A elite parisiense da Belle Époque definia
pejorativamente como rastaqueouère o indivíduo sul-americano que gastava
excentricamente na Europa a fortuna feita com o gado, como se arrastasse
grosseiramente a riqueza do couro por onde andasse. No início dos anos 1900,
Paris percebeu que Octavio Augusto da Cunha Corrêa não se enquadrava no tipo.
Aquele gaúcho do Quaraí, ginete excepcional, refinado e inteligente, tinha uma
forma toda própria de se conduzir nos ambientes que a riqueza lhe oferecia.
Como um centauro dos pampas a que se referia Alexandre
Dumas, meio xucro e valente como os gaúchos que lutaram por nossas fronteiras e
meio civilizado, refinado e culto, o seu temperamento evidenciava o dualismo
político da sociedade do Rio Grande do Sul. A divisão da revolução Farroupilha,
dos ximangos e maragatos, do que se chama hoje de grenalismo. Octavio era
de família monarquista. Os Cunha Corrêa mereciam distinções na Corte do Rio de
Janeiro por terem permanecido com propriedades em Salto, na Banda Oriental, no
fim da Cisplatina. Sua mãe tinha o nome da Imperatriz Leopoldina e o status de dama
de honra da Princesa Isabel, apoiando a causa da Abolição da Escravatura.
O golpe militar que derrubou a monarquia, transformou o
prestígio em motivo de perseguição por parte dos republicanos. O patriarca
Carlos Alberto Corrêa, por vários anos o maior contribuinte do fisco como
pioneiro no desenvolvimento genético de raças bovinas para exportação, teve que
se refugiar no Uruguai para escapar da intolerância do positivismo. O ódio
castilhista conduzido por Borges de Medeiros, acabou por atingir a Octavio,
depois que, sozinho, armado apenas com uma faca, correu com uma patrulha da
Brigada Militar cujo comandante molestava os peões da sua estância na
fronteira.
Tal fato obrigou Octavio a partir para o exílio, para
gastar o seu dinheiro na Cidade Luz, na cultura da paz e do divertimento.
Jovial e vivaz, suas noitadas no Quartier Latin o fizeram famoso e querido. Lá,
em 1912, ensinou a dançar o tango legítimo a Rodolfo Valentino que, depois,
vestido a rigor retratou o amigo no filme “Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse”,
como o gaúcho meio parisiense que ele era.
Octavio viu Paris entristecer com a Primeira Guerra
Mundial. Estava lá para receber a geração perdida dos americanos que chegavam,
mas preferia conviver com os artistas espanhóis. Enamorou-se de uma princesa
russa perseguida pela revolução soviética e acabou envolvido em um duelo contra
três irmãos dela. Feriu, foi ferido gravemente e teve que deixar a França.
O destino o levou para o Rio de Janeiro, para entrar na
História. Em julho de 1922, Octavio Corrêa foi o único civil entre os 18 heróis
que decidiram não atirar mais contra a cidade do Rio de Janeiro e deixaram a pé
o invencível Forte de Copacabana, na revolta que enfrentou oito mil combatentes
do corrupto governo de Epitácio Pessoa. Sereno e elegante de chapéu, terno,
gravata e um fuzil Mauser nas mãos, Octavio seguiu à frente. Aos 36 anos de uma
vida emocionante, morreu na calçada mais famosa do mudo como a síntese de um
tempo que acabava. O tempo dos homens que colocavam a honra acima da própria
vida que ofereciam no altar das suas convicções.
(Fonte: livro “Octavio, O Civil dos 18 do Forte de
Copacabana”, um capítulo da História do Brasil que nunca foi contado).
Que bela história que o Afonso Licks nos conta. Parabéns!!
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