Diante das condições impostas pela pandemia, cabe também ao Judiciário se moldar à situação factual. A flexibilização auxilia na manutenção da saúde financeira do mercado e na recuperação da economia brasileira. Um caso julgado recentemente em Canoas (RS) é exemplo disso. A suspensão do pagamento de um débito trabalhista por parte de uma empresa do ramo imobiliário garantiu a proteção do seu caixa durante o auge do isolamento social.
Em novembro de 2019, após intimação para pagamento em processo trabalhista, a empresa parcelou débito constituído nos termos da moratória legal do art. 916 do Código de Processo Civil. Conforme previsão legal, deveria — após o pagamento da entrada de 30% — parcelar o saldo residual em seis prestações, com o acréscimo de juros de 1% ao mês.
A empresa vinha pagando regularmente o débito até abril de 2020. Porém, com as dificuldades financeiras geradas pela pandemia, não viu alternativa a não ser solicitar o adiamento do pagamento da última parcela por 90 dias. Apesar de não se tratar de acordo judicial, o reclamante foi intimado a se manifestar sobre a proposta, mas discordou do pedido apresentado pela devedora.
Os demonstrativos apresentados comprovaram que todo o valor correspondente aos recursos alimentares do trabalhador já havia sido integralmente pago pela empresa. O restante do débito estava ligado à verba previdenciária e custas. Mesmo assim, o pedido de suspensão não foi aceito pelo juiz. O argumento foi que as dívidas de natureza alimentar deveriam ser as últimas a serem renegociadas, de forma que caberia às companhias se readequarem à crise. A partir desta decisão, foi apresentada uma nova manifestação esclarecendo a diferença da natureza das verbas relacionadas ao débito em questão.
Não se pode confundir o crédito trabalhista com o crédito previdenciário. O recebimento do benefício previdenciário pelo segurado tem natureza alimentar. Entretanto, seu recolhimento é destinado ao Estado, e não ao trabalhador.
Na sequência, a empresa declarou que a suspensão do pagamento independia da vontade do reclamante. Isso porque o parcelamento que vinha sendo quitado não era oriundo de conciliação, mas sim de norma legal. Além disso, também frisou que o autor não era titular de direito relativamente ao recolhimento previdenciário e às custas processuais.
Demonstrando boa-fé, a empresa pagou antecipadamente um terço do saldo residual, que era o montante possível a ser cumprido naquele momento. Dessa forma, reforçou o requerimento da suspensão do pagamento por 90 dias e sugeriu o parcelamento do saldo em duas prestações.
Surpreendentemente, o juiz intimou a autora a se manifestar sobre a última petição apresentada pela reclamada. A parte autora concordou que – pela natureza das verbas ainda devidas – a anuência da suspensão dependia do magistrado e sugeriu que o débito fosse parcelado conforme sugerido.
Como o prazo para o pagamento do débito residual vencia em 11 de maio, a empresa apresentou nova petição no dia 8, requerendo urgência na apreciação do pedido de suspensão do pagamento. Na mesma data, o juízo reconheceu o cumprimento da obrigação alimentar, deferindo o pedido de prorrogação dos vencimentos das verbas remanescentes por três meses.
Muitas empresas vêm passando por circunstâncias extremas e estão com seus recursos financeiros limitados. Este cenário de calamidade não apenas prejudica a continuidade das atividades empresariais, como também coloca em risco a manutenção do atual quadro de funcionários. Decisões como estas são de extrema importância e demonstram sensibilidade do Judiciário com o momento.
Advogado trabalhista do escritório Scalzilli Althaus
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