Há também as guerras dentro da tribo, disputas cujo grau
de violência nada fica a dever. Veja-se por exemplo a atual conflagração no
PSL. Partidos são tribos reunidas para disputa do poder, e não fraternidades
voltadas para a promoção do bem comum. E a luta interna espelha a externa. E
nunca se deve esquecer a lei número zero dos ecossistemas políticos: não seja
tão amigo de alguém que você não possa romper com ele, nem tão inimigo que não
possa se aliar.
Para saber como foi o primeiro ano do governo Jair
Bolsonaro, e como ele termina, leve em conta os dois parágrafos acima. E outra
providência é importante. Procure isolar por um momento o ruído, o que foi
dito, especialmente pelo presidente mas também por quem a ele se opõe. Separe
num canto as palavras e procure concentrar-se na consequência delas e nas
ações. E tente também entender as motivações das palavras, em vez de
simplesmente acreditar no que é dito.
Bolsonaro foi eleito por uma coalizão social complexa. O
núcleo duro? Uma direita liberal-conservadora-nacionalista. A este grupo
juntaram-se na hora “h” franjas de uma direita liberal-moderna-globalista e uma
social-democracia antes de tudo hoje antipetista. Contingentes que, por ação ou
omissão, foram e permanecem stakeholders da ascensão bolsonarista. E
tudo amalgamado por burocracias sócias e executoras do monopólio estatal da
violência legítima.
É natural que haja disputas intrabloco. Mas qual das
facções aceitaria hoje, por causa do antibolsonarismo, devolver o poder aos
derrotados de 2016-18? Nenhuma. Talvez a social-democracia “de centro” gostasse
de receber o apoio da esquerda para, aí sim, tornar-se alternativa. Mas
falta-lhe por enquanto o mínimo da musculatura indispensável para subjugar o
petismo. Quantos iriam à Paulista ou a Copacabana num domingo “contra os
extremismos”?
Levou duas décadas para que o “centro” alijado do poder
no pós-64 conseguisse estabelecer uma hegemonia sobre as forças políticas
dominantes sob Getúlio-Jango. Fica a dica. Hoje tudo é mais rápido, mas ainda
estamos longe de um cenário em que o “centro” consiga subjugar pacificamente a
esquerda para estabelecer uma nova polarização, disfarçada de rompimento da
polarização. Inclusive porque, diferente de então, ninguém está formalmente fora
do jogo.
Seguidas pesquisas mostram a estabilidade do cenário.
Apesar das tentativas de extrair lides de oscilações na margem de erro ou de
pontos fora da curva. A explicação é simples. A coalizão social que elegeu
Bolsonaro está essencialmente íntegra, e confundir o ruído das disputas
internas com sinais de desmoronamento é, como se diz desde a Grécia, tomar a
nuvem por Juno. Aquela ilusão produziu os centauros. Esta por enquanto não deu
em nada.
Mas atenção.
O maior risco de curto prazo para Bolsonaro não está nas
ameaças à integridade da base social. Isso está razoavelmente controlado,
inclusive por causa dos respiros na economia. O problema está nas ambições que
o ruído das disputas internas estimula na grande coalizão de políticos que
entronizou o bolsonarismo no segundo turno de 2018. O risco é ver crescer os
apetites por um bolsonarismo sem Bolsonaro. As atribulações do filho senador
são um estímulo a jogos político-policiais já tradicionais no Brasil desde a
volta das eleições diretas para presidente.
Mas tudo depende de quanto e como o presidente mantém ou
perde base social, que em certo grau é também política. 2020 girará em torno
dessa variável.
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Alon Feuerwerker (+55 61 9 8161-9394)
mailto:alon.feuerwerker@fsb.com.br
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