Editorial, O Globo
Com sua grande capacidade de criar situações inusitadas,
a política brasileira gerou um presidente improvável, Michel Temer, em
decorrência do impeachment da titular do governo, e colocou à frente dele a
missão de empreender uma operação político-parlamentar vital, a fim de
viabilizar no Congresso reformas sem as quais o país não terá horizonte
positivo previsível. E, sem isso, a economia não voltará a decolar, a gerar
empregos.
Há, como em toda situação como esta, uma dura guerra de
informações. E vale tudo, até garantir que a Previdência, em vez de déficit,
tem superávit, mágica realizada ao se destinarem ao sistema do INSS receitas já
gastas em outras despesas.
A verdade é que, entre outras distorções, todo o aparato
de seguridade brasileiro — incluindo os servidores públicos — é uma eficiente
máquina de produzir disparidades e injustiças sociais.
Esta realidade ficou visível na dita greve geral contra
as reformas, em que foram responsáveis pelos protestos basicamente militantes partidários
e sindicalistas, estes preocupados com a perda do dinheiro fácil do imposto
sindical, tornado optativo pelas mudanças feitas na legislação trabalhista até
agora.
A crise tem permitido se constatarem as disparidades
entre aposentarias de servidores e de empregados da iniciativa privada, e mesmo
entre estes. Dois terços dos aposentados fora do setor público recebem
benefício de um salário mínimo, enquanto, a depender do segmento da máquina do
Estado em que o servidor se aposenta, ele pode receber até 30 vezes mais.
A reforma em discussão estabelece que servidores
admitidos antes de 2003 — os contratados posteriormente já obedecem ao limite
de benefício do INSS — terão de atingir o limite de 65 anos de idade, mediante
uma regra de transição como para todos os demais, a fim de que possam manter o
último salário e receber os reajustes do pessoal da atividade — privilégios
protegidos pelo princípio do direito adquirido.
Mas nem isso esses servidores aceitam. Compreende-se a
dificuldade de se entender a realidade quando ela é adversa. Mas, ao chegar a
consumir cerca de 40% da despesa primária da União (sem os juros da dívida), é
lógico que algo precisa ser feito na Previdência. Mesmo que a economia volte a
crescer a curto prazo, não é mais possível manter um sistema em que as pessoas
se aposentam em média aos 58 anos, com longa sobrevida à frente.
Mesmo entre os aposentados do setor privado há
injustiças. Como revelou O GLOBO de ontem, o Brasil gasta em aposentadorias e
pensões de pessoas com menos de 60 anos 2,2% do PIB (dado de 2015), contra 1,1%
nos países da União Europeia, índice que chegará a 0,6%.
Os brasileiros que conseguem se manter no mercado formal
— mais instruídos, por certo — têm conseguido se aposentar mais cedo. Os mais
pobres, quase sempre trabalhando sem vínculo empregatício, aposentam-se mesmo
aos 65 anos, o teto estabelecido pela atual reforma. Mas é em nome deles que se
grita nas ruas contra as mudanças.
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