Artigo, Norma Brezolin - Bonecas Reborn e Carrinhos de Miniatura: Refúgios Emocionais em Tempos de Incerteza

Norma Brezolin | Psicoterapeuta

Introdução

Muito se tem falado ultimamente sobre os bonecos de silicone hiper-realistas — conhecidos como Reborn. Esse tema, embora aparentemente singelo ou até mesmo exótico, carrega implicações profundas e variadas: desde aspectos comerciais, passando por questões jurídicas, até, inevitavelmente, temas ligados à saúde mental.

 É um tema complexo, com múltiplas nuances, e seria, no mínimo, irresponsável generalizar, incluindo todas as pessoas que adquirem esses bonecos no mesmo balaio. Há casos em que o uso temporário dessas bonecas pode ter uma função terapêutica ou simbólica legítima, como, por exemplo, no luto perinatal ou na preparação emocional para a maternidade.

Entretanto, não podemos ignorar que, na maioria dos casos, o que observamos é um fenômeno que se relaciona com uma tendência do ser humano contemporâneo: substituir relações autênticas com outros seres humanos por vínculos, por vezes intensos, com objetos inanimados, ainda que hiper-realistas. Muitas vezes, é mais fácil e menos arriscado dedicar-se a um boneco do que, por exemplo, visitar uma criança em um orfanato, doar um presente ou se envolver com as dores e alegrias do outro real.

A Regressão como Mecanismo de Defesa

Gostaria de trazer à tona aqui um aspecto específico e pouco comentado: a regressão. Em Psicologia, entendemos a regressão como um mecanismo de defesa, acionado especialmente quando o indivíduo se encontra sobrecarregado emocionalmente, acuado por conflitos internos ou por um ambiente externo que ele percebe como hostil e imprevisível.

Quando a realidade se torna demasiadamente dolorosa ou incerta, a pessoa pode, de forma inconsciente, recorrer a comportamentos ou pensamentos característicos de estágios anteriores do seu desenvolvimento psíquico — onde se sentia mais segura, cuidada, livre de responsabilidades.

Vivemos tempos em que essa sobrecarga emocional é praticamente onipresente: o medo da violência urbana, a insegurança jurídica, a sensação de impotência frente a instituições que deveriam proteger, mas muitas vezes falham; a crise econômica que corrói o poder de compra, a precarização das relações de trabalho. Tudo isso contribui para um cenário de fragilidade emocional.

Não surpreende, portanto, que muitos encontrem nas bonecas Reborn uma forma de regredir simbolicamente para um espaço emocional de aconchego, de controle e previsibilidade — mesmo que ilusórios.

Não Apenas Mulheres: O Caso dos Automóveis de Miniatura

 Engana-se quem pensa que esse fenômeno se restringe ao universo feminino ou exclusivamente aos bonecos Reborn. Os homens também não estão imunes a essa dinâmica.

Permita-me compartilhar, sem, obviamente, revelar qualquer dado que comprometa a ética profissional, a história de um dos pacientes que atualmente acompanho. Ele é diretor-executivo de uma grande empresa multinacional, referência no seu setor de atuação. Recentemente, a empresa contratou serviços de Inteligência Artificial corporativa, de altíssimo nível — não aquelas ferramentas genéricas de IA que vemos em aplicativos abertos ao público, mas soluções robustas e sofisticadas, capazes de automatizar processos inteiros.

Nos departamentos financeiro, contábil e fiscal, já houve uma grande reestruturação, com cortes significativos de pessoal. Embora, racionalmente, esse executivo acredite que sua posição no topo da hierarquia está segura, nas nossas sessões de psicoterapia online emergiu, com clareza, um medo inconsciente: o receio de ser, ele também, substituído pela máquina.

Como lidar com esse medo, que é real, embora não imediatamente concreto? A resposta do seu psiquismo foi a regressão: ele passou a comprar, de forma compulsiva, automóveis de miniatura — réplicas perfeitas de modelos de luxo, algumas com valores que ultrapassam os mil dólares por unidade.

Ele justifica para si e para os outros que essa coleção é um hobby, uma forma “mais racional” de viver sua paixão por automóveis, já que não tem como sustentar uma frota de carros reais de altíssimo padrão. Mas, nas entrelinhas do seu discurso, o que emerge é um deslocamento afetivo: os carrinhos não são apenas objetos de lazer, mas um símbolo inconsciente de uma tentativa de manter sob controle um mundo que, na realidade, escapa cada vez mais das suas mãos.

O Lado Lúdico é Saudável — a Fuga da Realidade, Não

É importante afirmar que não há nada de errado em manter um lado lúdico, brincar, colecionar objetos que remetam à infância ou aos sonhos de outros tempos. Pelo contrário, conectar-se com a própria criança interior é saudável e necessário.

O que não podemos — enquanto sociedade, enquanto indivíduos — é permitir que esses gestos se transformem numa fuga permanente da realidade. A substituição das relações humanas autênticas por vínculos com objetos inanimados revela, em muitos casos, uma dificuldade de elaborar medos profundos, inseguranças existenciais e angústias ligadas às transformações inevitáveis da vida.

O avanço tecnológico, incluindo a Inteligência Artificial, é inexorável. Assim como não podemos evitar pandemias, guerras ou catástrofes climáticas, também não podemos frear o progresso técnico. Mas podemos — e devemos — salvar o nosso mundo interior, resgatar a nossa capacidade de enfrentar as dificuldades de maneira madura, consciente e criativa.

Como Desenvolver Alternativas para Enfrentar Dias Difíceis?

O primeiro passo é reconhecer que todos nós, em maior ou menor grau, buscamos refúgios para aliviar a dor ou a ansiedade. Não há vergonha nisso. Mas o verdadeiro desafio é perceber quando esse refúgio se transforma numa prisão ou numa fantasia paralisante.

Precisamos cultivar espaços de reflexão, onde possamos olhar para as nossas sombras — esses aspectos do nosso ser que evitamos ou reprimimos — e confrontá-las com coragem.

Construir redes de apoio afetivo, buscar atividades que promovam o bem-estar físico e emocional, desenvolver novos projetos de vida que nos estimulem e desafiem de forma saudável são caminhos possíveis.

E, sobretudo, aprender a tolerar a frustração, a lidar com a incerteza e a aceitar que o controle absoluto sobre a vida é uma ilusão que só gera mais sofrimento.

A Importância de um Plano B

 Diante das transformações tecnológicas e das incertezas do mercado de trabalho, é prudente considerar a elaboração de um plano B. Isso não significa abandonar imediatamente a carreira atual, mas sim preparar-se para possíveis mudanças, desenvolvendo novas habilidades e explorando outras áreas de interesse.

No caso do executivo mencionado anteriormente, uma alternativa seria começar a planejar uma transição para o empreendedorismo. Identificar suas paixões, avaliar suas competências e buscar capacitação em áreas complementares podem ser passos iniciais valiosos. Participar de cursos, workshops e redes de networking pode ampliar horizontes e abrir portas para novas oportunidades.

Empreender exige coragem, mas também planejamento e resiliência. Ao construir um plano B sólido, é possível enfrentar os desafios com mais segurança e confiança, transformando incertezas em possibilidades de crescimento pessoal e profissional.

Conclusão

 A psicoterapia breve pode ser uma grande aliada nesse processo. Ela oferece um espaço seguro para que a pessoa compreenda os mecanismos inconscientes que orientam suas escolhas, fortaleça sua autonomia emocional e desenvolva alternativas mais saudáveis e criativas para lidar com os desafios da existência.

Em última instância, mais do que condenar ou ridicularizar quem se envolve com bonecas Reborn ou carrinhos de miniatura, é preciso compreender o que esses objetos representam na economia psíquica dessas pessoas.

Só assim poderemos, como sociedade, construir respostas mais humanas e acolhedoras para as angústias do nosso tempo.

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A autora atende
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