Tenho cá uma biografia de Beethoven escrita por Emil Ludwig
em 1945, traduzida por Vinicius de Moraes. Devido a sua antiguidade, o livro
está com as páginas coladas. Venho tentando abrir com uma régua e até com uma
espátula, mas volta e meio mutilo uma página. O que é que faço? Ajude-me, sábio
leitor.
É muito difícil produzir uma obra ao mesmo tempo simples
e direta, como exige o homem do povo, e profunda e bela, como exige a
posteridade.
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A propósito, Beethoven. Talvez sua composição mais
popular seja Sonata ao Luar, belíssima, tema de filmes, executada no mundo
inteiro. Mas ele não lhe dava tanta importância. Não que a desdenhasse, apenas
dizia que havia feito coisa melhor.
***
Suspeito que Beethoven menoscabasse sua sonata imortal
exatamente por ela ser popular. Porque, de fato, o que é do gosto da massa em
geral é de baixa qualidade. É muito difícil alguém produzir uma obra ao mesmo
tempo simples e direta, como exige o homem do povo, e profunda e bela, como
exige a posteridade.
A Sonata ao Luar se inscreve nessa categoria. Beatles
também. Na música brasileira, Tom Jobim e Pixinguinha. Literatura? O Tempo e o
Vento, de Erico. Grande parte de Jorge Amado. Machado de Assis. As crônicas de
Rubem Braga.
Há um autor que me deixa em dúvida, quando faço essa
reflexão: Paulo Coelho. Li dois livros dele, O Alquimista e Diário de um Mago.
Um é ótimo, não lembro qual. Seria o suficiente para classificá-lo como Grande
Arte. Só não classifico exatamente porque não recordo qual dos dois é o bom.
Pois, afinal, um livro inesquecível não pode ser esquecido.
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Aliás, acerca desse tema, vem-me agora à memória o caso
de um amigo meu que ficou absoluta e fatalmente enfeitiçado pela beleza de uma
morena clara que conheceu, certa feita. Eles haviam se encontrado casualmente
um dia. Então, para sua sorte, reencontraram-se, também casualmente, uma semana
depois. Aí, para seu azar, ele errou o nome dela. Ela fechou a cara, cortou a
conversa e foi-se embora. Mais tarde, lamentando-se com uma amiga comum, meu
amigo ouviu a corruptela da frase que escrevi acima:
– Você não pode esquecer uma mulher que se julga
inesquecível.
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Feita essa digressão, voltemos ao assunto da crônica. A
superficialidade da popularidade. Marx dizia que a quantidade gera qualidade.
Foi outro dos erros do velho. A quantidade, quase sempre, abrutalha. Nós
mesmos, eu e você, eu que escrevo, você que lê, nós mesmos estamos em processo
de extinção. Nós somos tigres-de-dentes-de-sabre, valorosos, mas impotentes
frente à mudança dos dias. Logo, a voracidade da internet acabará conosco.
Sobrará tão somente o texto breve e raso sobre o jogo, sobre a atriz, sobre o
político populista.
Eis o drama da democracia: você tem de se submeter às
escolhas da maioria. Por isso, não espere muito desta eleição. Nem de outras,
sejam quais forem. O futuro não é de Beethoven. O futuro é de Wesley Safadão.
Emil Ludwig, escritor alemão, basicamente fazedor de biografias - inúmeras, começando por Napoleão Bonaparte. Tenho um belo exemplar de uma autobiografia desse escritor, de meados de 1930, editora Globo, traduzida sabem por quem? Mário Quintana! Gostei tanto da biografia e do personagem (de família judia, seu pai era médico oftalmologista, o o nome Ludwig, bem germânico, foi uma concessão feita pelo Imperador, à pedido do pai, para que não prejudicasse as carreiras dos filhos!), que já a li umas três vezes!
ResponderExcluirCaro David, essa questão não é contemporânea, é atemporal. Há citações de eméritos pensadores da época da Roma antiga que já criticavam o (mero) diletantismo, o vazio das gerações mais novas. Isso é uma praga atemporal!
Abraços.
Com relação ao Paulo Coelho, li praticamente tudo dele, pois, mania, leio de tudo. Minha visão dele á uma visão 'agnosticista' pois reconhenheço que não alcanço minimamente o que quer significar sua obra, sou ignorante! Ler seus livros, até mesmo para poder discutir com terceiros, é fácil, coisa de 2 horas de leitura, do mesmo tamanho do contão do Graciliano, Vidas Secas (por favor, não estou discutindo conteúdo!).
ResponderExcluirSem pré me achei fora do ninho de leitores, pois nunca gostei do Paulo Coelho. Obrigado David.
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