O momento é oportuno, então, para estas ponderações.
Não parece ser justo, em muitos casos, que recaia
exclusivamente sobre os ombros dos governantes o peso dos insucessos que
ocorram em suas gestões. Para efeitos históricos, biográficos e para a
pedagogia que se deve colher do cotidiano numa democracia, isso não está certo
e não faz bem. Esse débito levado à conta dos governantes não corresponde, por
exemplo, ao que vi acontecer nos governos Rigotto, Yeda e Sartori. Deixo de
incluir os dois governos petistas que se entremearam à lista porque ambos
atuaram como persistentes e ativas empresas de demolição.
Tendo observado de perto os dois governos do PMDB e o
governo do PSDB, pude perceber que, após alguns meses, todos estavam
perfeitamente esclarecidos sobre as efetivas necessidades do Estado. Já
conheciam a realidade e tinham traçado as providências a serem adotadas para
pôr ordem nas contas e começarem a promover as iniciativas típicas de Estado
com vistas ao desenvolvimento econômico e social.
Mas qual! Saber, conhecer, nunca bastou. Diferentemente
do que se crê, governadores não são os autores monocráticos de qualquer medida
saneadora das contas públicas. Nada acontece sem aval legislativo; nada que
tenha qualquer reflexo no Poder Judiciário acontece sem uma agenda de
insistentes e persistentes reuniões entre poderes. Nelas, diálogo e negociação
não são sinônimos de entendimento e êxito. Quantas vezes as negociações
fracassam e os diálogos não levam a parte alguma!
Por isso, quando ouço postulantes a cargos executivos
afirmando que resolverão os problemas com capacidade de negociação e com
diálogo, firmo a convicção de que, em breve, estarão pagando o preço da
inexperiência. É preciso saber como reagem os parlamentos quando as galerias
superlotam, ou quando os corredores dos gabinetes são tomados por corporações
funcionais engravatadas, ou pelo cortejo dos amigos.
A palavra final sobre a despesa pública é proferida na
Assembleia Legislativa, ou vem, às vezes, escrita pela mão do Poder Judiciário.
Quem acompanhar esse diálogo entre poderes, através dos anos, perceberá a
sensação de impotência do governante sempre que a impopularidade de qualquer
iniciativa abre fissuras na sua base parlamentar. É algo que espanta porque o
controle do gasto público está na própria essência da função legislativa e na
origem mesma dos parlamentos ao longo da história, desde a Magna Carta de 1215.
No entanto, questões de finanças e orçamento suscitam muito pequeno apreço em
meio às atividades parlamentares. O orçamento é visto, preferivelmente, sob a
ótica do benefício político advindo do gasto e nunca acolhido como um provável
ônus político advindo do senso de responsabilidade.
É bom dizer sim ao gasto. É ruim dizer não à despesa. É
bom dizer sim ao endividamento. É muito ruim pagar a dívida. O voto – que
diabos! – vem do dinheiro despendido e não do dinheiro arrecadado ou
economizado.
Haverá quem diga que essa é a lógica da democracia. Mas
não penso que se trate de realismo, assim entender. Se realismo for, é um
realismo cínico porque não se deveriam salvar mandatos hoje, condenando, ali
adiante, as demandas da população ao abandono pelo Estado falido. E a tal ponto
chegamos: abandono da população por parte das instituições de Estado que ela
custeia para servi-la.
Inverte-se o polo de comando e dependência. A soberania
muda de mãos; sai do povo e vai para aqueles a quem constituiu para servi-lo.
Já não é o Estado que trabalha para a sociedade, mas é esta que trabalha para
manter o Estado. Tal entendimento oposto precisa ser reentronizado nos nossos
parlamentos! Deputados e vereadores deveriam sentir-se até mais responsáveis do
que governadores e prefeitos em relação às contas públicas. Ao longo da
história recente, é prioritariamente de sua conta a crise fiscal da União e dos
entes federados. Mas essa consciência só agirá como grilo falante na hora das
decisões legislativas quando a própria população tomar consciência, por sua vez,
de que a irresponsabilidade deve ser castigada e não premiada na hora da
eleição.
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