O país se
encontra em momento singular. Pesquisa recente do Datafolha sugere otimismo com
o futuro da economia, comum antes da posse presidencial, mas que parece mais
profundo no caso atual, e também surpreendente à luz das divisões hoje
existentes na sociedade. Faz sentido? Quem me acompanha deve, há muito, ter
notado meu ceticismo. Embora um novo governo possa, de fato, trazer a mudança
de vários aspectos do país, creio que há obstáculos consideráveis no caminho,
que dificultariam o processo mesmo no caso de uma administração comprometida
com a reforma radical do País, o que, desconfio, não se trata do caso no
momento. O governo gasta muito e entrega muito pouco. De acordo com dados do
Tesouro Nacional, os três níveis de governo no País gastaram R$ 3,1 trilhões
(sem contar os juros) nos 12 meses terminados em junho, pouco menos do que 40%
do PIB (Produto Interno Bruto); no fim de 2016, eram R$ 2,9 trilhões, ou 39% do
PIB. Apesar das promessas de uns e da choradeira de outros, é claro que o
governo não se emendou. Além disso, ocorrências recentes, como a
"flexibilização" da Lei de Responsabilidade Fiscal e o aumento para
os ministros do STF, bem como a decisão monocrática do ministro Lewandowski
permitindo o aumento do funcionalismo, sugerem que os grupos mais próximos ao
poder continuam enxergando o Estado como mecanismo para canalizar para si
rendas do restante da sociedade. O Atlas do Estado Brasileiro, publicado pelo
Ipea, revela que o número de funcionários públicos no País cresceu de 6,3
milhões para 11,5 milhões entre 1995 e 2016, aumento de 83%, ante crescimento
populacional de 30%. Seu custo atinge hoje pouco mais de R$ 900 bilhões nos 12
meses até junho, ante R$ 870 bilhões em 2014, ano em que entramos em recessão.
Deve ficar muito claro que esse grupo não foi apenas isolado da crise, mas
prosperou no período, recebendo hoje o equivalente a 13,4% do PIB, ante 12,3%
do PIB em 2014. À parte os gastos públicos, diferentes formas de patronagem
persistem e prosperam no Brasil, da proteção a certos segmentos a privilégios
setoriais, dos quais a nefasta tabela de frete é apenas um exemplo recente. Não
chegamos aonde estamos por acaso. A captura do Estado brasileiro por grupos de
interesse não aconteceu nos últimos anos; pelo contrário, é fenômeno antigo, a
ponto de ter sido objeto de Raymundo Faoro há 60 anos em seu "Os Donos do
Poder". Sua extensão, contudo, se ampliou, refletindo uma sociedade que se
acostumou a viver dos favores públicos e a lutar, de forma cada vez mais
encarniçada, por eles. Vivemos o "capitalismo de compadres",
expressão de instituições econômicas e políticas extrativistas, para
utilizarmos as categorias de Acemoglu e Robinson em "Por Que As Nações
Fracassam?", cujo efeito sobre o crescimento econômico é destrutivo. Não
crescemos pouco por azar, mas porque, de uma forma ou de outra, privilegiamos a
caça à renda sobre a geração da renda. Caso a nova administração tivesse sido
eleita com o propósito de atacar esse estado de coisas, estaria mais otimista.
Não se trata, porém, do caso. Em que pese a indicação de uma equipe econômica
cuja visão parece ecoar um diagnóstico semelhante ao acima exposto, as forças
políticas que prevalecem no país representam o atraso. Em razão disso, sigo
cético quanto à possibilidade de reformas profundas no País e, portanto, quanto
ao retorno do crescimento sustentado. Feliz 2019.
... Consultor, ex-diretor
do Banco Central (2003-2006). É doutor pela Universidade da Califórnia em
Berkeley - Jornal do Comércio
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