Artigo, Sérgio Paulo Muniz Costa - O alvo são as Forças Armadas

 Artigo, Sérgio Paulo Muniz Costa - O alvo são as Forças Armadas

O autor é doutor em Ciências Militares, diplomado pela Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (1992), com o Curso de Política, Estratégia e Alta Administração do Exército (2003).

As manchetes de hoje deixam claro qual é o alvo das prisões e buscas realizadas ontem no Brasil: as Forças Armadas. 


Distintamente do noticiado pela imprensa internacional, que está repercutindo o ocorrido, a operação não foi contra os “aliados de Bolsonaro”. Foi contra os militares.


Em primeiro lugar, pela ultrapassagem da Justiça Militar a quem cabe julgar crimes militares, no quê inequivocamente se enquadram os supostos delitos praticados por militares da ativa, no desempenho de funções militares, em áreas militares.


Em segundo lugar, pela seleção dos atingidos pelas medidas coercitivas e restritivas da liberdade: militares em sua maioria. 


E por fim, na sincronização de posicionamentos de autoridades com o noticiário que vaza o teor oficial da investigação, dele tirando o significado que interessa a determinado grupo político no país: a “politização das Forças Armadas”. E claro, a necessidade de “limpá-las”.


Essa ofensiva se dá por outras iniciativas, das quais as prisões e buscas de ontem são as mais contundentes, mas não as únicas. 


A ascensão ao poder de um partido de matiz revolucionária, que logo rompeu com a linha da social democracia, mudou o cenário político brasileiro. A combinação da heterodoxia ideológica com a ganância corrupta de parte da elite política engendrou a crise na qual se encontra o País, cada vez mais dividido em posições inconciliáveis que podem vir a representar um grave óbice à consecução dos objetivos nacionais permanentes.



Constrangimento a operações descabidas, cerceamento de candidatos militares a cargos eletivos e sistemática campanha midiática contra os militares, corroborada por uma crítica de procedência incerta nas redes sociais, são sinais claros de que as Forças Armadas são alvo de uma campanha de desmoralização bem conduzida.


Para quem gosta de modelos, de golpe inclusive, o que ocorre no Brasil não segue a cartilha chavista, aplicável em uma democracia de fachada a forças armadas corruptas e invertebradas. 


O “modelo” é outro, o de desbancar instituições que detêm inegável prestígio social e político, neutralizado-as, para, em um segundo momento, colocá-las a reboque do seu projeto de poder. 


Seria algo como o que Erdogan fez na Turquia, que, mediante a  mobilização do islamismo latente e militante, investiu contra as instituições militares do país, as quais, além de não fazerem a leitura correta e atualizada da conjuntura, caíram na armadilha de intentarem um golpe, real ou não, que oportunizou o verdadeiro golpe.


Politicamente, desde o final do ciclo dos presidentes militares, a V República, as Forças Armadas evoluíram politicamente como nenhuma outra instituição no País pela exata compreensão do seu papel: mantendo-se longe da politica partidária, formando quadros cada vez mais profissionais e lidando habilmente com as elites dirigentes para a obtenção dos meios indispensáveis ao cumprimento de sua missão constitucional.



Inevitavelmente, esse cenário contaminou as Forças Armadas. A habitual cooperação que elas prestam a todos os governos eleitos e a contribuição que os seus integrantes da reserva deram aos quadros do governo eleito em 2018 são hoje apresentadas como seu “envolvimento político”. 


O acirramento de posições, com ilegalidades e extrapolações de parte a parte,  está hoje alimentando investigações persecutórias que em nada contribuem para a pacificação e normalização da vida política do País. Ao contrário, conduzidas de forma parcial, inconstitucional e mesmo imoral, elas trazem intranquilidade e motivam justificadas preocupações em relação à vigência do Estado de Direito.


A saída da presente crise deve acontecer pela conscientização da sociedade brasileira, sujeita a evidentes contradições, mas inerentemente democrática. Será dela que se levantará a saudável rejeição, tanto aos exageros imaturos de uma solução de força para os problemas nacionais, quanto em relação ao arbítrio que se comete hoje a título de defender a democracia à revelia dela mesma.


O Brasil não é uma Venezuela e tampouco uma Turquia. O entrelaçamento de interesses e de relações econômicas e políticas; o tamanho e complexidade da Federação; e a índole do povo brasileiro tornam improvável a implantação duradoura de um 

regime autoritário. 


O que não significa que não haja vontade de fazê-lo, modulado de forma mais ou menos truculenta. Uma vontade ilegítima que transparece nos últimos acontecimentos e que vem sendo denunciada por vozes respeitadas da República.


Nesse quadro, é normal, e esperado até, que os militares se sintam atingidos pelos atos que alcançaram alguns integrantes da instituição militar, não tanto pelo mérito das acusações que devem ser apuradas na forma da lei, como pela ilegalidade, extrapolação e distorção dos fatos, como é dado observar. 


Uma sensação genuína de indignação, inconformismo e mal estar que deve ser, no entanto, cuidadosa e prudentemente gerenciada.


Os militares são, por origem e trajetória, na sua esmagadora maioria, pessoas cumpridoras da lei, conservadoras no pensamento e modo de vida e comprometidas com o País. São pessoas normalmente respeitadas por parentes, amigos e vizinhos, caracterizando-se como idôneas, bons pais e merecedoras de confiança, inclusive nas suas palavras e atitudes.

Não devem, portanto, subestimar sua capacidade de influir na sociedade pelo mero comportamento que exteriorizam e pelas opiniões que emitem, no círculo de seus relacionamentos. 


Pode parecer pouco, mas é muito nesse momento de crise, no qual o principal ativo (que está desaparecendo) é a lucidez.


Ao militar cabe ser neste momento difícil o que foi ao longo de sua vida. 


Não crer nas mentiras bem pagas que se derramam diariamente, querer o bem do Brasil e contribuir para isso com a exação no cumprimento do dever, tanto pelos da ativa como da reserva.


A uns incumbe o fardo da missão em curso, sem esquecer dos que os antecederam no cumprimento da mesma missão, e com os quais têm inalienáveis vínculos. Aos outros, que carregaram exatamente o mesmo fardo, lembrarem-se do seu peso e dificuldades, hoje, sem dúvida, maiores.


A missão é a mesma: defender o Brasil, não importam as dificuldades.

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