Novos tempos, nova tática - FERNANDO GABEIRA
O Globo - 15/10
Esquerda atrelou o destino ao de um homem na cadeia,
supondo que estava repetindo a história de Mandela
Manifestações dos leitores são um estímulo para avançar
um pouco nesse oceano de emoções eleitorais. Alguns acham que trato de temas
etéreos, que não interessam agora. Outros, que sou condescendente com
Bolsonaro.
Talvez as pessoas estranhem que me dedique a um cenário
pós-eleitoral, pois acho que o resultado do segundo turno é relativamente previsível.
Os que me acusam de condescendente não percebem que estou tentando transferir
uma experiência de relação com Bolsonaro para oferecer, se não uma tática,
elementos de uma tática para o futuro próximo.
Minha experiência é de quem defendeu no Parlamento
bandeiras que Bolsonaro ataca. As frases preconceituosas que ele eventualmente
dizia são as mesmas que ouvimos nas ruas de todo o Brasil.
Minha relação com ele era de alguém que representava
minorias, que até hoje apoio, com alguém que, no meu entender, estava mais
perto do espírito majoritário das ruas.
Um ponto de convergência foi aluta contra a corrupção.
Aliás, foi essa luta, nome utem pode político, que me permitiu disputar com
alguma chance eleições majoritárias.
Minha atitude não foi ade rotular de fascista, misógino,
racista ou homofóbico, mas compreender que, por baixo dessas reações populares,
existe uma insegurança sobre as mudanças culturais, e é preciso buscar avanços
que não provoquem um retrocesso maior. Discussões embaixo nível no Congresso
contribuem para abrira Caixa de Pandora na sociedade. Hoje, infelizmente, está
aberta.
O primeiro ponto de contato para enfrentara maioria,
portanto, é afirmar que movimentos minoritários e culturais não precisam ser
coniventes coma corrupção dos partidos de esquerda, ter vínculos com o poder,
nem depender financeiramente dele. Delicado também será enfrentar a política
ambiental de Bolsonaro, que pretende fundir os ministérios da Agricultura e do
Meio Ambiente.
Compreendo que existam interfaces entre agricultura e
meio ambiente. Mas os problemas ambientais são muito mais amplos: poluição
urbana, destinação do lixo, redução das emissões, e há ainda o mar com seus
corais, esperando uma ampla política de proteção.
Um ministro da Agricultura dificilmente seria capaz de
cuidar de todos esses temas. Bolsonaro afirma que uma de suas missões é acabar
coma indústria de multas do Ibama.
É um erro acenar com isso, embora possam existir multas
excessivas ou mal aplicadas. O ideal seria uma política de preparação dos
próprios agricultores para que pudessem produzir nas condições mais amigáveis
ao meio ambiente.
Isso não é um argumento a penas ecológico, no sentido de
preservara produção alongo prazo. As regras internacionais são cada vez mais
exigentes: é também uma questão econômica.
Não pensem que não tenho consciência do enorme trabalho
que teremos. Desde o princípio, afirmei que a tática da esquerda estava errada.
Além de não reconhecer seus erros, atrelou o destino ao de um homem na cadeia,
supondo que estava repetindo a história de Mandela.
Ao atrelar o destino a Lula, o PT escolheu o caminho mais
difícil. E a esquerda saiu dividida. Ciro talvez fosse um pouco mais
competitivo. Ainda assim, a onda era muito forte.
Isso tudo é passado. Estamos quase nomeio do segundo
turno. As grandes escolhas foram feitas. Não criei essa situação. Forças
poderosas estiveram em choque. É razoável que, prevendo o desfecho da batalha,
comece a olhar para afrente, tentando desvendar, a partir da experiência, uma
fórmula de lidar com o poder emergente.
Claro que, nos embates que nos esperam, outras posições
vão surgir. Creio ter aprendido alguma coisa coma eleição de Donald Trump. Ali
ficou claro que era preciso rever a tática, pois as críticas acusatórias só o
faziam crescer.
Muita gente se disse surpreendida com o que aconteceu nas
eleições. Algumas surpresas sempre acontecem. Mas quantos não quiseram ver, por
achar que as coisas estavam se desenrolando de uma forma que não lhes agradava.
Bolsonaro era recebido por pequenas multidões nos
aeroportos. Falava de luta contra a corrupção e, embora alguns concordem, foi e
leque percorreu o Brasil defendendo-a.
Bolsonaro falava de segurança pública, e não houve um
programa de segurança alternativa contra o seu. Vi seu crescimento e notei como
os ataques o fortaleciam.
Só me resta agora segurara ondado jeito que aprendi. Não
significa que esteja certo. Apenas uma voz.
Sempre lúcido e o melhor interlocutor da esquerda mesmo que discorde em muitos pontos. Um prazer ler seus artigos.
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