Artigo, Tito Guarniere - Currículo mínimo


Foram anos de debates, audiências públicas, consultas. Passou por quatro ministros da Educação. Só não foi ouvido quem não quis. Afinal, se chegou ao consenso possível e se escreveu a Base Nacional Comum Curricular-BNCC. Como nos países com os melhores sistemas educacionais, tratou-se de estabelecer um currículo mínimo de aprendizado, a que todas as crianças e os jovens têm o direito de ter acesso.
Ninguém sensato espera que um tal documento tenha aprovação unânime. Neste país até saber que dois e dois são quatro pode degenerar em debate ruidoso. Imagine a discussão sobre o conteúdo curricular mínimo, com tantos pedagogos, especialistas, defensores de escolas e métodos, e de tanta gente – talvez a maioria – que em debate dessa ordem, só consegue ver o próprio umbigo, quando consegue. É um pequeno milagre que a Base tenha, de algum modo, chegado ao seu final.
Consenso possível: essa é a questão na educação e em quantos outros pontos quiserem da vida nacional. Como lembrou o ex-ministro Delfim Netto em artigo recente, todos querem aumentar a sua parcela no PIB. O Estado quer mais receita para cumprir suas obrigações; os empresários querem ter mais lucros e os trabalhadores mais salários. O impasse só pode se resolver, na democracia, através da mediação política, no consenso possível, uma vez que todas as partes têm razão.
Mas nada neste país tem permanência. De repente, tudo desmancha no ar. Depois de todo o empenho comum, que atravessou os governos de Dilma e Temer, que contou com a cooperação ativa de milhares de participantes, em breve tempo apareceu a crítica fatal: o trabalho não valeu nada, é preciso começar tudo de novo.
Certos setores, certas áreas que não puderam emplacar todas as suas concepções e demandas no BNCC querem invalidar todo o processo. Claro que o BNCC não é perfeito. Mas jamais teremos a perfeição em documento dessa extensão e complexidade. O bom não nos serve: exigimos sempre o ótimo.
No currículo mínimo há 13 matérias obrigatórias. Em nenhum dos demais países que o adotam há esse número de disciplinas, segundo Cláudia Costin. E como ela completa: e muito menos em apenas 4 horas diárias de aulas. O que vigora por aqui é a teoria de que ninguém tem nada para nos ensinar nem nós temos nada para aprender. Tem-se como uma virtude nacional, essa capacidade de divagar, essa costumeira dispersão de propósitos e ações.
Nos países que deram certo a busca pelos consensos possíveis é uma obsessão. Nós estamos sempre a procura do dissenso. Onde está a diferença, para que eu possa combater? Na área da educação é obstáculo intransponível. Todos – com raras exceções - os nossos professores são especialistas, pedagogos afiadíssimos, quando se trata de dissertar sobre as teorias educacionais, os métodos de ensino. Tudo se resume a formar jovens com “consciência crítica”, seja isso lá o que for. Poucos estão engajados de alma e corpo em aterrizar no chão da escola para fazer o simples, ensinar matérias que preparem a criança, o jovem, para a vida e o trabalho.

titoguarniere@terra.com.br

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