A melhor lição olímpica
21/08/2016 - 01h20
O Brasil fez bonito. Atletas, organizadores, voluntários,
público daqui e de todo o lugar do planeta. Um espetáculo de orgulhar até os
mais ranzinzas. Mas em seu cotidiano o país está longe do espírito e das lições
olímpicas. Digladia-se com o seu próprio sucesso, alimenta polêmicas inúteis. E
não tem Engov capaz de refazê-lo da ressaca do dia seguinte, quando tudo
voltará a ser como antes.
Nesse meio mês de jogos, abriram-se espaços para os
especialistas em tudo, muitos execrando atletas de modalidades das quais nem
mesmo conhecem as regras. Até a torcida foi vítima da chatice do politicamente
correto, alvo de críticas por vaiar atletas, reação usual em todos os cantos do
mundo, tão legítima quanto o aplauso.
A má vontade com os jogos em um momento que não cabia
mais debater se o Rio tinha ou não de sediá-los frequentou rodas de artistas e
intelectuais, bares, esquinas, redes sociais e a mídia convencional. Exemplo
cristalizado pela Folha de S. Paulo depois da medalha de prata em das meninas
em Copacabana: “Militar, dupla não consegue quebrar jejum de 20 anos no vôlei
de praia”.
Além de desdenhar das atletas, a manchete, para lá de
agressiva, expôs uma das maiores polêmicas dos jogos: o patrocínio militar.
Quase um terço da equipe do Brasil – 145 dos 465 atletas que participaram dos
jogos – integra o Programa de Atletas de Alto Rendimento das Forças Armadas.
Tem patente de terceiro-sargento e recebe soldo.
O Brasil não é nem o primeiro nem o único país em que as
Forças Armadas bancam treinamento de atletas. Acontece na totalitária China, na
social-democrata França, na anárquica Itália. Mas, por aqui, o que deveria ser
investimento em competitividade se transformou em rixa ideológica. Ridícula,
boba, de ocasião.
Um antagonismo ranheta e ultrapassado de fundamentalistas
de direita e esquerda que expressa o quão imaturo o país ainda está.
De um lado, extremistas de direita derretendo-se em loas
não à competência dos atletas, mas ao fato de eles serem militares. De outro,
esquerdóides fazendo pouco do mérito dos medalhistas. Para essa turma, bater
continência à bandeira – que já havia dado pano para manga no Pan-americano de
Toronto – é crime.
E para arrematar o conjunto de absurdos, o Ministério da
Defesa se vangloria não das vitórias brasileiras, mas do fato de uma dúzia das
medalhas serem de atletas-militares. Como se militar fosse melhor do que civil,
como se uma categoria fosse mais brasileira do que outra.
Fora o enfado de ranços dessa natureza, tudo deu certo.
Os jogos da zika endêmica e da violência extrema surpreenderam pela ausência do
Aedes Aegypti, que sabidamente some no inverno, e pela presença de policiamento
ostensivo.
Quase tudo. Não fosse a morte a tiros do soldado Hélio
Vieira Andrade, no Complexo da Maré, a escancarar de forma trágica que o Rio
real não é o olímpico, as ocorrências negativas dos jogos se limitariam a
pedras atiradas em um ônibus com jornalistas, dois assaltos de fato e outro
inventado por nadadores americanos, que feriu mais o brio dos brasileiros do
que a morte do militar de Roraima.
É inegável que o Rio - e com ele, o Brasil -- ganhou com
os jogos. Aceleraram-se projetos de reurbanização, de transporte urbano, como a
extensão do metrô e a construção do VLT, de revitalização da área central. Mas
amanhã vai acordar meio zonzo, ainda tonto. Depois, doído.
A péssima qualidade dos serviços públicos, as greves
permanentes na Educação e na Saúde, a falta até de insumos básicos nos
hospitais e a insegurança turvam o olhar para o tão propalado legado da Rio
2016. O Estado, literalmente falido, não tem dinheiro para nada. E a cidade não
sabe o que vai acontecer quando os seis mil homens da Força Nacional,
convocados para garantir a segurança olímpica, forem embora.
Mas, como na terça-feira de carnaval, hoje ainda é
domingo. Vale a folia.
No encerramento da Rio 2016, o Brasil poderá festejar o
seu melhor desempenho olímpico da história. E reverenciar a meritocracia. Sejam
homens, mulheres, gays, pretos, brancos, amarelos, civis, militares, crentes ou
agnósticos, vencem os mais preparados, os melhores. E os que não chegam ao
pódio tentam melhorar as suas marcas. Sem ódio. Uma lição que vai muito além
dos jogos. Aprendê-la seria um legado e tanto.
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