FRANCISCO LEALI, Estadão
Até outro dia a gestão petista era conhecida por adotar estilo de porta fechada e ponta pés para tratar com o pessoal das armas. Era mais ou menos assim quando o ministro Flávio Dino estava no Ministério da Justiça. Fazia ele o enfrentamento dando o troco das pedradas que o governo levava no Congresso, principalmente na Comissão de Segurança Pública. Dino foi ao Supremo Tribunal Federal e veio Ricardo Lewandowski. O estilo mudou.
Na noite de terça-feira, 28, o resultado da mudança de métodos traduziu-se na aprovação de um projeto de decreto legislativo revogando um decreto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A derrota do governo foi antecedida de uma negociação de redução de danos. O governo petista sentou para negociar com a bancada da bala. Na próxima semana será editada uma portaria pelo Exército também fruto das conversas com a turma da bala.
O ministro da Defesa, José Múcio, já havia feito convite ao diálogo publicamente na Câmara, mas o alarido dos discursos chamou mais a atenção. Lewandowski repetiu o gesto. Como o governo tem o poder de baixar portarias e decretos que atrapalham a vida dos armamentistas, parte deles entendeu o recado e foi lá conversar.
Um dos primeiros a encontrar a porta aberta foi o deputado Alberto Fraga (PL-DF), que no Lula 1 enfrentou os petistas e acabou saindo vitorioso no referendo popular que tentava proibir a venda de armas no País. Ex-assessor parlamentar das PMs no Congresso e coronel da reserva da Polícia Militar de Brasília, Fraga tentou conversar com Dino. Foi recebido por ele e disse que até ouviu do ministro algumas concordâncias sobre seus pontos de vista. Mas os pedidos para ajustar decretos e portarias da gestão Lula não andaram. Fraga tem uma explicação particular para o insucesso. Atribui a assessores do ministério que já foram de ONGs contrárias as armas.
Dino se foi e Fraga foi ter com Lewandowski. Encontrou a porta aberta. “Costumo falar para meus colegas: esse governo que ganhou é desarmamentista, mas isso não significa que pode haver perseguição a quem tem arma”, comentou Fraga na tarde do dia 29, em que ainda celebrava a aprovação do projeto de decreto legislativo que anulou ainda que parcialmente um ato de Lula.
O coronel da capital federal também foi ao Ministério da Defesa. No último mês, esteve ali pelo menos duas vezes. A primeira foi no dia 21 de maio. Também foram no gabinete do ministro José Múcio, os deputados Fábio Costa (PP-AL), Coronel Assis (União-MT), Alden José (PL-BA) e Sargento Gonçalves (PL-RN). A bancada reclamava de portaria do Exército que reduziu o número de armas autorizadas para policiais. Dizia ainda que o texto legal iria impedir que os da ativa levassem as que já têm para casa, quando se aposentassem. Apesar de o governo argumentar que não estava tirando o direito de inativos terem arma, a oposição queria um compromisso por escrito.
Foi convocada uma segunda reunião no dia seguinte para detalhar o tema. No final da tarde do dia 22, o gabinete de José Múcio se encheu de opositores do governo. Foram 11 deputados, incluindo os que já tinham ido no primeiro encontro. O comandante do Exército, general Tomás Miguel Paiva estava lá e também o braço-direito de Lewandowski, o secretário-executivo do Ministério da Justiça, Manoel Carlos de Almeida Neto. No dia 23, Múcio se reuniu com oficiais generais para concluir o tema, agora, sem a presença dos parlamentares.
Da conversa resultou compromisso do governo de editar uma nova portaria do Exército para deixar claro que policial da ativa que vai se aposentar não perde direito de ter armas. Mas os inativos ficarão proibidos de manter a posse de fuzis.
A redução de danos na derrota
No dia 15 de maio, o deputado Eduardo Bolsonaro, o filho 03 do ex-presidente Jair Bolsonaro, postou em sua rede social uma foto incomum. Estava sentado ao lado do ministro da Justiça do governo Lula. Junto com ele os deputados Paulo Bilysnsky e Carol de Toni, todos do PL. Na foto, estão todos com cara circunspecta. O pessoal da oposição e mesmo o ministro teriam que dar explicações aos seus se houvesse gente rindo na imagem.
Ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, recebe deputados de oposição Foto: Jamile Ferraris / Ministério da Justiça
O tema da conversa era fake news sobre ações no Rio Grande do Sul, mas Bilysnsky pediu para falar de armas no final da conversa. Queria tirar do ministro o compromisso de um acordo para alterar decreto de Lula que tinha endurecido as regras para quem tem porte e posse de arma e frequenta clube de tiro.
Lewandowski preferiu dizer que caberia ao Congresso deliberar sobre o assunto já que estava ativa uma proposta de decreto legislativo para revogar o ato do presidente. Repetiu o que já anunciara em audiência pública na Câmara de que alguns dos pontos reclamados pelo setor poderiam fazer algum sentido jurídico e mereceriam uma “modulação”. O jargão jurídico significa que as regras poderiam ser aplicadas segundo critérios dosados no tempo e espaço.
Apesar de formalmente fora da articulação política, a pasta de Lewandowski recebeu na segunda-feira, 27, o deputado Ismael Alexandrino (PSD-GO). Da base de apoio do governo e praticante de tiro desportivo, o parlamentar foi levar ao ministro a ideia de um texto mais enxuto para evitar que todo o decreto de Lula sobre armas fosse anulado em votação da Câmara. O deputado Alencar Santana (PT-SP) estava junto. “O decreto de Lula era bom, mas havia pontos ilógicos”, admitiu o petista, destacando que a proposta de Ismael ajudou a enxugar bastante a ideia original da bancada da bala de limar o ato do presidente.
Lewandowski não quer ser visto como o pai da negociação. Seus subordinados dizem que ele apenas fez chegar aos deputados que havia pontos passíveis de discussão, mas a solução final deveria partir do Legislativo.
Na noite de 28, a deputada Laura Carneiro, relatora da proposta de decreto legislativo, apresentou uma versão ainda mais reduzida do que a elaborada por Ismael Alexandrino. Estava tudo acordado. O governo sabia o que vinha. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) foi avisado e nem precisou comandar a sessão que por votação simbólica chancelou a proposta de Laura Carneiro.
Entre os pontos que rodaram do decreto de Lula estão a obrigação de um CAC (colecionador, caçador ou atirador profissional) de carregar todas as armas para provar que é assíduo praticante e também o limite de um quilômetro de distância entre um clube de tiro e escolas. “No final, o texto tinha o essencial que queríamos”, diz Fraga.
A bancada da bala ainda acredita que pode levar mais já que sentiu o gosto de que é possível impor derrotas ao governo. Ainda assim, o dia em que a porta foi aberta aos armamentistas pode relembrar aos dois lados que, de vez em quando, dá para fazer política sem histeria. E pode, também, reduzir os danos quando a vitória vai para o opositor.
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