Principal arma da campanha de Jair Bolsonaro (PSL), o
WhatsApp tem municiado uma bem-sucedida máquina online que sustenta a
candidatura do militar reformado no mundo offline. Com apenas nove segundos de
TV, o líder nas pesquisas conseguiu arrematar 49,2 milhões de votos no primeiro
turno, inverter a lógica tradicional das disputas eleitorais e criar a sua
própria narrativa política a partir de um aplicativo de celular.
Militante digital bem antes de entrar na corrida ao
Palácio do Planalto, Bolsonaro conta com uma rede virtual tão poderosa quanto
barata. Liderada pelos seus filhos, pensada por uma empresa especializada e
disseminada pelos apoiadores, a estratégia alimenta a internet com informações
sobre a campanha e, claro, muito antipetismo. Além da propaganda, pelo baixo
controle ainda característico do meio digital, as redes acabam recebendo de
tudo – de dados fidedignos e críticas à imprensa até dúvidas infundadas sobre
as urnas eletrônicas e mentiras camufladas de notícias.
Vereador do Rio, o filho Carlos Bolsonaro (PSC) sempre
foi o principal responsável pelos vídeos de edição simples e linguagem
coloquial do pai. Durante a campanha, ganhou reforço: uma empresa de
inteligência digital com sede em seis cidades do país que distribui conteúdo
para cerca de 1,5 mil grupos de WhatsApp. A partir do primeiro envio, os materiais
são compartilhados de maneira espontânea entre os apoiadores, estimulados a
compartilhá-los.
Apesar do plano coordenado, o sucesso está relacionado ao
voluntarismo de simpatizantes do deputado federal espalhados pelo país. Para o
professor da Universidade de São Paulo (USP) Márcio Ribeiro, um dos
responsáveis pelo projeto “Monitor do debate político no meio digital”, as
regras do aplicativo sinalizam o componente orgânico da campanha online – por
limitar em 256 o número de participantes por “fórum”, o WhatsApp depende do
engajamento de seus usuários para que as mensagens circulem.
– É uma dinâmica muito diferente da TV, na qual, em uma
tacada só, quem conseguiu apoio dos partidos de centro ficou com a maior parte
do tempo. Nas redes sociais, esse movimento é orgânico. Não está claro o quanto
há de coordenação. Aparentemente, estamos vendo um processo de baixo para cima:
as pessoas se convenceram de defender Bolsonaro e estão voluntariamente fazendo
propaganda para ele – analisa Ribeiro.
De início, a estratégia “oficial” do time digital
consistiu na criação de grupos de WhatsApp por Estado. Dali, passaram a
distribuir conteúdos diários aos apoiadores, vorazes compartilhadores de
imagens, vídeos e memes de Bolsonaro. Ao que tudo indica, o limite de integrantes
imposto pela ferramenta fez multiplicarem-se os grupos de WhatsApp.
Nem mesmo a campanha do capitão pode precisar quantos
existem: pela criptografia, o aplicativo tem monitoramento complexo e controle
dificultado. Uma integrante da campanha da candidata a senadora Carmen Flores
(PSL), palanque de primeira hora de Bolsonaro no Rio Grande do Sul, por
exemplo, calcula que existam 50 grupos ativos somente na Região Metropolitana.
Mas a própria apoiadora considera a estimativa acanhada.
Revolução no marketing político e espaço de disseminação
de mentiras
Segundo estudo do pesquisador Maurício Moura, da
Universidade George Washington, nos Estados Unidos, o conteúdo pró-Bolsonaro
espraiou-se para 40 mil grupos de WhatsApp nos dias mais movimentados da
campanha, sobretudo, nas duas semanas pré-votação. Em um dia “normal”, chegou a
15 mil.
Moura é um dos brasileiros que busca mapear o impacto do
dispositivo no debate eleitoral do país. Fundador da Ideia Big Data, empresa de
pesquisas de opinião pelo celular, acompanha 800 mil brasileiros que
disponibilizam voluntariamente os seus dados. Resultados parciais mostram
simbiose entre a estratégia em rede e o compartilhamento de notícias falsas:
— O WhatsApp funciona de maneira espontânea, sem
impulsionamentos e algoritmos. Antes do início da campanha, a única que tinha
uma estrutura orgânica, ativa e contundente era a equipe de Bolsonaro. Os seus
seguidores criaram um hábito de compartilhamento que multiplicou o conteúdo. O
lado bom é que conseguiram derrubar todos os clichês eleitorais em relação ao
marketing político. O ruim é que perdeu-se o controle do conteúdo. Aí, as fake
news ganharam uma dimensão nunca antes vista.
Fóruns informais alavancam alcance
Distantes do núcleo da estratégia digital oficial de Jair
Bolsonaro (PSL), há brasileiros responsáveis pelos próprios grupos de
simpatizantes do capitão reformado do Exército. O empreiteiro Vitor Souza, 48
anos, entrou no início do ano passado em um desses fóruns, batizado de “Mito”,
quando um conhecido de Brasília o incluiu.
Depois de um aborrecimento com amigos por causa das
repetidas discussões sobre política, criou os seus próprios grupos: “Eleitores
de Bolsonaro” (256 participantes), “Bolsonaro 17” (240) e “Bolsonaro RS” (190).
Ele ainda figura como administrador em outros cinco.
Dado seu protagonismo, Souza foi incluído no grupo
“Central de Informações”, do qual participam somente administradores de fóruns
numerosos, em uma espécie de comando informal. Por ali, unificam os assuntos a
serem divulgados e definem as estratégias de campanha — passado o primeiro
turno, por exemplo, a ordem era que parassem de difamar nordestinos.
— Criamos uma rede para desmistificar as fake news a
respeito do Bolsonaro – argumenta Souza.
Para pesquisadores do tema, o efeito WhatsApp também
respingou na eleição para o Legislativo. Sem acesso ao fundo partidário,
campanhas econômicas conseguiram divulgação espontânea pelo aplicativo. Eleito
para a Assembleia com 102 mil votos, o estreante Ruy Irigaray (PSL) contou com
o apoio voluntário de 30 pessoas. Segundo o produtor de eventos Márcio
Ferreira, 39 anos, os “marqueteiros” informais criaram entre 280 e 300 grupos:
— Antigamente, tinha dinheiro para ir à TV, ao rádio.
Hoje, não. A maioria da galera que está entrando na política não tem dinheiro.
Aí, aproveita a ferramenta do WhatsApp, que, como é gratuita, acaba dando um
“up” na divulgação do trabalho deles.
Monitoramento para excluir simpatizantes do adversário
Entre as tarefas de Ferreira, está o monitoramento de
eventuais “infiltrados” – quem declara voto em Fernando Haddad (PT) ou digita
“Lula Livre” acaba removido de imediato. Devido à dinâmica que chega a
ultrapassar mil mensagens por dia, precisou selecionar conhecidos “de
confiança” e promovê-los a administradores para controlar as discussões.
Muitos grupos são públicos. Para participar, basta entrar
por meio de links divulgados na internet. Um site reúne os endereços de 150
fóruns de WhatsApp — o clique garante o recebimento diário de vídeos, imagens e
memes prontos para viralizar, assim como um tanto de notícias falsas de origem
desconhecida.
— A capacidade de encaminhar mensagens e criar grupos
relativamente grandes coloca o WhatsApp em um lugar ambíguo: um espaço de
comunicação privada onde é muito fácil e barato transmitir desinformação —
pontua Márcio Ribeiro, pesquisador da USP.
Desenvolvido pelo professor Fabrício Benevenuto, do
departamento de Ciência da Computação daUniversidade Federal de Minas Gerais
(UFMG), o “Monitor de WhatsApp” vem acompanhando 350 grupos de discussão
política no aplicativo – a maioria, pró-Bolsonaro. Pela ferramenta, os
pesquisadores coletam imagens, vídeos, áudios e mensagens para analisar o ainda
incompreendido fenômeno das fake news.
– Esses grupos públicos são uma forma de espiar, por uma
fresta, o que está acontecendo no WhatsApp. São a porta de entrada para as
notícias falsas: neles, estão pessoas engajadas em ajudar seus candidatos e que
participam para espalhar o que realmente acreditam – diz Benevenuto.
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