Valor Econômico - 19/10/2018
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
(BNDES) vem se preparando, internamente, para a transição de governo em um
cenário em que a instituição deverá ser alvo, novamente, de investigações e de
auditorias. A promessa de devassa no BNDES em um eventual governo de Jair
Bolsonaro, conforme publicado nesta semana pelo Valor, não inquieta os técnicos
do banco, que, desde 2015, vêm sendo submetidos a um escrutínio público
permanente. Na coordenação de campanha de Bolsonaro, porém, há o entendimento
de que a sociedade brasileira ainda não está satisfeita com as apurações
realizadas envolvendo o banco.
Técnicos da instituição dizem que há reconhecimento, por
parte de órgãos de controle externo e da área econômica do governo, de que o
banco evoluiu em termos de transparência e foco de atuação. O BNDES argumenta
que tem níveis de transparência elevados na comparação com outras instituições
de fomento, casos do Nafin (México), BDC (Canadá), KfW (Alemanha), ICO
(Espanha) e JFC (Japão).
O BNDES afirma que disponibiliza relatórios anuais na
internet, tem Portal de Transparência com requisição de informação e possui
estatísticas detalhadas on-line com identificação do cliente. Na área de
mercado de capitais, o banco divulga uma série de informações e pretende
ampliar esse conteúdo com dados sobre valores investidos, retorno geral da
carteira e desinvestimentos feitos.
No caso do apoio à produtora de proteínas JBS, o banco
instaurou uma comissão de apuração interna e não identificou nenhum fato
relevante. Para aprofundar as investigações e dar maior segurança às
informações financeiras do banco, auditadas pela KPMG e pela Grant Thornton, o
BNDES contratou uma auditoria internacional independente, que está sendo
conduzida pelos escritórios Cleary Gottlieb Steen & Hamilton LLP, dos EUA,
e o brasileiro Levy & Salomão. Há informações de que essa auditoria possa
estar concluída no mês que vem.
Na visão de integrantes da coordenação de campanha de
Bolsonaro, o que se espera no BNDES, no próximo governo, é uma
"investigação isenta". "Tem que fazer uma análise do que foi
investigado e, se houver lacunas, aprofundar a investigação. Se não houver
lacunas, se tudo foi coberto, é preciso dar maior transparência às
informações", disse uma fonte. Para o interlocutor, as investigações
feitas até agora não são suficientes. "As CPIs [sobre o BNDES] têm tom
político, e as ações do TCU [Tribunal de Contas da União] e do Ministério
Público trabalham com informações selecionadas [sem ver o quadro geral do
banco]", disse a fonte.
Desde 2015, o BNDES foi objeto de três Comissões
Parlamentares de Inquérito (CPI) no Congresso; tornou-se alvo da Operação
Bullish, da Polícia Federal, relacionada às relações do banco com a JBS; e
enfrenta 88 processos administrativos no TCU que analisam operações do banco
nas áreas de mercado de capitais, exportações, benefícios de recursos humanos e
o relacionamento da instituição com o Tesouro, no âmbito das chamadas
"pedaladas" fiscais.
Todo esse conjunto de investigações não resultou, no
entanto, até o momento em funcionários do banco denunciados pela Justiça. No
caso da JBS, houve o indiciamento, pela PF, do ex-presidente do banco Luciano
Coutinho e de um exsuperintendente, Caio Melo, que está licenciado. Isso não
impede, porém, que seus servidores continuem com medo de tomar decisões, sob
risco de serem posteriormente responsabilizados pelo TCU. "Vive-se uma
situação em que o gestor público [do BNDES] prefere não assinar nada",
disse um técnico. Há, por outra parte, demandas para que o banco assuma riscos
em projetos e atue nas "falhas de mercado".
No TCU, está a fonte maior de preocupação dos técnicos do
BNDES. O receio deve-se ao fato de que os processos administrativos podem
responsabilizar os servidores na pessoa física caso as decisões do tribunal
concluam por dolo ao erário, por exemplo. Em casos em que o processo se
transforma em Tomada de Contas Especial (TCE), há risco de bloqueio de bens
pessoais dos funcionários. Dos 88 processos administrativos envolvendo o BNDES
no TCU, 12 se transformaram em TCEs. Ao todo, mais de 200 empregados foram
envolvidos nesses processos e 120 estão sendo responsabilizados em tomadas de
contas individualizadas. Há ainda 66 pessoas respondendo por danos ao erário
nos processos do TCU. Mesmo com a abertura de TCEs, cabe recurso antes de uma
decisão final do tribunal. Os técnicos do banco entendem que é preciso criar um
marco regulatório que dê segurança para o servidor tomar decisões e não ser
posteriormente punido, mesmo que tenha atuado dentro da lei e das regras.
Na transição de governo, o banco também trabalha na
produção de um "kit BNDES", formado por 23 documentos com resumos dos
diferentes setores atendidos pela instituição. O "kit BNDES" busca
dar visibilidade sobre três pilares: financeiro e crédito, planejamento
estratégico e medidas para setores e para o país.
Nenhum comentário:
Postar um comentário