Também o
foco de instabilidade na conjuntura estável. E um pouco de humor.
O sucesso da Operação Lava-Jato vinha sendo produto,
antes de mais nada, da correlação de forças políticas extremamente favorável.
Platitudes como “o povo não aceita mais a corrupção sistêmica”, ou “o eleitor
quer virar a página da velha política” servem para brilhareco retórico, mas
escondem o essencial. Sergio Moro et al só chegaram onde chegaram por reunir
apoio político amplíssimo, inclusive entre potenciais acusados de corrupção e
próceres da política tradicional. Inclusive no poder muito bem constituído.
A Lava-Jato na sua primeira etapa (2014-2018) era útil
para amplos segmentos do poder, real ou na expectativa de. Servia para quem
desejava apear o PT. Mas também para quem, no PT, gostaria de trocar a
hegemonia. Servia ao PSDB, mas também para quem ali sonhava com destronar os
tucanos ditos de alta plumagem. E servia muito a quem imaginava reforçar seu
próprio cacife político ou comercial investindo na luta contra a corrupção. Era
muita gente. E foi faca na manteiga.
E veio a ruptura de outubro de 2018. Só que não do jeito
desejado pelo establishment que surfara na luta contra a corrupção, contra a
política estabelecida e contra o governo do PT, nem sempre nesta ordem. A
coalizão do impeachment tinha a hegemonia parlamentar da aliança PMDB-PSDB,
coadjuvada pelo dito centrão e lastreada socialmente na elite do Sul-Sudeste.
Mas em janeiro de 2019 quem subiu a rampa foi a aliança do bolsonarismo com
Olavo de Carvalho e um amplo espectro de militares.
Essa assimetria é o principal foco de instabilidade numa
conjuntura bastante estável. Note o leitor como as graves crises anunciadas
passam sempre sem deixar rastro. A mais permanente, com episódios recorrentes,
é a da “falta de articulação política”. Como se algum governo, qualquer um,
conseguisse passar praticamente todo o seu programa econômico no Legislativo
sem ter articulação política funcional. No popular, é o #mimimi da turma que
ganhou, mas não levou.
Vêm daí também as teses de Jair Bolsonaro precisar
“descer do palanque”, “livrar-se dos filhos”, “governar para todos”, “respeitar
a autonomia das carreiras de Estado”. Como se o governante cioso de seu próprio
pescoço em algum momento devesse deixar de falar aos eleitores dele, trocar os
mais fiéis pelos menos fiéis, parar de enfraquecer os adversários, visíveis ou
ainda escondidos, e deixar as corporações fazer o que dá na telha em defesa do
poder, dos privilégios e interesses umbilicais delas.
De volta à Lava-Jato, o principal problema dela é não
mais servir ao poder. Talvez a algumas expectativas frustradas de poder, mas
não está sendo suficiente. O Poder (com maiúscula) nas três pontas da Praça dos
Três Poderes precisa conter a Lava-Jato para conseguir governabilidade. E o
pessoal que precisa dessa governabilidade para passar as mexidas legais do
programa econômico liberal vitorioso nas urnas enxerga, cada vez mais, a
operação como um estorvo. Agora, a ampla coalizão não é mais a favor, é contra.
*
O principal argumento dos defensores por aqui do
impeachment (que lá ainda não é saída) de Donald Trump é que ele se associou a
um governo estrangeiro para, a pretexto da necessidade de combater a corrupção,
criar dificuldades políticas ao principal adversário dele na disputa pela Casa
Branca em 2020.
Pedir coerência na política é amadorismo. Mas pelo menos
rir ainda não está proibido. Só rindo mesmo.
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Alon Feuerwerker (+55 61 9 8161-9394)
alon.feuerwerker@fsb.com.br
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