Plano Haddad de revanche - CARLOS ANDREAZZA
O GLOBO - 21/08
Haddad tem ideias particulares muito elaboradas sobre o
que seja democracia. Ele engana, mas é transparente
Autossuficiente, a estratégia político-eleitoral de Lula
— também brilhante, ética à parte — tem como uma das perigosas consequências a
subestimação daquele escolhido para lhe ser cavalo. Há tempos escrevo que o
ex-presidente, senhor e âncora do tabuleiro, concebera e dominara um jogo em
cujo fim colocaria seu representante, quem quer que fosse entre os petistas, no
segundo turno. Nunca tive dúvida de que assim será. Mas é na análise
desfulanizada — soberba, afinal acomodada — do método eleitoral lulopostista
que se desdobra o risco de não se avaliar se o indicado, por ora capacho de um
presidiário, pode ir além.
Convém estudar Fernando Haddad. As circunstâncias lhe são
favoráveis. Sim, é verdade: poderia ser qualquer lulista, e o ungido avançaria
ao segundo turno. Isso não significa que a escolha não decorra de cálculo. Uma
obviedade: a indicação é componente fundamental da estratégia de Lula; não
marco de seu fim. Ou alguém pensa que ele pensava que poderia concorrer à
Presidência? Na exemplar briga de advogados havida no coração de sua banca,
Lula nunca teve dúvida sobre sacrificar Sepúlveda Pertence. Sua defesa sempre
foi política. Entre alguma medida cautelar, como prisão domiciliar (que poderia
ser percebida como exceção em seu benefício), e permanecer em cárcere até a
eleição, desde a cadeia vendo sua inelegibilidade formalizada, jamais hesitou
sobre ficar no lugar em que melhor se vitimizaria. Daí por que tampouco cogitou
antecipar-se à oficialização de sua inelegibilidade para apontar Haddad como o
Lula de 2018. Para quê? Ele precisa do evento por meio do qual a Justiça
Eleitoral se tornará adversária, também ela agente da concertação institucional
elitista que trabalha para impedi-lo de voltar a presidir o Brasil. E então,
ato contínuo, Haddad — Haddad será: é Lula, é Lula, é Lula.
Ocorre, contudo, que Haddad — ao contrário de Dilma
Rousseff — existe; tem existência própria. Chego ao ponto. Ele é — será — corpo
para duas operações. Não à toa se fez circular que seria uma espécie de petista
com cara de tucano. Há ciência nessa formulação. Haddad, um acadêmico, tido
como alguém aberto ao diálogo, limpa a imagem mais pesada do petismo
sindicalista. O novo PT possível. E não sem alguma sorte. Em São Paulo, por
exemplo, cresce inesperadamente, muito beneficiado, por efeito de oposição,
pela percepção eleitoral de que João Doria abandonou a prefeitura da capital
sem qualquer realização. Doria revitalizou Haddad, que disputará a Presidência
com razoável base eleitoral de partida no mesmo município cujos cidadãos, não
faz dois anos, desprezaram-no. Essa é a primeira operação — plástica, no caso —
a que seu corpo se submete. Lifting?
A segunda, uma transfusão, ainda terá vez e se dará no
Nordeste, lá onde Haddad é perfeitamente o que precisa ser para Lula ser: um
desconhecido. Um elemento — de acordo com os princípios do lulopostismo — a ser
construído, superfície plana para depósito dos votos que o ex-presidente
transfere, naquela região, sem quase prejuízo derivado de sua condição de
preso. E assim se planta a “ideia Lula” na fé daqueles cerca de 30% aos quais
comunica: em parte com o Haddad revigorado no maior colégio eleitoral do país;
em outra com a transmissão de votos lulistas em grande monta provenientes do
aparelhamento do Bolsa Família, maior programa de cadastramento do mundo, como
propriedade político-eleitoral do PT.
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