O debate sobre o sistema bancário vai
ganhando mais força neste início de novo governo. Após as declarações de Paulo
Guedes e Pedro Guimarães, desta vez é Ilan Goldfajn a divulgar novas
diretrizes, inclusive relacionadas a bancos públicos.
Ao jornal Valor, ele diz que será encaminhado
um projeto de lei ao Congresso para dar ao BC a atribuição de aprovar a
nomeação de dirigentes de bancos públicos. Na perspectiva do noticiário, esse
assunto está diretamente ligado à cobertura sobre escândalos políticos. Ao repercutir a entrevista, o Globo
imediatamente fala do “escândalo da Caixa que derrubou toda a vice-presidência
no ano passado”, cometendo equívoco, pois houve o afastamento de quatro VPs.
Valor: Quando o sr. assumiu, a expectativa
na Fazenda era que o BC cortasse rapidamente os juros para combater a recessão.
Por que isso não ocorreu?
Ilan Goldfajn: Na administração da
política monetária, você normalmente quer ancorar as expectativas para poder ir
mais longe no corte de juros, como a gente foi, de forma sustentável. Fazer o
velho dava para fazer. As expectativas de inflação não caem, e aí você teria
que voltar tudo o que baixou nos juros. Ninguém acha que hoje a gente está numa
taxa mínima histórica por voluntarismo. E, ao longo de 2018, com a crise nos
emergentes, a gente de fato conseguiu manter o nosso "framework",
manter o que a gente chama de nossa serenidade ao longo do tempo, enquanto
outros países estavam aumentado juros. Alguns subindo 20%, como a Argentina,
por exemplo.
Valor: Por que a recuperação é tão
lenta?
Ilan: O crescimento foi mais fraco no
começo exatamente pela desalavancagem. Basicamente, as recessões que têm a ver
com desalavancagem são mais longas.
Valor: Mas o governo em geral não tinha
essa visão, achava que restabelecer a confiança bastava.
Ilan: Restabelecer a confiança ajuda,
mas não é suficiente porque tem capacidade ociosa, tem desemprego. A confiança
bate muito no investimento. Mas investimento só viria se estivesse mais perto
do pleno emprego.
Valor: E as eleições?
Ilan: As incertezas sobre o futuro
adiaram as decisões de investimento. Espero que, para frente, retire as
amarras. Vai ter que fazer as reformas.
Valor: Tem gente que diz que a economia
não reage porque o BC não cortou os juros muto abaixo da taxa neutra. A
política monetária está funcionando para estimular a economia?
Ilan: Sim, não tenho dúvida, nós estamos
no terreno estimativo. O mercado passou 2018 quase todo dizendo que a taxa
neutra é mais alta. Depois, quando acaba o ano, as incertezas desaparecem, a
inflação volta e aí diz que a taxa neutra é mais baixa. Nós precisamos de um
pouco mais de serenidade, cautela e perseverança, que é sair um pouco dessa
volatilidade de cenários. A política monetária está fazendo o seu papel. Agora,
precisamos reforçar a política monetária com o crescimento vindo de uma
sensação de confiança na política fiscal, nas contas públicas, o investimento
tem que voltar. Enfim, crescimento é um papel do governo como um todo. É um
trabalho coletivo.
Valor: Por que o BC ainda vê um balanço
de riscos para a inflação pendendo para o negativo, mesmo depois de o novo
governo assumir um compromisso com as reformas fiscais?
Ilan: Primeiro, a gente está vendo esses
sinais. Estamos vendo o discurso e temos dito já há duas reuniões do Copom que
o risco, digamos assim, de frustração com as reformas e ajustes diminuiu. Isso
acho que já tem duas atas, dois comunicados, que a gente tem dito. Mas o risco
ainda permanece. Nós precisamos ter todo o processo de implementação, ver o que
acontece. O risco externo permanece alto.
Valor: Mas os mercados não tiveram uma
forte alta anteontem?
Ilan: Foi um dia de mercados mais
positivos, mas só para quem olhou o Brasil. Para quem está olhando lá fora, os
mercados estão mostrando um cenário com bastante tensão. Há dúvidas sobre o
crescimento mundial, as bolsas estão caindo de forma acentuada. Empresas
mostrando "guidances" menores nos Estados Unidos, decepções com
alguns números da China, conflitos comerciais. Reconhecemos uma melhora no risco
local, das reformas, dos sinais, mas não vemos melhora no risco externo.
Portanto, na combinação desses dois, o risco diminuiu, mas ainda é elevado.
Continua assimétrico, mas muito menos assimétrico.
Valor: Podemos dizer que os riscos
externos são hoje superiores aos internos?
Ilan: Não fizemos essa avaliação do que
é maior ou menor. A gente considera que a combinação de riscos, digamos, mais
negativos continua presente. Ainda não foi ultrapassado pelo risco, digamos, do
bem para a inflação.
Valor: Tem gente que diz que se a agenda
do governo der muito certo, o BC terá que subir os juros mais cedo porque a
retomada da confiança fará com que a capacidade ociosa da economia seja
rapidamente preenchida. Como o sr. vê esse receio?
Ilan: Vejo com certo conforto que há
pergunta sobre se a gente não está estimulativo de menos e agora uma pergunta
se a inflação não pode subir mais rápido. Significa que a gente está navegando
dentro de algo que está bem. De novo, o BC está mais na linha da serenidade.
Reconhecemos que há um hiato [do produto] grande ainda.
Valor: Porque o sr. acha que as
condições para as reformas hoje são muito melhores?
Ilan: Diria que os sinais emitidos, o
direcionamento, está sendo claro. Reforma da Previdência é considerada a
reforma mais importante. Reformas fiscais, como uma prioridade. Questão da
produtividade e eficiência colocada no seu lugar, que deveria ser relevante.
Então acho que as questões estão muito bem colocadas, os sinais são corretos.
Agora, depende da sociedade como um todo. Isso tudo faz parte da incerteza que
ainda não permite dizer que o problema está resolvido.
Valor: Parece que todo mundo já
concordou que precisa de autonomia do BC, mas porque a reforma não sai?
Ilan: É mais uma das reformas que você
vai criando a maturidade e algum momento sai. Acho que está madura para sair
sim e tinha as condições de sair. Mas essas coisas são condições políticas.
Significa que você precisa ter uma organização política, uma liderança
política, que puxe naquele momento.
Valor: Mas o novo governo vai estar com
uma agenda tão pesada e com tantas prioridades... Será que isso vai caber?
Ilan: Essa sempre foi a questão da
autonomia. Porque a autonomia, a autonomia de facto do Banco Central, é uma
faca de dois gumes. Como a gente já é autônomo, de certa forma a sociedade nos
enxerga como autônomo, a urgência dessa reforma parece nunca chegar.
Valor: Faz sentido o BC socorrer o
mercado periodicamente vendendo swaps cambiais?
Ilan: Essa visão ignora que o câmbio tem
flutuado. Você diz que o Banco Central socorreu, mas o câmbio começou o ano em
R$ 3,30, foi para R$ 4,20, agora está em R$ 3,75. Então, não socorremos tanto
assim. Não estamos fixando câmbio para dar seguro para ninguém não, o câmbio é
flutuante. O que, sim, estamos fazendo é usando o fato de a gente ter reservas
para transmitir a tranquilidade que todo mundo precisa para os mercados
funcionarem. Evitar falta de liquidez, evitar pânicos, evitar momentos de
"stop-loss", quando as pessoas vendem porque têm que vender,
independentemente do preço. Outros países que não têm essa reserva não tinham
essa tranquilidade e os mercados funcionaram bem pior.
Valor: E a questão da competição do
sistema, que está na agenda do BC. O ministro da Economia, Paulo Guedes, falou
na importância de se aumentar a concorrência bancária brutalmente.
Ilan: Temos um sistema saudável onde nós
temos que trabalhar a melhor eficiência, reduzir o custo de crédito, e isso tem
sido um trabalho constante. Que tipo de medida que a gente achou que tinha que
tomar, que faz parte da nossa agenda BC+? Primeiro, dar força para os menores.
Então, desde que a gente começou, a gente segmentou o sistema em cinco grupos.
Se você pegar o jornal hoje, tem declaração das fintechs falando bem do Banco
Central. Nunca vi isso na vida. Por que? Porque a gente tá fazendo norma atrás
de norma, deixando elas participarem. A última foi um decreto do presidente
Temer. O Brasil é um dos poucos países em que, para o investidor estrangeiro
entrar, precisa de um decreto presidencial, declarando o investimento como de
interesse nacional. Então a gente queria facilitar. Delega para o Banco
Central, não precisa de decreto. A gente aqui vai autorizando, como tem feito
todo dia.
Valor: E como o Banco Central vê a
pressão de empresas de meios de pagamentos que não são vinculadas a bancos para
que proíba a verticalização?
Ilan: Essas mesmas [empresas que
pressionam pela desverticalização], enquanto estamos aqui lutando pela
competição, estão lá ganhando muito dinheiro nesse mercado do qual elas estão
reclamando. Não estão perdendo dinheiro, estão entrando, estão competindo.
Então não é o momento [de desverticalizar]. O momento é "segue o
caminho", a competição está duríssima, vamos só na mesma linha que a gente
vai chegar lá.
Valor: Porque não é o momento já que
outros países restringem a verticalização?
Ilan: Acho que, quando você tinha um
mercado que só tinha duas [empresas], era verticalizado porque só tinham duas,
aí é o momento de fazer. Tempos atrás, fizemos um cap [limite] na tarifa do
cartão de débito. Então você tem formas de regular o mercado que aumenta a
competição. Agora, a gente tem que tomar cuidado com diagnósticos errados. É um
mercado crescendo 10%, 15% todo ano, universalizando.
Valor: Em relação aos bancos públicos, o
que houve com a proposta de mudança na sistemática de aprovação dos dirigentes
dos bancos públicos, feita pelo BC no ano passado?
Ilan: A gente propôs que os dirigentes
de bancos públicos passem pelo mesmo processo que os dirigentes de bancos
privados. Hoje é diferente. A lei estabelece que o governo é quem escolhe [os
dirigentes dos bancos públicos], e o Banco Central não opina. Os dirigentes de
banco privado só podem entrar depois de a gente autorizar. Então tem um projeto
de lei que eu acho que é um dos que devem sair nos primeiros cem dias [do
governo Bolsonaro] que coloca no BC a autorização dos bancos públicos. O
controlador continua indicando mas, para poder efetivar, o Banco Central tem
que dar autorização. Isso passa a ser uma atribuição do BC. Se você é um banco
privado, você escolhe, mas você submete ao Banco Central. Por que submeter é
importante? Porque às vezes, se houver uma indicação puramente política e não
tiver condições de ser dirigente de banco, o Banco Central não aprova. A Lei
das Estatais já foi um passo, mas esse é um passo também importante. Tenho
confiança que essa lei sai nesses primeiros cem dias. Enquanto a lei não sai,
nós queremos sair com um decreto que indique para os conselhos dos bancos que
eles precisam mandar para o BC [as indicações]. Não é uma lei, é uma diretriz
para os conselhos dos bancos públicos.
Valor: Esses dirigentes que já foram
nomeados agora não serão submetidos a esse processo?
Ilan: Eu acho que não vai ser
retroativo. Poderia ser, mas acho que não será.
Valor: Haverá mais alguma coisa do Banco
Central nesses primeiros cem dias?
Ilan: Acabei de falar de outra, a
delegação para o Banco Central aprovar capital estrangeiro. Também é decreto, é
infraconstitucional. Se sair agora também é muito bom, é uma coisa que está
sendo proposta. Não é algo que vai revolucionar, porque já é aprovado. Justiça
seja feita, o presidente Temer nunca deixou de assinar qualquer autorização,
mas nós temos críticas internacionais sobre o porquê de as regras para
investimentos estrangeiros serem diferentes.
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