As primeiras manifestações do futuro ministro da Economia
e do futuro chefe da Casa Civil deixaram o mercado com uma impressão e uma
certeza.
A impressão: o Governo Bolsonaro está sim, no rumo das
reformas. A certeza: se nada mudar, a trajetória daqui até lá será ‘ com emoção
‘.
As primeiras 72 horas do governo eleito renderam
headlines como “Paulo Guedes desautoriza fala de Onyx sobre Reforma da
Previdência” e até um momento de rispidez do futuro ministro com uma repórter
argentina. Por que tanta tensão, tão cedo?
Todo governo precisa de alguém que facilite e organiza as
discussões entre o primeiro escalão e o Presidente, melhorando os fluxos de
comunicação dentro da equipe e dali para fora.
Idealmente, este organizador até se abstém de opinar em
benefício do bem maior: criar um processo em que as ideias da equipe sejam
otimizadas, com o mínimo de atrito e ruído. Esta pessoa também define quem na
equipe fala sobre o quê, e o que se diz publicamente – e sobre o que se calar.
No primeiro governo Fernando Henrique Cardoso – o último
em Brasília que privilegiou o método sobre a intuição - este papel foi
desempenhado pelo ministro chefe da Casa Civil, Clóvis Carvalho.
Ex-secretário de Planejamento de Franco Montoro em São
Paulo, além de ter sido diretor no Metrô, na Sabesp e na Comgás, Carvalho é o
tipo de cara cuja foto aparece no dicionário quando você procura a palavra ‘
discrição ‘. Trabalhou de forma inodora e incolor, e sua real efetividade até
hoje só é devidamente apreciada por quem fazia parte do núcleo do Governo.
Carvalho sabia que, naquele cargo, era preciso sublimar
seu ego para permitir que os outros egos convivessem sem quebrar a louça da
casa. Num Palácio onde historicamente sobra testosterona e faltam escoteiros, é
preciso ser metódico, manter um calendário, usar uma agenda.
Agora, a Casa Civil pertence ao deputado Onyx Lorenzoni,
que não é exatamente talhado para este tipo de abordagem.
Acostumado ao debate parlamentar combativo, Onyx é o
proverbial gaúcho que dá um boi para não entrar numa briga e uma boiada para
não sair, e, como tal, é mais provável que se saia melhor na tribuna do que no
equilíbrio delicado que a Casa Civil lhe exigirá. Talvez Onyx devesse contratar
um Clóvis.
“O que vimos nos primeiros três dias não pode continuar,”
diz um gestor de investimentos confiante no novo governo, mas chocado com a ‘
bateção de cabeça ‘.
“Este governo tem que se organizar, tem que haver uma
regra de conduta entre eles, e alguém para impor e vigiar essa regra”. O
governo tem tantos empresários do ramo de consultoria apoiando... Por que não
usam um deles?
Sob Fernando Henrique, a Casa Civil cuidava das ações de
governo; a articulação política ficava na mão de terceiros. A mecânica era
engenhosa: a Casa Civil criava câmaras de conselho do governo - subgrupos
temáticos formados por ministros afetos a uma específica política pública –
colocando junto todo mundo que podia ajudar (ou atrapalhar) uma tomada de
decisão. O objetivo era criar o ambiente para se produzir consenso. Quando isto
não era possível, o ‘ next Best ‘ era obter o consentimento da parte vencida.
E, quando nem isto era possível, a autoridade decidia a bola dividida.
O modelo de Casa Civil de Bolsonaro está mais parecido
com o figurino de José Dirceu no primeiro mandato de Lula: Dirceu era ao mesmo
tempo o articulador político e o coordenador das ações de governo. Trata-se de
uma dualidade às vezes insustentável: num de seus dois papéis, Onyx tem que
decidir qual parte da agenda será priorizada para o bem do Governo; no outro,
tem que lutar para estar sempre ‘ de bem ‘ com a base política.
Deputado há 27 anos, o Presidente eleito nunca trabalhou
gerindo uma equipe executiva. Como transitou por diversas legendas, sequer teve
tempo de se familiarizar com os processos organizacionais próprios de um
partido. Nunca foi prefeito ou governador, nem foi exposto ao escrutínio (ainda
maior) da imprensa que virá com o cargo.
Da mesma forma, Bolsonaro (e a maior parte de seu
ministério) nunca tiveram que se preocupar com os efeitos de suas falas sobre
os mercados, nem com as implicações legais. Até agora, bastava atirar, mas
“daqui pra frente, tudo vai ser diferente.” Os erros serão cobrados em
popularidade e volatilidade.
Se o círculo mais restrito não encontrar uma forma de se
disciplinar e dividir o que pertence a quem, o núcleo duro do novo governo vai
gerar mais calor do que luz.
Acabará se desgastando mais do que o necessário, e mais
cedo do que se imagina.
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