A disputa presidencial já tem dois polos definidos
Antes de recolher os votos na aprovação do corpo
principal da reforma da Previdência, o presidente da Câmara dos Deputados,
Rodrigo Maia, em discurso denso e emocionado, fez uma enfática defesa da
democracia e das instituições brasileiras. Disse ele: “Não haverá investimento
privado sem democracia forte. Investidor de longo prazo não investe em país que
ataca as instituições”. Era uma clara referência aos violentos ataques ao
Congresso Nacional e ao Poder Judiciário, particularmente ao STF, nas
manifestações dos setores mais radicais do bolsonarismo-olavismo, que advogam
um populismo autoritário.
Diante do vácuo gerado pela indefinição do novo modelo de
relacionamento entre os Poderes republicanos e das fragilidades da articulação
política do Palácio do Planalto, o Congresso Nacional optou por desenvolver uma
agenda própria, liderando as transformações necessárias para a superação da
presente crise. No mesmo discurso, o deputado Rodrigo Maia reafirmou o
protagonismo do Congresso e sinalizou os próximos passos: reforma tributária e
reorganização do serviço público.
Há 30 anos, o cientista político Sergio Abranches cunhou
a expressão “presidencialismo de coalizão”, que ficou famoso para descrever a
conjugação do nosso sistema eleitoral proporcional de lista aberta, o
multipartidarismo e a escolha de mandatários do Poder Executivo sem vinculação
às eleições legislativas. Foi o que vigorou no país de 1985 a 2018. O ciclo
político da Nova República, inaugurada sob a liderança de Ulysses Guimarães e
Tancredo Neves, teve seu fim decretado com a eleição disruptiva de 2018. O
sistema político tradicional, que sustentou o presidencialismo de coalizão, foi
derrotado em função da deterioração de seu funcionamento pela exacerbação do
patrimonialismo, do clientelismo, da corrupção e de sua disfuncionalidade. Isso
não apaga as expressivas vitórias econômicas, sociais e políticas. Mas já há
consenso de que o presidencialismo de coalizão morreu junto com a “velha
política”, embora ninguém se arrisque a dizer o que o substituirá. É uma obra
em construção.
Será um “parlamentarismo” disfarçado? Será um caminho
permanente de conflitos e impasses entre os Poderes? Como enfrentar as mudanças
necessárias sem uma maioria parlamentar sólida? Ninguém ousa ainda arriscar.
Algo novo nascerá.
O cenário futuro exigirá um reposicionamento de todas as
forças políticas. O ex-vice-presidente Marco Maciel gostava de dizer “que
ideias são boas para a academia, mas a política no Brasil é fulanizada”. Numa
precoce visão sobre 2022, é possível visualizar que a disputa presidencial já
tem dois polos definidos. O bolsonarismo de um lado, e, de outro, a esquerda
dividida entre Ciro Gomes e PT, que não estão se reciclando diante dos novos
tempos. Resta um vazio ao centro do espectro político. Creio que serão
necessárias ousadia e coragem para produzir uma reaglutinação criativa do campo
democrático e reformista. Novos tempos exigem novas ferramentas. Em torno de
princípios como a defesa da democracia, do combate às desigualdades, da
economia de mercado, do Estado modernizado, da sustentabilidade ambiental e da
ética, podemos criar um novo e forte partido para preencher o enorme vácuo
existente hoje entre os extremos radicais que disputam a hegemonia política.
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