emprego, à exclusão do mercado de trabalho, entre outras formas. O conceito
utilizado pelo IBGE para mensurar o desemprego, inspirado na definição da
Organização Mundial de Trabalho (OMT), é de certo modo inadequado para capturar
a disponibilidade de mão-de-obra e a dinâmica do mercado de trabalho. Isso é
ainda mais relevante no caso de países em desenvolvimento, nos quais o trabalho
informal possui grande participação.
O relatório do IPSP ainda aponta que existem diferenças mais
complexas entre as condições de emprego e desemprego: trabalho involuntário por
tempo parcial, trabalho informal, por conta própria, trabalho precário e
atividades de subsistência. Além disso, os limites entre desemprego e
inatividade também são pouco claros: desencorajamento, aposentadoria antecipada,
exclusão, doença, deficiência, treino vocacional.
Nesse contexto, o IBGE divulgou recentemente uma série de
indicadores que buscam caracterizar
1 O IBGE classifica
como pessoas desempregadas ou desocupadas aquelas que não estavam trabalhando, estavam
disponíveis para trabalhar e tomaram alguma providência efetiva para conseguir
trabalho nos trinta dias anteriores à semana em que responderam à pesquisa.
2 Definida como a soma dos desocupados e
dos ocupados no mês de referência. 3 Ver
www.ipsp.org
a subutilização da força de trabalho e a desistência da
busca por emprego no mercado de trabalho. Uma análise mais ampla da dinâmica do
mercado de trabalho é essencial, principalmente levando em conta o momento
complexo pelo qual passa a economia brasileira. Esses indicadores seguem a
recomendação mais recente da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
A subutilização da força de trabalho é capturada pelos
seguintes conceitos:
1. Subocupação por insuficiência de horas trabalhadas:
pessoas que na semana de referência trabalharam habitualmente menos de 40 horas
em todos os trabalhos, gostariam de trabalhar mais horas e estavam disponíveis
para trabalhar mais horas no período de 30 dias;
2. Desocupados: pessoas sem trabalho, que tomaram alguma
providência para conseguir trabalho nos últimos 30 dias e que estavam
disponíveis para assumi-lo na semana de referência;
3. Força de trabalho potencial a. Pessoas que buscaram
trabalho efetivamente, mas não se encontravam disponíveis para trabalhar na
semana de referência; b. Pessoas que não haviam realizado busca efetiva por
trabalho, mas gostariam de ter um trabalho e estavam disponíveis para assumilo
na semana de referência.
O esquema que segue apresenta o tamanho do mercado de
trabalho brasileiro e de cada um dos seus componentes, dando destaque especial
para os grupos de indivíduos que estão associados ao excesso de oferta de
trabalho. Os desocupados no segundo trimestre de 2016 totalizaram 11,6 milhões.
Cenário Doméstico
Fonte: PNAD Contínua IBGE Elaboração: BRADESCO
Taxas de desocupação, subocupação e subutilização da força
de trabalho, série original
Esse é o grupo de pessoas usualmente considerado como o que
pressiona o mercado de trabalho e oferta mão-de-obra ativamente, e que compõe o
numerador da taxa de desemprego.
Entretanto, existem outras 11 milhões de pessoas que trabalham
menos do que a jornada de trabalho completa e que gostariam
de trabalhar mais, ou que não são consideradas como população economicamente
ativa (PEA), mas fazem parte da força de trabalho potencial.
Tamanho do mercado de trabalho do Brasil, 2º trimestre de
2016
Esse grupo adicional de trabalhadores subutilizados ou que
compõem a força de trabalho potencial, pode ser considerado para construir
indicadores adicionais de acompanhamento do mercado de trabalho. No gráfico que
segue, diferentes versões de taxas de desemprego e de subutilização da
mão-de-obra são apresentadas. A quebra entre o terceiro e o quarto trimestre de
2015 se deve exclusivamente ao componente referente à subocupação por
insuficiência de horas trabalhadas, cuja metodologia de mensuração mudou entre esses dois trimestres. Ainda
assim, ao avaliar a trajetória das taxas, percebe-se que a desaceleração
ocorrida no último trimestre na série original da taxa de desemprego não parece
ter ocorrido nos demais componentes na mesma intensidade. Combinando os três
componentes (desocupados, subocupados e força de trabalho potencial), a taxa
resultante apresenta ainda uma relevante trajetória ascendente nos dois últimos
trimestres.
Força da força de trabalho potencial 57,7 mi
Pessoas na força de trabalho potencial 6,2 mi
Representam pressão no mercado de trabalho
As medidas de subocupação e subutilização da força de
trabalho permitem mensurar de maneira mais acurada não apenas a disponibilidade
de mão-de-obra, mas também o estágio da economia no ciclo econômico. No
presente movimento de retração econômica,
Nota-se o crescimento significativo de todas essas medidas.
Soma-se a isso uma incipiente diminuição da participação das relações formais
de trabalho no total da população ocupada no segundo trimestre de 2016, de
acordo com a série dessazonalizada.
Por fim, o IBGE também divulgou dois outros indicadores que
permitem caracterizar melhor as relações de trabalho. Por um lado, o percentual
de empregados (exceto empregados domésticos) com contratos temporários na
comparação anual da série original da PNAD contínua parece ter crescido entre
2014 e 2016, após quedas verificadas desde 2012. Já o percentual de
trabalhadores domésticos trabalhando em mais de um domicílio cresceu desde 2014. Esse movimento é resultado não apenas da busca
por fontes adicionais de renda por parte dos trabalhadores, mas também da
mudança estrutural em direção à contratação de diaristas, em função do maior
custo de contratação de trabalhadores domésticos. Isso porque a mudança de
legislação que introduziu a obrigatoriedade de realizar essa contratação com
carteira assinada encareceu os custos para o empregador.
Em suma, a compreensão dos reflexos do enfraquecimento da
atividade econômica sobre o mercado de trabalho requer uma investigação mais
aprofundada das características dos contratos de trabalho e também das pessoas
que não procuraram emprego no período de referência. Tendo em vista a discussão
internacional, a taxa de desemprego parece
insuficiente para avaliar de maneira completa essas dimensões e o IBGE vem trabalhando para cobrir tal lacuna e
colocar o Brasil em uma posição de destaque em relação à produção de
indicadores sobre o mercado de trabalho.
No período recente, houve aumento não apenas do número de
desocupados, mas também dos trabalhadores sub-ocupados e de pessoas na força
Cenário Doméstico
de trabalho potencial. Além disso, houve redução da
formalização do mercado de trabalho, refletindo o crescimento da busca por
atividades informais alternativas ao emprego formal. Cresceu também a
contratação temporária de trabalhadores (muito associada à informalidade), como
maneira de evitar custos de contratação e demissão, e do percentual de
empregados domésticos buscando ampliar sua fonte de renda em mais de um
emprego.
Acompanhar tais indicadores e outros mais, que possam ser
construídos a partir da PNAD Contínua conforme a mesma seja expandida, se faz
necessário para entender como as famílias são afetadas pelo desempenho da
atividade econômica. Em um momento como o atual, com a retração da economia por
um longo período, a taxa de desemprego pode não ser suficiente para mensurar a
fraqueza do mercado de trabalho, com impactos diretos sobre a demanda por crédito, a intenção
de compra de bens duráveis, a necessidade de poupança pre-educacional, a demanda
por serviços antes oferecidos pela empresa (como educação e saúde), além dos
impactos sobre a dinâmica da renda, com menor espaço para ganhos salariais
acima da inflação.
Por fim, é importante considerar a duração dos impactos da
desaceleração da economia sobre a força de trabalho. Por um lado, a eventual retomada
da atividade econômica permitirá que as empresas contratem mais trabalhadores
por tempo indeterminado e com carteira assinada. Por outro lado, o prolongado
período sem trabalhar resultante da crise e as decisões de saída da escola em
função da incapacidade de pagamento do custo de oportunidade poderão ter
efeitos negativos duradouros sobre a produtividade do País.
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