Artigo, Claudia Wellner Pereira - Apatia é lugar de nascimento de ditadores, mentirosos e mártires

- A autora é tradutora e redatora, de Londres

Folheava despreocupadamente um best-seller da lista do New York Times. Um livro dirigido para inspirar meninas e jovens a ocuparem os seus lugares no mundo e a serem livres para fazerem as suas próprias escolhas. Foi quando me deparei com a história de Anna Politkovskaya.

Jornalista russa, nascida em Nova Iorque, filha de diplomatas de origem ucraniana. Que combinação! Tornou-se internacionalmente conhecida por cobrir a guerra da Chechênia e denunciar esquemas de corrupção e métodos de controle e desinformação. 

O seu compromisso com a verdade custou-lhe a própria vida. Mais de uma vez tentaram calar a sua voz. Tiveram sucesso em 2006: Anna foi encontrada morta no elevador do seu prédio. 

Êxito parcial dos cinco homens que foram responsabilizados pelo assassinato e do próprio mandante, que até hoje não é conhecido de forma pública e oficial. Anna foi materialmente calada, impedida de seguir enriquecendo o mundo com o seu talento e caráter. Impossível, no entanto, silenciar as suas palavras e ideias.

Você ainda acha que o mundo é grande? Que se há conflito em algum lugar, isso não terá impacto em outro, e que você pode ficar de fora, sentado em sua varanda admirando suas petúnias ridículas? 

O grito de Anna chacoalhou a humanidade no contexto da guerra da Chechênia. Um esforço sacrificial para remover pessoas e países da inércia nascida da indiferença e de um sistema estreito de tomadas de decisão movido por interesses e prazeres particulares.

A atualidade do grito chega a doer! Rússia e Ucrânia podem parecer geograficamente bem distantes, dependendo da latitude e longitude em que se está. Imagino o que Anna estaria fazendo agora, sendo tão geneticamente envolvida com o conflito. Talvez, estivesse gritando - como é possível que um indivíduo ou um pequeno grupo de indivíduos consiga controlar e conduzir uma massa muito maior de indivíduos rumo a catástrofes? E ainda dar a impressão ao mundo de que carrega a vontade de uma Nação?

Aqui detecto a minha própria apatia e passividade. A minha cumplicidade na morte de pessoas como Anna, Lincoln, Luther King, que ficaram sozinhos e expostos lutando pelo despertar da humanidade.

Anna poderia estar instigando um indivíduo ou um país específico a sair da varanda e a ocupar o seu lugar de governo, de poder de influência, capaz de promover verdade e justiça no mundo. Que não seja eu, que não seja você, que não seja o meu, o seu país, o alvo desse duro juízo.

 


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