Este artigo é do Observatório Brasil Soberano
A articulação entre o STF e setores do Congresso para criar um mecanismo de proteção contra sanções estrangeiras representa um dos maiores riscos sistêmi cos para a economia brasileira na história recente. Essa reação, pintada como uma defesa da soberania, ignora toda a infraestrutura do sistema financeiro global, começando a criar um ambiente ainda maior de insegurança jurídica e custos que serão divididos por toda a população. A raíz do problema está num conflito impossível de se reconciliar. De um lado, a legislação americana congela ativos e proíbe transações sob sua jurisdição, um alcance que se estende a qualquer operação que tenha início, meio ou fim no dólar ou em empresas americanas. De outro, a decisão do STF de condicionar a validade de atos estrangeiros à homologação judicial nacional, criando um limbo para qualquer instituição financeira ou empresa que opere internacio nalmente. Elas estão presas entre o risco de sofrerem sanções devastadoras do Tesouro americano ou enfrentarem penalidades no Brasil por cumprirem deter minações estrangeiras. A ideia de uma lei "anti embargo" nacional é impraticável, e a sua ineficácia é histórica. A União Europeia tem desde 1996 um mecanismo parecido, o "Blo cking Statute", para contrapor as sanções americanas. Mas o passar do tempo mostrou que, quando confrontadas com a escolha entre cumprir a lei local e perder o acesso ao mercado e ao sistema de compensação em dólar, as corpo rações e os bancos invariavelmente optam por seguir o dólar. O caso do banco BNP Paribas, multado em 8.9 bilhões de dólares em 2014 por violar sanções, é até hoje um lembrete claríssimo da seriedade e do alcance do poder da lei Magnitsky. Tentar replicar no Brasil um modelo que já se provou inútil é ignorar um precedente claro (e caro!) em troca de uma demonstração de força política. O contágio desse risco para a economia se espalha pelos canais financeiros mais comuns, os bancos. O principal vetor é o sistema de bancos correspondentes e de compensação de pagamentos em dólar, que é centralizado nos Estados Unidos. O risco de sanções leva a uma overcompliance, onde os intermediários internacionais, para se proteger, vão aplicar um rigor cada vez maior cortando relações, atrasando transações e recusando negócios não apenas com as partes sancionadas, mas com qualquer empresa do país que possa estar na zona de respingo. A consequência é o encarecimento do crédito para empresas brasilei ras, dificuldades para exportar e importar, e uma pressão sobre a taxa de câm bio que vai desaguar na inflação e no poder de compra do brasileiro. A resposta das empresas precisa mudar. É essencial que o sistema financeiro seja o adulto na sala quando o assunto é a Lei Magnitsky, já que a classe política se recusa a enfrentar o caos que causou. A tentativa de normalizar uma afronta à arquitetura financeira global é uma estratégia que privatiza a blindagem de algumas autoridades e socializa a perda aos mais pobres. O cenário mais pro vável é que a proposta de lei seja desidratada, mas o dano à credibilidade e ao prêmio do ‘risco Brasil’ já terá sido feito. Se os EUA perderem a paciência, quan tos bancos irão acordar com uma retaliação americana na caixa de email, com a redução das suas linhas de crédito e do adiamento dos seus investimentos? A mecânica das sanções não é apenas uma questão de interpretação jurídica, mas de infraestrutura operacional. Insistir em continuar ignorando o terremoto sob os pés da economia nacional é pagar um preço alto pelo luxo de continuar desprezando a realidade
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