FHC concede exclusiva para Brian Winter, revista America's Quarterly

Em entrevista exclusiva ao jornalista Brian Winter da revista America´s Quarterly, ex-presidente comenta o início do fim do PT no governo
18 abr, 2016
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso disse que o processo de impeachment foi constitucional (Foto: Divulgação/PSDB)

O site da revista America´s Quarterly disponibilizou o áudio de uma entrevista exclusiva feita com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso nesta segunda-feira, 18, um dia após a Câmara dos Deputadosaprovar a abertura do processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff.
A relação de amizade entre FHC e o entrevistador e editor-chefe da revista, Brian Winter, é antiga. Em parceria com FHC, Winter lançou o livro de memórias  do ex-presidente, “O improvável presidente do Brasil”, em 2006. “As pessoas podem estar esperando uma entrevista fácil”, disse Winter no início da entrevista, citando essa relação, “mas tenho sérias  dúvidas sobre o que aconteceu ontem. Por que apoiar esse impeachment depois do espetáculo que vimos no Congresso?”
FHC: Relutei em apoiar o impeachment, mas a situação no Brasil é tão dramática, o governo está tão paralisado, que é praticamente impossível trabalhar com o governo Dilma. Além disso, se você ler a Constituição brasileira tem vários artigos que deixam claro que tipo de ação da presidente requer um processo de impeachment. O ponto é que Dilma não só manipulou o orçamento mas usou o dinheiro público sem qualquer consideração pelo país ou pelo Congresso, e o Tesouro está em péssimo estado por conta disso. É por isso que foi necessário o impeachment. Além disso a falta de transparência e a corrupção no PT são responsáveis pela organização da corrupção no governo. A população está furiosa. Isso motivou o impeachment também.
O que estou ouvindo o senhor descrever é um governo ruim, mas não estou certo de que houve crime.
FHC: A Constituição é clara. O impeachment não precisa de crime no sentido penal da palavra, basta a presidente não obedecer normas claras ligadas ao orçamento. É uma discussão técnica, mas não deixa de ser um desrespeito à Constituição.
O senhor está dizendo que não é um processo criminal mas um processo administrativo e político, certo? Se isso é uma decisão política, a de colocar o vice Michel Temer, do PMDB, no lugar da Dilma, o senhor acha que isso é melhor para o país?
FHC: Não sei, mas o ponto é que há base jurídica para o impeachment e uma situação política pressionando pela mudança. Temos que seguir a Constituição. Se o novo presidente também for considerado culpado por seus crimes e erros, teremos um movimento contra ele também, mas isso não é o caso ainda. Não temos alternativa, sob a Constituição.
O senhor lutou contra a ditadura durante 20 anos, lutou pelas Diretas Já, lutou para criar uma democracia com regras e instituições respeitadas e parecia que durante um tempo o Brasil tinha criado isso e que respeitaria mandatos presidenciais. Como o senhor se sente hoje, vendo tudo que aconteceu no Congresso? Você viu um adversário cair, mas pessoalmente não sei se foi um grande dia para a democracia no país.
FHC: Certamente não. Não somente pelo impeachment, mas também pelo governo ruim. Quando Collor foi derrubado, também tive minhas dúvidas sobre o bem que o processo faria para a democracia como um todo. Claro que nunca é bom afastar uma presidente, mas não temos alternativa, temos de seguir a Constituição. Espero que seja possível criar um governo mais coeso agora. Se fosse eu, pediria ao povo e aos partidos para se unirem para superarmos essa crise social e econômica. Dilma teve a oportunidade de pedir a ajuda da população, mas decidiu colocar a rivalidade partidária acima de tudo. Espero que o novo presidente consiga evitar esse tipo de política e que peça que a população se mobilize em torno de um novo programa de governo.
O senhor conhece a Dilma razoavelmente bem. O que espera dela agora? Este processo não acabou. O que acha que ela fará?
FHC: Não sei o que ela fará. Acho que o que veremos nas próximas semanas é uma resistência forte da presidente e de seu partido para escapar do impeachment. E o Senado terá de levar em consideração os argumentos da presidente, terá de julgar se tem apetite para impeachment. A Câmara apenas abriu o processo. Acho que Dilma tentará convencer o Senado de que ela está correta. O debate será longo ainda.
Adoraria pensar que o que vimos foi o triunfo de um movimento anticorrupção. Mas o caso que foi usado para afastá-la não tem  a ver com corrupção, mas com erros administrativos. E o impeachment foi aprovado por um Congresso que tem muitos questionamentos sobre sua própria corrupção. Isso prejudica a legitimidade do próximo governo?
FHC: “Acho que o que está por trás do processo são fortes críticas contra a corrupção. Por conta de formalidades, a forma como o impeachment foi processado na Câmara se baseou na quebra de certas regras administrativas, mas a corrupção também motivou o processo, além da crise econômica  e do sistema judicial que está funcionando. O sistema partidário brasileiro está em péssimo estado e precisa de reformas profundas. Gostaria de ver, depois do impeachment, a possibilidade de colocar mais pressão para modificar o sistema partidário e as regras eleitorais. Espero que o impeachment não seja o fim do processo, mas a continuação de mudanças importantes na cultura política do Brasil.
O senhor conhece Temer até melhor que Dilma porque trabalharam juntos durante o seu governo. Ele não inspira muita confiança da população. Há motivo para ter esperança?
FHC: Ele é advogado constitucionalista e um político experiente. Espero que este momento o inspire a superar suas experiências na vida partidária do Brasil e a ver o Brasil de um ponto de vista histórico para se responsabilizar pelo país. Espero que consiga, não sei se consegue, mas há uma esperança. Quando o Itamar virou presidente, as pessoas o criticavam por sua falta de experiência, mas ele conseguiu organizar uma boa equipe.
Quão difícil será para ele governar com o PT na oposição?
FHC: O PT hoje é um partido como qualquer outro. Sua capacidade de mobilização é menos eficaz que no passado. Acho que eles podem causar alguns problemas, mas a sociedade brasileira se voltou contra o PT nos últimos dois anos. Acho que será possível manobrar mesmo como o PT na oposição.
O processo de hoje não abre uma brecha para afastar qualquer futuro presidente que enfrente uma crise econômica?
FHC: Não. Não foi por conta da pressão econômica que isso aconteceu, foi por conta da corrupção e da incapacidade da presidente de lidar com o Congresso. Há motivos políticos e sociais, além dos motivos econômicos. Não acho que isso será possível com qualquer presidente. Não acho que será uma prática normal afastar um presidente que não tem popularidade. É possível reconquistar a confiança. O novo presidente precisará se dirigir à população e reconquistar a respeitabilidade. Ele precisa mostrar sua capacidade de liderar.
Ao longo dos últimos anos o Brasil cresceu e avançou, mas hoje é difícil ser otimista porque a economia está péssima e não existe um líder político no horizonte capaz de mover as coisas pra frente. O que acha. O senhor consegue ser otimista?
FHC: Para ser realista, estamos vivendo um momento difícil. A chave é a retomada da respeitabilidade, da confiança. Hoje não foi um dia feliz. Mas foi necessário remover a presidente. Temos esperança porque há uma oportunidade para o novo presidente inspirar a população. Em termos das condições materiais do país, nossa situação de infraestrutura, por exemplo, além de outros setores, é tão ruim que há potencial de melhoras em todos os níveis. É uma situação difícil, mas não impossível.


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