O drama da Sra. K
Por Renato Sant'Ana
A Sra. K,
37 anos, esgotou seu repertório de nomes feios quando, ao
despertar, viu que tinha faltado energia elétrica: nada
funcionava, do secador de cabelo ao controle eletrônico do portão.
O drama
apenas começava. Tinha planejado dormir até o limite: precisava só de 25
minutos para ir de carro ao trabalho. Não esperava que, naquela sexta-feira
(06/12/19), metade do bairro Vila Ipiranga, em Porto Alegre, estivesse às
escuras, semáforos desligados e o trânsito caótico.
Pior foi
saber a causa do desmantelo: um moleque de 21 anos, entretido com um brinquedinho
letal, isto é, o carro da mamãe, tinha derrubado um poste e arrancado os fios
de luz e telefone.
"E
não morreu esse infeliz!", pensava ela, trancada no engarrafamento,
temendo a reação de sua chefe, mulher irritadiça e muito rígida.
No grupo de WhatsApp do condomínio, soube
que o patife participava de um "racha" e que, depois do estrago,
tentou fugir a pé, mas foi detido pela Brigada Militar, ferido e com visíveis
sinais de embriaguez.
Sem
elaboração, normal no WhatsApp, claro, falaram muito de "abuso".
Certo. Desdenhar a lei e fazer só o que dá vontade é abuso, seja o
abusador um empreiteiro, ministro de algum tribunal ou um
borra-botas de
21 anos, seja em Brasília, no trânsito ou na área comum
do condomínio.
Não foi por nada que, três dias antes, o
jornal The Cairns, da Austrália, publicou matéria em que Porto Alegre aparece
como a décima cidade mais violenta do mundo e a terceira do Brasil.
No grupo,
um condômino falou que a cidade precisa de um prefeito linha dura que traga um
pouco de disciplina e ordem à capital.
Ela
reagiu sem reflexão. Odiou! E repetiu mentalmente o que já tinha
dito a ele: "Fascista! Fascista!" Tudo depois
que ele pegou no pé do filho dela, de nove anos, só porque o guri cospe no
elevador, já bateu em meninos menores e afrontou o porteiro da noite.
É assim.
Se alguém mexe com o seu "imperadorzinho", ela reage como uma leoa.
Não entende que, passando a mão na cabeça do filho e tolerando suas
transgressões, está criando um abusador, que, amanhã, vai sair por aí
derrubando postes. E poderá morrer, o infeliz...
Com o
carro na velocidade de uma carroça, ruminava o rancor. Se pudesse, ela se
vingava do derrubador de poste, de sua chefe e dos seus vizinhos.
Com
vocabulário de Facebook, ela não interpreta, não analisa, apenas reage. E faz
como todo mundo: fala mal dos políticos e acha que são "os outros"
que não sabem votar e escolhem mal.
Nas
próximas eleições, seu voto será um "voto consciente", claro! Sem
crítica e desinformada, ela vai votar em quem adular melhor o eleitor,
um gaiato populista ou uma sirigaita ideológica...
E assim
caminha Porto Alegre: para trás... Enquanto a estirpe da Sra. K segue sendo
numerosa. Aliás, é igual em toda parte.
É essa
mentalidade que dá causa à existência de leis frouxas: o
irresponsável que põe em risco a vida dos outros,
dirigindo bêbado, apenas paga uma multa e tem, por algum tempo, restrições para
dirigir. Não tarda e já está de volta.
Renato Sant'Ana é Advogado e Psicólogo.
E-mail: sentinela.rs@uol.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário