Em 2015, o STF, por maioria, no REXT 593.727, reconheceu
que o Ministério Público teria poder de investigação criminal, “desde que
respeitados os direitos e garantias que assistem a qualquer indiciado e
qualquer pessoa sob investigação do Estado, observadas, sempre, por seus
agentes, as hipóteses de reserva constitucional de jurisdição, e, também, as
prerrogativas profissionais de que se acham investidos em nosso país os advogados”,
sem prejuízo da possibilidade do controle jurisdicional dos atos
necessariamente documentados (súmula vinculante 14).
Foi conquista histórica do Ministério Público brasileiro,
que sempre sustentou tal possibilidade jurídica diante da necessidade de investigar
ilícitos de modo autônomo e independente, sem prejuízo às prerrogativas das
autoridades policiais. Ministério Público e polícias trabalham cada vez mais
próximos, haja vista o controle externo das polícias pelo parquet e a
titularidade privativa da ação penal que detém o Ministério Público à luz da
Constituição de 1988.
Verdade que, no aludido REXT, o Ministro Marco Aurélio
foi voto vencido, porquanto ressaltou que o Ministério Público não teria amparo
para atuar no campo da investigação criminal de “modo autônomo”. Disse o
Ministro que seria inconcebível que um membro do Ministério Público colocasse
uma “estrela no peito” para “armar-se” e investigar. “Sendo o titular da ação
penal, terá a tendência de utilizar apenas as provas que lhe servem, desprezando
as demais e, por óbvio, prejudicando o contraditório e inobservando o princípio
da paridade de armas”, asseverou em seu voto-vista.
O direito comparado admite o poder investigatório do
Ministério Público, tema que restou pacificado no Brasil. Preocupação maior tem
havido com outras instituições que, não raro, usurpam o poder investigatório
criminal do Ministério Público, sob o pretexto de realizar investigações
administrativas. O que se observa, atualmente, é um desvio de finalidade na
atuação de outras instituições, que buscam realizar investigações criminais
através de seus aparatos administrativos, o que é grave equívoco. Para a esfera
criminal, existem o Ministério Público e as polícias.
Não há poder sem limites, evidentemente, e o poder
investigatório do Ministério Público começa a ser disciplinado na Resolução
181/17 do CNMP, valendo lembrar que cada parquet estadual tem sua própria lei
de incidência. A normatividade do poder investigatório costuma ser densa.
Referida Resolução confere poderes importantes aos membros do Ministério
Público, mas também lhes outorgam limites, nem sempre respeitados.
Procedimentos devem tramitar preferencialmente por meio eletrônico, salvo
impossibilidade. A instauração se dá por portaria fundamentada, circunscrevendo
o objeto e as diligências iniciais. Depoimentos devem ser colhidos mediante
gravação audiovisual, com o fim de obter maior fidelidade das informações
prestadas.
A súmula vinculante 14 do STF é um bom balizador. O
direito de o investigado ser ouvido, em algum momento, e antes disso ter acesso
às provas já documentadas contra si, é decorrência lógica do quanto fixado no
REXT julgado pelo STF. Por certo que ninguém pode interferir no programa
investigatório das autoridades, tampouco quebrar sigilo das investigações em
curso para monitorar a atuação das autoridades. Porém, o direito de ser ouvido,
ainda que não se confunda com qualquer arremedo de contraditório, deflui do
devido processo legal administrativo. A própria Resolução 181/17 garante o
direito de o defensor examinar autos de investigação criminal, findos ou em
andamento, em meio físico ou digital, podendo copiar peças ou tomar
apontamentos. Quando decretado o sigilo, deverá apresentar procuração. Quer
dizer, tudo o que estiver documentado nos autos estará ao alcance dos
advogados.
O respeito às prerrogativas legais dos investigados é
outra garantia básica inerente ao processo administrativo. Da mesma forma,
pode-se citar o dever de fundamentação dos atos administrativos. Muitos atos
unilaterais são praticados, inclusive em segredo de justiça e ao arrepio do
contraditório, tais como quebras de sigilos bancários ou telefônicos, no curso
de um programa investigatório. A garantia da transparência da motivação como
pilar de interdição à arbitrariedade dos poderes públicos é um dos elementos
estruturantes do Estado Democrático de Direito.
Regras atinentes à competência, à existência de elementos
da figura do direito penal do fato, de procedimentos burocráticos relativos ao
promotor natural, de respeito à legislação de regência, devem ser observadas.
Não se pode olvidar que vigora o princípio da responsabilidade dos
fiscalizadores, como decorrência do princípio republicano. Atos arbitrários
podem ensejar responsabilidade civil, administrativa e até criminal de agentes
do Ministério Público.
A probidade dos fiscalizadores é exigência republicana
comum aos países civilizados. Desnecessária qualquer aprovação de novo modelo
normativo para responsabilidade de promotores ou procuradores por abuso de
autoridade ou improbidade administrativa, pois o atual sistema já permite o
enquadramento de condutas abusivas. Basta que se aplique corretamente a lei aos
infratores. O Conselho Nacional do Ministério Público tem sido paradigma de
atuação firme na fiscalização de eventuais desvios de conduta. E os próprios
membros do Ministério Público fiscalizam seus pares.
Fábio Medina Osório, advogado e ex-ministro da
Advocacia-Geral da União
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