A agora presidente afastada foi recebida do lado de fora
do Planalto por aquele que a colocou lá: Luiz Inácio Lula da Silva. E se
manteve firme na retórica do golpe
Por: Felipe Frazão, João Pedroso de Campos e Marcela
Mattos
Oficialmente afastada nesta quinta-feira do Palácio do
Planalto, Dilma Rousseff insistiu em seu derradeiro discurso na ideia petista
de que a democracia é simbolizada apenas pelo voto popular. Ao tachar novamente
o processo de impeachment de golpe e questionar sua validade, ela mais uma vez
ignorou as instituições que fazem do Brasil um Estado democrático de direito -
e que chancelaram o processo que culminou no seu afastamento. "É na
condição de presidente eleita com 54 milhões de votos que eu me dirijo a vocês
neste momento. O que está em jogo não é apenas o meu mandato. É o respeito às
urnas, à vontade soberana do povo brasileiro e à Constituição." Dilma
deixou o Planalto na sequência do discurso pela porta da frente e foi
cumprimentar os militantes que a esperavam. Lá, foi recebida pelo padrinho
político Luiz Inácio Lula da Silva.
Seguindo a tática que a levou ao segundo mandato, Dilma
insistiu no discurso do medo. "O que está em jogo são as conquistas dos
últimos treze anos, os ganhos das pessoas mais pobres e da classe média, a
proteção às crianças, aos jovens chegando nas universidades, à valorização do
salário mínimo", afirmou. "O que está em jogo é o futuro do país e a
esperança de avançar sempre."
A agora presidente afastada culpou ainda a oposição pelo
caos político e econômico em que sua própria incompetência mergulhou o Brasil.
"Meu governo tem sido alvo de incessante sabotagem. Ao me impedirem de
governar, criaram um ambiente propício ao golpe." Ela acusou os
oposicionistas de "mergulhar o país na instabilidade para tomar à força o
que não conquistaram nas urnas". Como de praxe, ignorou que seu vice
Michel Temer, que assume nesta quinta-feira o Palácio do Planalto, foi eleito
em sua chapa, com os mesmos 54 milhões de votos que ela recebeu.
Dilma deixou claro ao longo de todo o discurso que não
reconhece a letra da Constituição que estabelece o impeachment - e as
instituições que a fizeram ser cumprida. Embora o rito do impedimento tenha
sido estabelecido pelo Supremo Tribunal Federal e o processo conduzido pela
Câmara e pelo Senado - cujos integrantes também são eleitos pelo voto popular
-, Dilma negou sua validade. "Não cometi crime de responsabilidade. Não há
razão para o impeachment. Não tenho contas no exterior, não compactuei com a
corrupção. Esse é um processo frágil e injusto, desencadeado contra uma pessoa
honesta e inocente." Ela classificou as ações que ensejaram a acusação de
crime de responsabilidade contra si de "legais, corretas, necessárias e
corriqueiras".
"O maior risco para o país nesse momento é ser
dirigido pelo governo dos sem voto, que não foi eleito e não terá legitimidade
para propor soluções", afirmou Dilma, que adotou na sequência uma retórica
que beira o irresponsável: "Um governo que pode ser tentado a reprimir os
que protestam contra ele, que nasce de um golpe". A petista ainda chamou
os brasileiros à luta. "A luta pela democracia não tem data para terminar.
É luta permanente e exige de nós mobilização constante. A luta contra o golpe é
longa. Essa vitória depende de todos nós".
A petista discursou em ambiente claramente planejado para
disfarçar seu isolamento: cercada de seus agora ex-ministros e por
parlamentares do que restava de sua base. Dilma foi ladeada pelo fiel escudeiro
Giles Azevedo e pela ministra Eleonora Menicucci. Embora tenha falado em
resistir, ao longo de todo discurso a presidente deu mostras de que nem ela
própria crê no seu retorno ao prédio que acaba de deixar: embora, a rigor, só
comece agora o julgamento do mérito do impeachment, todos os verbos de seu discurso
falavam de um governo que já acabou. Ao sair do Planalto, Dilma foi recebida
por uma militância que mal encheu o gramado. E também por aquele responsável
por colocá-la no posto. Lula não falou, mas seu semblante abatido e choroso
deixou evidente: o PT não acredita que voltará ao poder ao fim deste processo.
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